quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O Acidente de Mbuzini e a Política Externa da União Soviética

Quando toda uma “corte” vem a público defender o rei?

Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Tudo a propósito dos 30 anos de Samora Machel
Defender legados e feitos é legítimo é esperado. Se não nos defendemos, ninguém o fará por nós.
Compreende-se que os promotores da iniciativa de mediatizar a passagem dos trinta anos da morte de Samora Machel primeiro presidente de Moçambique.
O que está acontecendo é um movimento em certa medida inaudito, só comparado com o que se assistiu aquando da inauguração das estátuas de SM em todo o país.
Culto de personalidade, dirão muitos ou poucos. Uma cópia do que acontece na Coreia do Norte?
Uma necessidade que os mentores consideram necessário, no sentido de autodefesa, numa altura em que líderes da II República a aparecem preocupados com o que está acontecendo com a forma como é interpretada a sua passagem pela liderança do país?
O que pode estar a ser revelado é um movimento concertado de defesa de uma “corte” que rodeava Samora Machel, que, por este ou aquele motivo, se viu preterida pelas lideranças posteriores de Moçambique.
São todos membros da Frelimo, mas os seus “pronunciamentos” públicos aparecem claramente em dissonância com o que AEG ou JAC diziam e dizem.
Serão “alas novas” revelando-se ou a manifestação pública de que as alas existem e estão “saindo claramente da casca”?
Ou será ainda uma estratégia delineada no sentido de recuperar uma figura icónica e utilizá-la para salvar o “convento” chamado Frelimo?
Mais perguntas podem ser feitas e devem ser feitas para encontrar respostas ou esclarecimentos que aclarem o que se passa nos dias de hoje.
Durante toda a vigência do partido-Estado, tem sido testemunhada a tendência de imitação do estilo “kim il sung” e, pelo que se pode observar dos eventos políticos do partido no poder, essa maneira de fazer politica e propaganda ainda persiste e está mais viva do que nunca.
Colocar jovens, crianças, mulheres e antigos combatentes idolatrando um líder, de cada vez que há uma reunião partidária, é, de todo, desnecessário e sinónimo de prevalência de culto da personalidade.
Mas, quando gente bem esclarecida, informada, com passado de governação e de exercício de funções de relevo na governação se presta a um serviço concertado ou combinado de exaltação dos feitos de Samora Machel, levanta suspeitas de diverso tipo.
Em alguns dos trechos televisivos em que aparece SM insurgindo-se contra o capitalismo e comportamentos corrosivos, isso contrapõe-se ao capitalismo abraçado pelos seus camaradas de ontem, que agora na sua maioria o glorificam.
Uns dirão que reina uma hipocrisia de “alto nível”, mas deve haver cautela e atenção para se chegar a alguma conclusão quando se põem, em campo “excelências e camaradas de alto gabarito”. Existe uma agenda específica determinada algures e com recursos humanos e financeiros à sua disposição.
Se está de acordo com a liderança de hoje do partido no poder e se está coordenada algures, isso é uma incógnita.
A discussão não se AM merece ou uma homenagem. Quem gosta dele e quem alinha com os seus posicionamentos políticos ou quem tenha servido sob a sua direcção pode fazer o que quiser que os moçambicanos enquanto tal, não tem nenhum problema.
O que se pode dizer é que existe uma exagerada abordagem continuando a monopolizar recursos públicos em agendas que misturam assuntos do Estado e do partido Frelimo.
Por favor, mentores da iniciativa, Moçambique não é Coreia do Norte.
Parece haver confusão e descoordenação de iniciativas visando defender ou promover alguma coisa.
Face ou perante tanta pobreza ou precariedade de agendas ou realizações ou por causa da ligeireza e falta de ideias de conselheiros ou assessores pode-se chegar a extremos de repetir coisas que faziam sentido em 1980 e que hoje estão completamente “fora do baralho”.
Quem passeia a sua classe defendendo um SM plenamente “marxista-leninista” são compatriotas que têm beneficiado altamente com a emergência e desenvolvimento de um “capitalismo selvagem”.
Todo o panorama político-económico mostra o “galope” que a “entourage” de SM faz a caminho da acumulação de riquezas e a ascensão a figuras de proa no “ranking” da “Forbes” para África.
Não é mentira afirmar que a “entourage” de SM, que sempre se apresentou como “massa pensante” de alto calibre, continua a bater-se pelo seu lugar ao sol. Age unida e autoprotege-se num processo em que não deixa a que ninguém consiga destroná-la do que são as posições que ocupam, embora se saiba que tem sido preterida pela liderança do seu partido e Governo.
