domingo, 9 de outubro de 2016

O Acordo geral de Paz foi escangalhado todo.

Entrevista Afonso Dhlakama: “Dispenso diálogo com Nyusi”

Líder da Renamo, Afonso Dhlakama, não tem dúvidas de que o Acordo Geral de Paz (AGP) foi “escangalhado a 100%” nos 24 anos da sua implementação, assinalados terça-feira, 4 de Outubro, e quer no novo acordo, a alcançar ainda este mês, o tini do ódio e uma reconciliação genuína entre os moçambicanos. Contudo, dispensa o diálogo directo com Filipe Nyusi, que acusa de promover matanças de políticos, recorrendo a esquadrões de morte, com raptos e execuções nunca antes vistos, desde a administração de Machel a Guebuza. Apelou “aos camaradas meus irmãos da Frelimo”, que estiveram reunidos (reunião de quadros) e aos do Comité Central, que iniciam hoje uma reunião de três dias, que já não é tempo de fazer propaganda, porque o povo está a sofrer. “Se há guerra, é porque a Frelimo tem estado a provocar a Renamo, e sejamos realistas, o país não é da Renamo, o país é do povo, não é de Guebuza, de Chissano, nem do Dhlakama e nem do Nyusi, nós somos dirigentes, cada um deve estar em prol dos interesses superiores deste povo”, precisou o líder da Renamo, enquanto repisava que o seu partido reafirma a governação das seis províncias, como condição para um acordo final.
Sendo uma peça chave do AGP, como olha o acordo 24 anos depois?
De facto ontem (terça-feira) comemorámos o 24° aniversário do acordo político. Negociámos em Roma e chegámos a uma conclusão. A Frelimo reconheceu que havia perdido a guerra no terreno, tentou resistir 16 anos, não foram poucos. Houve muitas tropas, até estrangeiras, vieram para tentar impedir o multipartidarismo, mas devido ao povo de Moçambique que sempre esteve do nosso lado, a Renamo conseguiu obrigar o regime, e assinamos o acordo no dia 4 de Outubro de 1992 em Roma, eu pessoalmente com o ex-presidente Joaquim Chissano. Completamos ontem (terça-feira) 24 anos. Infelizmente tudo aquilo que havíamos acordado em Roma foi violado pela Frelimo, porque o multipartidarismo não está a funcionar bem, já tivemos várias eleições, foram manchadas por fraude, o que significa que quem rouba votos é porque não quer a democracia, não quer o multipartidarismo, porque também não tem o apoio da população. Desde 1994 até às últimas eleições de 2014, sempre houve roubos de voto, nas presidenciais e nas legislativas, e inclusive até nas autarquias, mas como a Renamo luta apenas para a democracia, não quisemos fazer confusão, se não manter a paz, e honrarmos com
a nossa palavra, como muito bem li no discurso em Roma.
Ontem pude escutar (discurso proferido em Roma em 1992) a minha voz na Rádio Moçambique, fiquei muito satisfeito, porque dizia que a guerra estava terminada, e que agora ia desenvolver a democracia, o desenvolvimento económico, a paz, justiça, reconciliação nacional, e aquele discurso foi bom, mas prontos, por isso mesmo que durante os 24 anos pude ter paciência, com o partido que dirijo. Espero que nestas negociações agora em Moçambique tudo corra bem, porque a Renamo tem o direito de governar, nas províncias onde tem ganho as eleições. Não faz sentido que desde 1994, o Dhlakama e a Renamo ganhem sempre nas províncias mais importantes do país, e essas províncias continuem a ser governadas por elementos indicados a partir de Maputo. A Renamo pretende começar a governar as seis províncias. A Renamo vai governar com respeito, vamos ter governantes para governar bem os governados, que é o povo, vamos saber servir o povo, melhorar a situação do povo, sobretudo no sector da agricultura para acabarmos com a fome.
