Beatril Buchili e Thuli Madonsela: uma comparação forçada mas necessária
A elite moçambicana da administração da justiça está reunida em Maputo para discutir, com suas contrapartes de língua portuguesa, a acção penal contra a corrupção. É daquelas reuniões de utilidade limitada. Serve para preencher o check list das acções da cooperação internacional nesta matéria. No dia seguinte muda pouco. Mas já foram gastos milhões de USD. Coffee breacks para arrotar grosso e jantares engalanados.
Quem surgiu em peso foi nossa PGR Beatriz Buchili, mais uma vez exibindo suas vacuidades golpeando nossa higiene mental. Ela disse coisas aterradoras. Que nossa sociedade deve ser menos tolerante contra a corrupção. Ora, a pessoa que mais tem promovido a tolerância e a impunidade contra a corrupção é ela mesmo, protelando a responsabilização criminal dos autores desse procurement ilegal de 2 mil milhões de USD que originou a actual crise da divida.
Beatriz Buchili não sabe que a crise da dívida, e a ausência de responsabilização, vai aumentar a corrupção? Quebrar a confiança dos cidadãos nas instituições? Não sabe que, quando a mobilização social para a modernização colapsa, numa crise movida pela ganância das elites, provoca-se uma “frustração social” e aumenta a competição entre os cidadãos por poucos recursos disponíveis? E a corrupção é um dos meios usados para obtenção desses recursos? Vira mecanismo forçado de redistribuição da riqueza? E os custos morais contra ela, a corrupção, baixam drasticamente? E para se reverter o cenário o exemplo deve partir de cima, e não de baixo? A primeira pessoa que se devia exigir a si mesmo uma postura menos tolerante contra a corrupção é ela mesmo.
Na sua intervenção, Buchile disse que precisava de mais meios. Esta exigência é suspeita. A prática mostra que quanto mais meios menos transparência! Entre 2001 e 2004, quando nossas elites assassinaram Siba Siba Macuacua e os doadores condicionaram o apoio orçamental à realização de uma auditoria forense, elas, as elites, fizeram tudo para que o relatório dessa auditoria não fosse divulgado. Até hoje! Para isso, o Banco de Moçambique se encarregou de pagar a conta. Agora com a crise da dívida só ficamos a saber do relatório da Kroll porque quem pagou a factura foi o contribuinte sueco. Mesmo assim, Beatriz Buchile não permitiu que partes relevantes do documento fossem divulgadas.
Mais meios? Ok! Mas para que? E o que tem feito com os meios que tem? Quer meios para programas especiais de protecção de denunciantes e testemunhas? Quer menos para aprender como se congelam e confiscam bens roubados e produzir legislação relevante? Quer meios para dotar a policia de capacidade científica? Para fazer escutas telefónicas legais? Ou para enviar peritos locais no rasto dos 500 milhões de USD que desaparecem do bolo da dívida ilegal.
Há muito tempo que andamos na mesma ladainha de meios. O que Moçambique precisa para promover uma acção penal firme contra a corrupção é de gente condutora da mudança. Campeões da integridade. Gente como Thuli Madonsela, a ex-Public Protector da África do Sul. Madonsela destruiu a rede criminosa de Jacob Zuma (e os irmãos Guptas) com apenas 1.5 milhões de randes. A pilhagem RAS ultrapassava em larga medida os nossos 2 mil milhões USD. Só o nuclear deal em que os Guptas ligaram a Eskom a Rússia orçava os cem bilhoes de randes.
Mas Thuli Madonsela precisou apenas de 1.5 milhões de randes. Para pagar investigadores forenses e peritos financeiros que trabalharam numa multiplicidade de jurisdições, Suíça e Dubai incluídas, recolhendo evidencias que lhe ajudaram a produzir o relatório State of Capture, que ela apresentou no parlamento da RAS e abriu caminho a renúncia de Zuma, que hoje se senta no banco dos réus. Na batalha contra Zuma, Thuli foi humilhada, insultada, vilipendiada mas não vergou, Hoje ºe uma heroína do povo. Sua história esta documentada no recente livro da jornalista Thandeka Gqubule, intitulado No Longer Whispering to Power. The Story of Thuli Madonsela. Beatriz Buchili podia aprender com Madonsela, que era apenas uma espécie de Ombudsman (o equivalente a nosso Provedor de Justiça).
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