Thursday, March 2, 2017

OS PONTOS de Fernando Lima (24.02.2017)


NAMANHUMBIR
Facto da Semana: Rusga policial em Nha­manhumbir, distrito de Montepuêz, Cabo Delgado.
É uma região onde há grande mina de rubis explorada por uma empresa britânica Gemfields e que tem uma participação moçambicana da empresa Mwiriti que é detida maioritariamente pelo General Raimundo Pachinuapa. Aconteceu lá uma grande intervenção policial e outras forças de Defesa e Segurança que procederam a uma autêntica caça ao homem.
Não sou a favor do garimpo ilegal. Não sou a favor destas acções desregradas que a pobreza e o desemprego fazem ocorrer por todo lado em Moçambique. De qualquer forma há outros aspectos, outro lado da moeda que tem a ver com os direitos humanos e que tem a ver com o respeito pela legalidade. Se uma pessoa é residente naquela localidade e tem sua vida estabelecida, independentemente de ser moçambicano ou não, essa pessoa não pode ser violentada só porque está numa zona de rubis. Para além da polícia, existem advogados, procuradores e todo o aparato judicial que devia ter sido mobilizado e não foi para esta grande operação. Para se ter a dimensão desta operação foram detidas cerca de três mil pessoas entre estrangeiros e moçambicanos. O grosso era de moçambicanos de cerca de 1700, o resto era na sua maioria de origem tanzaniana por ser a fronteira mais próxima do local. Foi uma operação que nos lembram as rusgas depois da independência para levar pessoas para os “campos de reeducação” e a “operação produção” na década de 80. Acredito que é possível fazer uma operação séria sem se violar os direitos humanos, não importa a nacionalidade dos envolvidos.
Crise no MDM: A crise do MDM tem a ver com o desentendimento entre o Mahamudo Amu­rane com outros elementos da direcção e também um combate cerrado pelo partido no poder contra a oposição. É uma tentativa de se denunciar que a oposição não tem capacidade de gerir os seus mu­nicípios. Existem auditorias internacionais que dão a Mahamudo Amurane um nota positiva em relação a transparência com que tenta gerir o município, as matrizes dos programas e os seus relatórios de contas.
O que está a se passar em Nampula é o que acontece em todo país seja quem estiver no poder.“Jobs for the boys”, ou seja distribuir dinheiro para o partido e pelos seus militantes. Amurane rema contra esta maré. Ele tenta mostrar que é possível fazer as coisas de maneira diferente. E nas autarquias é possível fazer-se a corrupção de forma mais notória. É assim o padrão internacional.
O fato de Amurane não participar nas reuni­ões da Comissão política evidencia crise, mas tam­bém  também ingenuidade política dele. A não ser resolvido este diferendo, abre caminho para que Amurane parta para uma candidatura independente. Espero que o MDM saiba gerir esta situação. As crises têm esta dimensão de fazer com que as instituições possam crescer. Precisamos de partidos fortes, de uma oposição forte e todo este incidente tem sido largamente aproveitado por todos os detractores do edil de Nampula.
Caso Josina Machel: Está a perder-se uma grande oportunidade de se debater o assunto de violência doméstica, concentrando-se a atenção na indemnização acordada pelo tribunal. Houve banalização dos factos e das personagens
envolvidas. Estamos a comentar a sentença que eu não conheço na sua totalidade. Não conheço todos os factos arrolados no processo. Cada caso é um caso, não se pode comparar uma pessoa sentada no banco dos réus que foi a universidade de uma que não tem qualquer nível académico. O mesmo para uma pessoa desprovida de bens e um catador de lixo da lixeira de Hulene. Numa indemnização deste vulto, certamente que a instância judicial superior irá se pronunciar analisando o recurso interposto, analisando os posicionamentos das partes,Não estou de acordo com a posição da Graça Machel, de que queria que fosse preso efectivamente.
