Numa já longínqua noite de Maio de 1974, a este edifício foi o meu pai chamado através de um curto telefonema. Aquele telefone 29292 da R. Dr. J. Serrão 40, soava então incessantemente, dado o momento que o país vivia. Uma voz sua conhecida deixou-se de circunlóquios e num tom imperativo proferiu uma convocatória:
- Vítor, vem cá amanhã ao fim da tarde, o assunto é urgente.
- Não me podes dizer do que se trata?
- Não. Por telefone não! Amanhã, sem falta, aqui no Centro Ismaelita, ao fim da tarde.
- Vítor, vem cá amanhã ao fim da tarde, o assunto é urgente.
- Não me podes dizer do que se trata?
- Não. Por telefone não! Amanhã, sem falta, aqui no Centro Ismaelita, ao fim da tarde.
No dia seguinte foi directo ao gabinete de quem o chamara e sem rodeios informaram-no da urgência de iniciar os preparativos para evacuar a família, toda ela. Respondeu que já tinha decidido isso mesmo e que no aniversário da minha mãe, no passado 27 de Abril, a todos tinha escandalizado com a notícia, pois decidira partir antes do fim do ano. A questão era colocada de forma clara, questionando-os acerca de uma África onde existiam países independentes há praticamente duas décadas e os casos de violência seguidos de expulsão em massa acumulavam-se desde a Argélia até ao Uganda. Segundo ele, porque seria diferente no ultramar português? Teriam todos eles ouvido as emissões de rádio, cada vez mais incendiárias, um indício seguro do que viria?
- Será tarde demais, tens de ir quanto antes, preferencialmente antes da assinatura do acordo com eles.
- Porquê, o que sabes acerca do assunto?
- O príncipe Karim avisou a nossa comunidade, pedindo-nos para contactarmos pessoalmente e de forma o mais discreta que for possível, todos os amigos portugueses que conheçamos.
Não haverá acordo algum! Disse-nos para não acreditarmos em absolutamente nada que seja prometido pela gente que Lisboa para cá tem enviado. Nem nos militares, nem nos civis, mesmo aqueles que até agora aqui têm vivido, sabes a quem me refiro. É tudo falso, seremos abandonados em poucos meses e a independência "de mão beijada" - foi este, o termo utilizado na reunião -, virá em meados de 75. Não sabemos o que entretanto sucederá, mas não deve ser nada difícil de imaginares, pois não?
- Não. Mas... vamos ser despachados já daqui a um ano?
- Vamos! Então arranja-te e avisa discretamente toda a tua família e amigos e que cada um deles proceda a este passa palavra.
- Porquê, o que sabes acerca do assunto?
- O príncipe Karim avisou a nossa comunidade, pedindo-nos para contactarmos pessoalmente e de forma o mais discreta que for possível, todos os amigos portugueses que conheçamos.
Não haverá acordo algum! Disse-nos para não acreditarmos em absolutamente nada que seja prometido pela gente que Lisboa para cá tem enviado. Nem nos militares, nem nos civis, mesmo aqueles que até agora aqui têm vivido, sabes a quem me refiro. É tudo falso, seremos abandonados em poucos meses e a independência "de mão beijada" - foi este, o termo utilizado na reunião -, virá em meados de 75. Não sabemos o que entretanto sucederá, mas não deve ser nada difícil de imaginares, pois não?
- Não. Mas... vamos ser despachados já daqui a um ano?
- Vamos! Então arranja-te e avisa discretamente toda a tua família e amigos e que cada um deles proceda a este passa palavra.
Foi precisamente o que fez e as respostas foram unânimes. Galhofa, corte de relações, insultos, risos de gozo recheados de enxovalhos e do sempiterno "vais-te embora com o rabo entre as pernas logo agora que isto vai ser bom, pá?"
Viu-se.
No dia 30 de Agosto de 1974, apenas a avó Irlanda esteve no aeroporto Gago Coutinho.
Uma semana depois do 7 de Setembro quase todos eles começaram a chegar gota a gota ou em massa. Desprovidos de tudo, vergonhosamente explorados pelos militares dos negócios dos câmbios, nem sequer tendo poupado os filhos e idosos pais ou avós a visões de uma violência dantesca.
- Afinal tinhas razão!
Digam do Aga Khan o que quiserem imaginar, mas estar-lhe-ei eternamente grato.
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