Unem-se na política, nas artes, na cultura, nos desportos, nas festas e convívios, tudo isso contribuindo para a afirmação das suas posições e interesses. De maneira atempada, distribuíram os mecanismos de perpetuação do seu poder, lançando os seus progenitores que foram educados em escolas de elite nos países vizinhos e noutros continentes.
Agora que escrevemos, são várias as posições que em virtude de sua origem familiar e política estão ocupadas por herdeiros de figuras sonantes da Frelimo movimento e da Frelimo partido-Estado.
Uns estão na banca, outros em consórcios mineiros, outros no Governo ou empresas públicas.
Samora Machel é incontornável na história recente de Moçambique, mas não é por isso que tem de ser figura mítica e não-humana.
Uma das grandes mentiras que infelizmente tem sido propalada pelos “spots” televisivos é a que diz que o “Governo é Governo do povo” ou aquele momento de comício em que a resposta é que “povo é Governo ou que é Governo do povo”. Todos sabemos que isso nunca foi verdade. Os governantes dos tempos de Samora Machel tinham “loja dos responsáveis” para se abastecerem, e o resto do povo as “bichas das cooperativas e lojas do povo”, onde pouco ou nada havia. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 20.10.2016


Por João Cabrita
Entre os defensores da teoria de que a morte do Presidente Samora Machel terá sido o resultado de uma conspiração, há os que alegam que o acidente de Mbuzini foi planeado pela URSS pelo facto de Moçambique ter-se distanciado da zona de influência soviética. A visita de Machel aos Estados Unidos em 1985, onde foi recebido com pompa e circunstância por uma administração que vinha projectando a imagem de um presidente moçambicano capaz de romper com o bloco comunista para passar a ser subserviente aos interesses do Ocidente, terá selado o seu destino.
Esta posição viria a ser defendida pelo Major General Jacinto Veloso, proeminente membro da Frelimo à altura do acidente de Mbuzini e que integrou a Comissão de Inquérito instaurada pelo governo moçambicano para investigar as suas causas.
Veloso afiançou em livro de memórias que“Machel estava condenado”, que “era um homem a abater porque tinha ‘traído o campo soviético’ na confrontação bipolar, decidindo optar pela liberalização da economia e da sociedade, aderindo ao sistema capitalista internacional, ao Banco Mundial e ao FMI.” (1)
Quando confrontados com os erros flagrantes da tripulação do Tupolev presidencial e que foram a causa do acidente, outros defensores da teoria da conspiração argumentam que os pilotos cumpriam uma “missão suicida” e que haviam sido “programados” pela KGB para provocar o acidente.

Os estudiosos de questões relacionadas com a Guerra Fria, em particular o desmoronamento da União Soviética, certamente que rejeitarão essa teoria quando vista à luz das reformas empreendidas por Mikhail Gorbachev no contexto das quais “a países como Moçambique foi indicado de que deveriam diversificar as suas relações económicas« internacionais dado que a economia soviética havia atingido o ponto de exaustão, não podendo mais comportar o tipo de relações que até então vinha mantendo com os países do Terceiro Mundo, nem tão pouco servir-lhes de modelo”. (2)
Mesmo antes da subida de Gorbachev ao poder em Abril de 1985, a União Soviética dava indícios de fragilidade económica, impedindo a adesão de Moçambique e de outros países às instuições financeiras e económicas do Comecon. De acordo com Joaquim Chissano, embora Moçambique se definisse como país marxista-leninista, esperando em contrapartida, a atribuição do mesmo estatuto que Cuba usufruia a nível do Comecon, a União Soviética rejeitava essa pretensão com o argumento de que Mocambique não era um país socialista, mas antes um Estado de orientação socialista. (3)
Em 1983, segundo a então ministra das finanças de Moçambique, Luísa Diogo, “registava-se um declínio na ajuda dos países do bloco socialista ao nosso país, mormente assistência técnica, e fornecimento de peças sobressalentes e outros bens de consumo.(4) Face a esta situação, Moçambique concordou em assinar a Cláusula de Berlim como pré-condição para beneficiar da ajuda da Comunidade
Económica Europeia. Em 1984, o governo moçambicano iniciou conversações com o Banco Mundial e o FMI, tendo aderido a estes órgãos das Nações Unidas em Setembro desse ano, não obstante reticências manifestadas pelo responsável do planeamento económico do Partido Frelimo, Marcelino dos Santos.