Ela reagiu como reagiu como qualquer popular do bairro de Xikelene. O encarceramento prisional não resolve o problema, o nosso sistema não é pelo sistemático agravamento de penas. Não há prisão perpétua, aboliu-se a pena de morte, aboliu-se a lei que aplicava castigos corporais. As penas alternativas foram criadas para que as pessoas que tenham comportamentos desviantes se possam reinserir. A expiação da pena, não se faz pelo encarceramento. Uma pessoa com um alto nível académico sente-se mal só por estar nas bocas do mundo. Se uma pena é suspensa por cinco anos quer dizer que neste espaço de tempo se cometer outro crime é recolhido para as celas. Não concordo com a posição da Comissão dos Direitos Humanos da ordem dos Advogados para um agravamento das penas sobre violência doméstica. Há algum modismo nestes pedidos: Se temos raptos temos de aumentar as penas, se temos drogas temos de aumentar as penas, se temos crimes de colarinho branco, temos de aumentar as penas. A questão não é das penas, mas sim da sociedade. A nossa sociedade está doente. É aí que temos de fazer um trabalho de fundo. Deve-se fazer um trabalho a montante dos tribunais, de valor pela vida, pelas instituições, de respeito pela própria família e dos valores morais. O sistema jurídico tem outras formas de analisar crimes mais gravosos como o homicídio que é cometido no seio familiar. O homicídio não pode ser punido com serviços comunitários. Se resolvêssemos tudo com prisão, não havia prisões para acolher todos os infractores da lei.
Dívidas ocultas: Recusar pagar a dívida vai arrastar um processo litigioso por mais tempo e Moçambique necessita urgentemente de pão para boca. Mas há mérito nesta questão. Os planos de negócios apresentados aos bancos estão muito longe de ser realísticos. A questão legal da fiscalização dos empréstimos e da apreciação seja do parlamento ou do Tribunal administrativos, são elementos bastantes para que Moçambique se constituísse em parte litigante contra os bancos que concederam os empréstimos. Moçambique não pagaria e argumentaria que há ilegalidade. Mas, se há ilegalidade é preciso encontrar quem cometeu essa ilegalidade. O que significa entregar cabeças importantes. Será que o partido no poder quer correr estes riscos? É um sentimento generalizado de que não se quer pagar as dividas não apenas a nível interno, mas sim pelos organismos internacionais e sociedade civil por pensar que a grande banca internacional tem sido predadora nas suas acções. Isto significa que o governo vai conseguir melhores termos para o pagamento da dívida, invocando um serie de questões que não colocam bem na fotografia os bancos e outros intervenientes no processo.
O relatório da Kroll: Na minha óptica, versão final do relatório da Kroll vai ser alvo de uma disputa politizada e é possível que se produza uma versão pública e uma versão “hardcore”, mais pesada e com questões mais sensíveis, a serem analisadas pelos órgãos de soberania e com acesso pelos parceiros de cooperação e instituições financeiras.
Tem havido resistências, os documentos não têm sido disseminados e por isso houve necessidade de se prolongar o tempo.
Relatório da Amnistia Internacional: Moçambique não poderia sair bem na fotografia, uma vez que estamos envolvidos num conflito interno que tem como características a guerra suja. O relatório da AM com maior peso penaliza a actuação governamental, mas não é omisso ao abuso dos direitos humanos por parte da Renamo. O relatório levanta a questão dos “esquadrões da morte” que tem eliminado sobretudo elementos da Renamo, as valas comuns, moçambicanos que procuram refúgio nos países vizinhos mas que o governo descreve como imigrantes económicos e atentados à liberdade de expressão contra pessoas que se pronunciam diferenciadamente das opiniões do poder. A Renamo é acusada de saquear hospitais, esquadras de polícia e montar emboscadas contra civis nas estradas do país.
Nota: excertos editados do programa “Os Pontos de Fernando Lima”emitido às sextas-feiras, pelas 19 horas na rádio SAVANA100.2FM. Compilação de Rafael Ricardo.
MEDIAFAX – 27.02.2017

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