Quero dizer que os governos provinciais com os governadores da Renamo vão criar diferença e serão o exemplo de boa governação. A paz poderá voltar a reinar, porque o conflito militar vai parar. Exigimos que os comandos da Renamo nas FADM sejam enquadrados, nos lugares de chefia como forma de despartidarizar o exército. Como é do seu conhecimento como jornalista, até aqui as FADM atacam a Renamo porque elas servem os interesses do partido Frelimo, com esse acordo, que poderá conter este mesmo título, acredito que quer nas FADM, quer na Policia, mesmo no SISE, podemos criar um equilíbrio para que estas instituições representem de facto os interesses do país, que não sejam ao serviço do partido político, por isso estou optimista que a paz pode voltar a reinar no nosso país, porque não tem interesse e nem motivo que a Renamo permanentemente com a Frelimo continuem a se matar. Somos irmãos, somos primos, somos do mesmo país. Acredito agora que com o envolvimento da União Europeia, da África do Sul, e das outras organizações, mesmo do vaticano na mediação, isto poderá ajudar, porque isto é diferente de Roma. Em 1992 era só o Governo italiano, a Sant ‘Egídio, a liderarem e a mediarem, agora é a União Europeia toda, é África do Sul, é aquela organização mundial com vários antigos chefes de estados, o próprio vaticano, o representante de Papa em Moçambique, o núncio apostólico está na mesa das negociações, portanto há mais peso.
Acredito eu que com o acordo em Moçambique e criar-se uma comissão permanente, que não só ‘erá dos moçambicanos, mas também incluir a comunidade internacional e regional da África Austral, para fiscalizar esse acordo para evitarmos os erros do acordo de Roma,
dentro de semanas podemos voltar a ter aquela paz, que é importante estarmos com as nossas famílias, com os nossos filhos, nas praias e
tudo, a produzirmos, comida para o nosso povo.
O chefe da equipa de mediadores entende que o AGP foi cumprido em 95%, e houve falhas em 5%, partilha da mesma opinião?
Não. O Acordo geral de Paz foi escangalhado todo. O que era o acordo? O acordo significaria a entrada do multipartidarismo, significaria o estabelecimento de Estado de direito em Moçambique, significaria que as instituições tinham de pertencer ao Estado e não ao partido, significaria eleições livres, justas e transparentes, significaria reconciliação nacional, o fim do ódio, e essas coisas todas continuaram. Eleições não são eleições, é fraude, há política da exclusão social, se você não é membro da Frelimo não é nada, é considerado estrangeiro, há raptos, há sequestros, há fuzilamentos, há mais pobreza do que naquela altura durante a guerra dos 16 anos, portanto não falhou pouco, falhou 100%. Mario Raffaelli não é moçambicano, é italiano, tem análise diferente, eu assinei o acordo. O facto da ausência da própria democracia aqui, é a falha da aplicação do acordo geral de paz, o facto de estarmos a lutar, e a ser atacados pelas forças armadas, é resultado da não aplicação do AGP, o facto de estarmos a andar pé descalço, pobreza, fome e mortes, é a falta da aplicação do AGP. Portanto, significa que o AGP falhou em 100%.
Reunião de quadros A reunião de quadros da Frelimo remeteu ao encontro entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama a matéria da indicação dos governadores da Renamo. É necessário que isso se discuta a esse nível?
Não. E o pensamento deles como Frelimo. Eu acho que o nível das negociações em curso, é no nível mais alto. Eu estou a dizer que organizei uma equipe, o Presidente Nyusi também uma equipe, estão a negociar em Maputo, com a presença da mediação internacional. Não acho seja importante que ainda o Nyusi e o Dhlakama, duas pessoas, tenham de se encontrar para negociar a sós, porque este país não pertence ao Nyusi e nem ao Dhlakama. Nós temos representantes nas comissões. Estão credenciados para poderem negociar. Eu todos os dias falo com os representantes, tanto na comissão mista, quero acreditar que o Nyusi também que quase todos os dias está em Maputo, que também o faça. Portanto, é dispensado esse encontro, a não ser que seja um encontro para assinar o dossier, aquilo que aconteceu com Chissano, quando me encontrei com ele lá em Roma em 1992, aquilo que aconteceu a 5 de Setembro de 2014, quando assinei o acordo de cessação das hostilidades militares na cidade de Maputo, com o ex--presidente Armando Guebuza, isto pode justificar. Agora enquanto há diálogo, e as delegações estão a negociar, na capital, não é necessário um encontro entre Nyusi e Dhlakama para ainda ver o que está sendo discutido, eu do meu lado não vejo que seja importante isto. O mais importante agora
é aquilo que deve ser discutido lá na comissão mista e produzirem o acordo final do compromisso da governação das seis províncias da Renamo, e os governadores com poderes próprios, porque nós não estamos para ser integrados no regime da Frelimo, nem haverá um
governo de Unidade Nacional, à semelhança do Quénia e do Zimbabwe, entre Tsvangirai e Mugabe, não é isso que queremos fazer. Mas governarmos com as nossas políticas. E claro vai ser provisório, porque os governadores vão ser nomeados ainda este ano, ou por aí em Novembro, mas começam de facto a funcionar em 2017,2018 e 2019.