Regressado de uma reunião do Comecon na RDA em Outubro de 1983, Marcelino dos Santos insistia que “a única via para se ultrapassar a complicada situação internacional em que Moçambique se encontra está no reforço da unidade de acção da comunidade socialista”. (5)
A retirada de Moscovo
A ascenção de Gorbachev ao poder assinalou importantes mudanças na política externa da União Sioviética. “A seguir à minha eleição como secretário-geral do Partido Comunista em Março de 1985”, refere Gorbachev num artigo de opinião(6),“os nossos objectivos internacionais imediatos incluíam acabar com a corrida às armas nucleares, reduzir as forças armadas convencionais, resolver os numerosos conflitos regionais envolvendo a União Soviética e os Estados Unidos, e substituir a divisão do continente europeu em campos hostis por aquilo que eu chamei de casa comum europeia”. E salienta Gorbachev: “Compreendíamos que isto poderia ser alcançado apenas se trabalhássemos com os Estados Unidos”.
Um dos estudiosos do processo soviético e das relações entre a União Soviética e os países do Terceiro Mundo é Melvin Goodman, que durante cerca de 25 anos desempenhou as funções de analista de questões soviéticas junto do Departamento de Estado e da CIA.
Num livro publicado em 1991, Goodman refere que “logo de início, Gorbachev manifestou a intenção de proceder a mudanças políticas, em particular em relação ao Terceiro Mundo”.
As mudanças introduzidas pelo líder soviético, diz Goodman, “indicavam que Gorbchev dava prioridade à melhoria das relações com os Estados Unidos e o
Ocidente, e a soluções políticas, em vez de militares, para problemas do Terceiro Mundo”.(7)
Por ocasião do 27º Congresso do PCUS, realizado em Abril de 1986, lê-se na obra de Goodman, “Gorbachev sublinhou que gostaria num futuro próximo de mandar regressar as forças soviéticas que se encontravam no Afeganistão”.
Um ano depois, salienta Goodman, a União Soviética havia retirado mais de cem mil (100.000) soldados desse país.
Em consonância com a nova política de Moscovo, entidades soviéticas passaram a enunciar os princípios orientadores da linha definida por Gorbachev.
Goodman cita o caso de Andrei Kozyrev, vice-chefe da Administração das Organizações Internacionais a nível do Ministerio dos Negócios Estrangeiros soviético. Num artigo publicado na revista“Relações Internacionais” deste Ministério, Kozyrev argumentou que o “envolvimento directo e indirecto de Moscovo em conflitos regionais havia resultado em perdas colossais, dando lugar a um aumento da tensão internacional, justificando a corrida ao armamento e prejudicando o estabelecimento de laços mutuamente vantajosos com o Ocidente”. Segundo Kozyrev, a “ajuda militar concedida a regimes do Terceiro Mundo contribuiu para conflitos prolongados com uma oposição que depende de apoios externos, sem contrapardidas para Moscovo em função da enorme assistência económica por ela prestada”.
Kozyrev cocluiu que “não fazia qualquer sentido desenvolver relações com regimes do Terceiro Mundo na base da sua oposição à influência ocidental”, tendo apelado para uma “cooperação económica e tecnológica mutuamente vantajosa”.
Num outro artigo publicado conjuntamente com Andrei Shumikhin na mesma revista, Kozyrev afirmou que “o apoio soviético, directo e indirecto, prestado a certas forças e regimes no Terceiro Mundo propensos ao uso da força para a resolução de problemas internacionais deu azo a acusações propagandísticas de que a União Soviética apostava na expansão e que tencionva utilizar a redução de tensões na Europa para ficar em posição de vantagem em relação ao Ocidente no Terceiro Mundo”.
Fundamentalmente, as reformas de Gorbachev reflectiam a difícil situação económica em que a União Soviética se encontrava, razão pela qual afigurava-
-se necessário reduzir drasticamente as despesas militares e rever a prestação de ajuda economica a países do Terceiro Mundo. Nikolai Shmelyov, um dos defensores das reformas empreendidas por Gorbachev, declarou perante o Congresso dos Deputados do Povo em 1988 que a União Soviética “enfrentava o colapos económico e que por esse motivo devia cortar ajuda ao Terceiro Mundo”.
Shmelyov deu como exemplo os 6 mil milhões de dólares concedidos anualmente a Cuba e Nicarágua, montante esse que“devia ser usado para manter o equilíbrio do mercado de consumo na União Soviética”.
Goodman aponta ainda o “artigo de referência” da autoria de Vyacheslav Dashichev, membro do Instituto para a Economia do Sistema Socialista Mundial, e um dos defensores das reformas empreendidas por Gorbachev.
Na opinião de Dashichev, “a URSS havia feito uma avaliação incorrecta da situação global e ignorado o efeito que a conduta da Moscovo a nível do terceiro Mundo havia tido”.