Com as eleições de 2019, termina esta governação provisória e de transição, e daí os governadores serão eleitos e gera outra situação. O encontro entre Nyusi e Dhlakama não tem muita importância. Talvez poderei admitir se for para assinarmos o documento final, que ponha termo ao conffito militar, para batermos as palmas, então não é pôr o Dhlakama numa cidade ou um distrito qualquer, encontrar-se com o presidente Nyusi aí para discutir, discutir o quê, que não esta sendo discutido neste momento pela comissão mista?.
Reitera a posição de que os governadores da Renamo não devem governar com o programa da Frelimo?
Sim, os governadores da Renamo vão governar com o programa da Renamo. Só que serão nomeados pelo quadro jurídico existente. Eu poderei indicar e depois o Presidente da República conferir posse, mas como vão querer implementar a democracia, aproximar a democracia junto da população e tudo, justiça, recursos florestais, desenvolvimento local, praticamente com o programa da Renamo, as nossas políticas vão entrar em acção, porque não significa que Sofala vai ser independente, Nampula vai ser independente, estamos num único país, os governadores terão que reconhecer o Presidente da República, embora não tenha ganho as eleições, mas o é perante a Constituição. O que nós temos, portanto vai ser assim. Não é o governador da Renamo acompanhar o programa de governação da Frelimo.
Reitera a posição de governar as seis províncias a partir de Novembro?
Tudo que estamos a fazer, quer a mediação internacional, quer a Renamo, mesmo a própria Frelimo, é que isso acabe com o conflito militar. As pessoas estão cansadas da guerra. Não podemos terminar com o conflito e as hostilidades militares e a paz ser reposta enquanto não resolvermos o problema da governação, quero acreditar que como as coisas estão a andar, tendo o governo e a Renamo negociados, penso que Novembro ou Dezembro comecem mesmo a funcionar, mesmo que comece em Janeiro, mas até fim deste ano os governadores devem ser nomeados e começarem a se apresentar nas províncias.
Os mediadores tinham mostrado a pretensão de conversar pessoalmente consigo, e havia necessidade de abertura de um corredor de segurança, condicionada, com a exigência da Renamo para a retirada das 25 posições das forças de defesa na Gorongosa. Reitera esta exigência?
Como sabe foi a proposta dos próprios mediadores, quando acabavam de chegar a Moçambique, queriam encontrar-se comigo, e é muito importante, sou líder da Renamo, eles têm se encontrado também com o Nyusi em Maputo. Foi da iniciativa deles, e pergunta ram-me sobre o que eu achava, dar trégua ao nível da Gorongosa, para fazer um corredor para eles poderem chegar cá e, imediatamente, respondi positivamente que estava preparado. No passado, mesmo durante a guerra dos 16 anos, já houve corredores semelhantes, mas eu disse pronto, porque as posições das forças armadas que estão em volta da serra da Gorongosa, são 25 posições ao todo. Estas posições não restam dúvidas que tem a missão de matar o Dhlakama,
como tem visto. Eu disse à mediação que não era possível criar um corredor de segurança. A condição seria pelo menos a retirada das forças governamentais que estão aqui, porque todas essas forças vieram de Maputo com o único objectivo de matar e destruir o Dhlakama. O governo rejeitou, não quis retirar as suas forças, como forma de criar os corredores, que só assim haveria trégua na Gorongosa. Agora falo com os mediadores ao telefone.
A não cessação imediata das hostilidades é uma estratégia de pressão da Renamo?
Não. Não há cessar-fogo enquanto não chegarmos ao Acordo geral. Havia sido adiantando pela Frelimo um cessar-fogo em todo o país, e nós rejeitamos e dissemos que não. Se há guerra é porque há um motivo qualquer, e primeiro é encontrarmos a solução do problema, depois cessarmos fogo duma vez para sempre, agora cessarmos fogo hoje de emoção, e um mês depois continuarmos, estaríamos a brincar com o povo. Aliás, quando negociámos em Roma, dois anos e meio, não houve
cessar-fogo, cessamos fogo mesmo no dia 4 de Outubro, depois da assinatura do acordo, também a Frelimo quando lutava pela Independência, Chissano e esses to dos eles negociaram em Lusaka, na Zâmbia, com a guerra e depois quando assinaram no dia 7 de Setembro de 1974, a seguir cessaram fogo. Tem sido essa a prática. Não é cessar-fogo, sem combate e depois negociar, se não a Frelimo estaria em vantagem. Se a Frelimo aceita algumas coisas também connosco é porque esta a perder no terreno, e agora cessar-fogo sem acordar com a Frelimo, e a Frelimo no poder, as negociações podem até levar dois ou quatro anos porque estão a governar, já não há incómodo, por isso não há cessar-fogo antes de atingirmos a solução da causa que leva as pessoas a se matarem entre elas Estamos a trabalhar no sentido de devolver a paz, devolver a paz para o povo, a paz é muito importante. Podemos ter contradições entre os partidos Frelimo e Renamo e os outros, mas a paz deve ser uma coisa sagrada, e sem a paz não há nada que podemos fazer com sucesso.