No mesmo estudo, Goodman faz notar que “a moderação da política de Moscovo para com o Tereiro Mundo e o ênfase dado por Gorbachev à criação de relações estáveis entre a União Soviética e os Estados Unidos haviam causado preocupação entre os aliados soviéticos”.
Goodman cita os discursos de vários dirigentes de países do Tereceiro Mundo proferidos durante o 27º Congresso do PCUS em Abril de 1986. Fidel “lembrou Gorbachev de que havia sido vertido sangue no Terceiro Mundo e que a tarefa de desenvolvimento económico era tão importane como o evitar uma guerra nuclear.” O dirigente etíope, Mengistu Mariam, acrescenta Goodman, “instou os soviéticos a não atribuírem aos conflitos regionais uma prioridade inferior à das questões nucleares”. O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, diz Goodman, apelou a uma maior assistência, tendo feito recordar que “Angola sofrera não apenas os efeitos da guerra mas da deterioração da situação económica internacional”.
A desislusão de Samora Machel
Segundo Olívia Machel, o chefe de Estado moçambicano manifestou-se “desiludido com a União Soviética” após o regresso de Moscovo em Abril de 1986, onde também havia participado no 27º Congresso do PCUS. De acordo com a filha do presidente moçambicano, Samora Machel considerava ser “necessário encontrar outros aliados”. (8)
Olívia Machel não deu mais pormenores sobre as revelações feitas pelo chefe de Estado mocambicano em conversa em família.
Mas Joaquim Chissano, que acompanhou Samora Machel a Moscovo, refere que na última visita do presidente mocambicano à União Soviética notara que “havia uma divisão lá, em como ajudar, continuar a ajudar ou não ajudar Moçambique e a Frelimo e os movimentos de libertação”, concluindo que o problema “era do lado de lá, não do lado de cá – é do lado de lá onde existe o problema.
Eles tinham problemas para resolver internamente”. (9)
Sérgio Veira fornece uma imagem mais clara das relações que passaram a existir entre Moçambique e a União Soviética com Gorbachev no poder. Na altura ministro da Segurança, Vieira revela que posteriormente a uma visita por ele efectuada a Moscovo, juntamente com Joaquim Chissano e Jacinto Veloso em 1985, por ocasião das celebrações da “Grande Revolução Socialista de Outubro”, foi dada a Samora Machel uma conclusão unâmine: “Vamos ficar sós. Do que vimos e ouvimos dos dirigentes soviéticos e da nossa gente que estuda e estagia nas Forças Armadas e nas mais diversas universidades, só se pode tirar uma conclusão, a crise interna é muito grave e que os soviéticos vão abandonar os apoios a todos.”(10)
Embora Olívia Machel não tenha explicado a “desilusão” do seu pai e chefe de Estado moçambicano é sabido que na altura ele encontrava-se em rota de colisão com o Malawi.
Segundo revelam Paul Fauvet e Marcelo Mosse, “Samora estava preparado para cem mil (100000) mortes imediatamente, numa guerra com o apartheid, uma vez que receava que o número de mortos seria muito maior se o ‘apartheid’ continuasse a existir e a devastar a região” (11). Ciente de que o recurso à força militar contra o regime de Banda provocaria uma inevitável reacção da África do Sul, Samora Machel terá pretendido assegurar junto de Moscovo os necessários apoios que fizessem refrear os ânimos dos sul-africanos; apoios que fossem além “dos navios que a URSS enviava para os nossos portos e águas territoriais, como sinal de possível reacção e intervenção solidária”, sempre que Maputo “sentia próxima uma agressão”. (12)
Uma coisa é Samora Machel estar pessoalmente “preparado” para seguir uma determinada via, e outra é saber se ele dispunha dos necessários apoios – internos e externos – para alcançar o objectivo em mente.
A nível das Forças Armadas de Moçambique-FPLM, era óbvio que Samora Machel não dispunha da garantia de que poderia contar com elas. O teor do manifesto dos “Antigos Combatentes e Fundadores da República”, que circulou em Maputo cerca de uma semana após o acidente de Mbuzini, é claro:“Não devemos internacionalizar o conflito como forma de solucioná-lo. Só será adiar o problema, a perder tempo. O nosso povo quer a paz. E nós, como Governo, devemos procurar as soluções mais adequadas e duradoiras para esta guerra civil.”