Prometo ao povo que a paz será reposta, se calhar dentro de meses, não quem acreditar que a gente passe as festas do natal, ainda em conflitos, acredito que até finais de Novembro até meados, a paz volte para o povo em Moçambique.
Chamo atenção aos camaradas meus irmãos da Frelimo, que estiveram reunidos, que já não é tempo de fazer propaganda, o povo está a sofrer. Se há guerra, é porque a Frelimo tem estado a provocar a Renamo, e sejamos realistas, o país não é da Renamo, o país é do povo, não é de Guebuza, de Chissano, nem do Dhlakama e nem do Nyusi, nós somos dirigentes, cada um deve estar em prol dos interesses superiores deste povo. Quero dizer o povo para não ficar decepcionado. Estamos a trabalhar, do meu lado, e aqueles que estão em volta de mim, quer aqueles que lutam com armas nas mãos, quer mesmo os deputados das Assembleias da República e provincial pela Renamo, e todos, e os membros da Renamo em Manica, em Sofola, em particular, Tete, Zambézia, que tem sido alvo
de perseguição, são sequestrados, mortos. A campanha que Nyusi lançou, nunca houve, nem Sarnora Machel não chegou a fazer isso, Chissano, Guebuza, guerra sempre houve, mas de deixar a guerra e ir agarrar os meus nas montanhas e tudo, de dia e noite, levar de carros, por exemplo de Chimoio ir cortar cabeças no rio Lucite, em Catandica, em Tambara. Quero acreditar que esses massacres macabros da Frelimo vão terminar agora, se tudo depender da minha vontade, eu Afonso Dhlakama, como sempre, gostaria que logo que os mediadores regressarem, comece já o acordo final.
Como olha para a crise económica actual, com o agravamento dos preços de combustíveis e produtos essenciais?
É um problema sério. Apesar de eu estar aqui na Gorongosa, acompanho o que acontece no país, e acompanhei que houve o aumento
de preços dos combustíveis, afectando tudo, desde camiões, chapa-cem. Isso vai provocar o aumento de todos os produtos, sobretudo agrários, e a população é que sai lesada porque não consegue viajar por causa das tarifas que dispara ram, as pessoas que dependem dos chapas que não são subsidiados, isso significa complicar a situação da população. Não faz sentido que os preços dos combustíveis estejam a subir agora, porque lembro me muito bem, que há dois ou três anos, o barril chegava mesmo a custar 30 a 40 dólares, e agora estão a justificar os preços altos por causa do conflito. Isso não tem nada a ver, até afugenta os investimentos nacionais e estrangeiros, porquetorna impossível fazer negócio. Não só os preços, as coisas estão mal, há preços de produtos que custam o dobro daquilo que as pessoas conseguiam comprar no ano passado, como açúcar, barras de
sabão, óleo de cozinha, mesmo sal. Hoje as pessoas já não conseguem, mesmo recebendo 30 mil meticais. Uma pessoa que tem quatro a cinco filhos, já não consegue fazer estudar porque a inflação disparou e porque?
Porque Moçambique não está a produzir nada, sobrevive de produtos de importações. A economia real, com os produtos, depende da agricultura, e isto está parado, e isso desencoraja, não só os investimentos nacionais como estrangeiro, ninguém quer continuar a investir em Moçambique com esta situação. A Frelimo atira para o conflito armado. É verdade que a guerra veio agravar, mas as políticas económicas do próprio regime não ajudam a incentivar os investimentos estrangeiros, incluindo nacionais. Esta é que é a razão do fundo.
A falta de boas políticas económicas. É importante que os impostos não penalizem os empresários, como forma de fazer com que eles possam aplicar esse dinheiro na produção, possam trabalhar, possam aumentar, os seus negócios. Se mais de 50 por cento dos seus rendimentos, a pessoa é obrigada a pagar em impostos, isto provoca figa ao fisco e provoca também o desencorajamento das pessoas que querem investir em Moçambique, esses são os problemas fundamentais. O regime devia estar a estudar, e não aparecer com argumentos da guerra.

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