Face ao que hoje se sabe a respeito da política externa soviética, em particular a opção de Moscovo por soluções políticas, em vez de militares, para problemas do Terceiro Mundo, é lógico concluir que a União Sovietica não terá dado aval às intenções beligerantes do chefe de Estado moçambicano, subvalorizando a campanha de desinformação que a partir de Maputo vinha sendo feita através da comunicação social oficial sobre uma suposta invasão do território moçambicano por forças da Remamo provenientes do Malawi.
Num outro estudo publicado em 1990, Goodman fez notar que para além da retirada das tropas soviéticas do Afeganistão, a União Soviética colaborou com os Estados Unidos na resolução de outros conflitos, designadamente a retirada das forças cubanas de Angola, permitindo a resolução do problema da independência da Namíbia.
Goodman salienta que a política externa de Gorbachev “ajudou a estabilizar o Golfo Pérsico e o Sudeste Asiático, a melhorar as relações com os Estados Unidos e a China e a moderar a posição da Organização da Libertação da Palestina, o que deu lugar a um diálogo com Washington”(13).
Visto neste contexto, torna-se claro que é errado interpretar o acidente de Mbuzini como corolário de uma suposta conspiração de Moscovo, ou como uma acção punitiva de Moscovo para com o Presidente Samora Machel face às suas relações com o Ocidente. Os factos demonstram que a diversificação das relações económicas de Moçambique com os países ocidentais foram encorajadas pela União Soviética numa altura em que este país estava à beira do colapso económico.
O recurso à ajuda económica ocidental, em particular as negociações que resultariam na adesão de Moçambique ao Banco Mundial e FMI, a par do incremento de apoios da Zona Euro, são anterioes à ascenção de Gorbachev ao poder.
Na fase que precedeu o regime de Gorbachev, a União Soviética resistiu aos insistentes pedidos de Moçambique para intergrar o Conselho de Ajuda Económica (Came). E é na fase inicial do regime de Gorbachev (Abril de 1985 – Outubro de 1986) que Moçambique é aconselhado por Moscovo não apenas a incrementar as relações económicas com o Ocidente, mas também a encontrar uma solução política para os conflitos interno (com a Renamo) e regional (com a África do Sul e o Malawi).
As teorias da conspiração, como a acima analisada, e outras que defendem a existência de “mão interna” (14) têm a particularidade de fazer tábua rasa dos factos apurados pela equipa tripartida que investigou o acidente, os quais demonstram erro humano como causa do sucedido. A própria ala“samoriana” do regime da Frelimo rejeita ambas as teorias:
“Considero até hoje que se carecem de quaisquer factos que fundamentem as tentativas de se buscarem cumplicidades deste crime dentro do nosso país, ou ainda imputar à URSS a autoria do atentado.”(15)
NOTAS
1. Jacinto Veloso,“Memórias em Voo Rasante” (Maputo: JVCI, Lda, Maio de 2007).
2. João M. Cabrita, “A Morte de Samora Machel” (Maputo: Edições Novafrica, 2005).
3. Joaquim Chissano,“Grande Entrevista” conduzida por Simião Ponguane (Maputo: TVM, 12 Maio de 2012).
4. Luísa Diogo, Entrevista conduzida por Emílio Manhique (Maputo: TVM, 7 de Agosto de 1988).
5. Marcelino dos Santos, citado pelo «Notícias» (Maputo, 21 de Outubro de 1983 p 1.)
6. Gorbachev, Mikhail, Is the World Really Safer Without the Soviet Union? (The Nation 9 Jan 2012).
7. Melvin A. Goodman, “Gorbachev’s Retreat: The Third World (Nova Iorque, Londres: Praeger, 1991) .
8. Olívia Machel, “Debate da Nação” conduzido por José Belmiro (Maputo: STV, 19 de Outubro de 2011).
9. Joaquim Chissano, entrevista conduzida por Simião Ponguane (Maputo: TVM 12 de Maio de 2012).
10. Sérgio Vieira,“Participei, por isso testemunho” (Maputo:Ndjira, 2010) p. 606.
11. Paul Fauvet e Marcelo Mosse, “É proíbido pôr algemas nas palavras – Carlos Cardoso e revolução moçambicana”(Lisboa: Caminho, 2004), p 240.
12. Sérgio Vieira, op cit, p. 470.
13. Melvin A. Goodman, “Gorbachev and Soviet Policy in the Third World” (Washington, D. C.: The Institute for National Strategic Studies, Fevereiro de 1990, p 6.
14. Paul Fauvet e Marcelo Mosse, op cit, p 241; Marcelo Mosse, “Samora, Homem do Povo” (Maputo: Maquezo Editores, 2001) pp 139-143. CANAL DE MOÇAMBIQUE – 27.03.2013

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