Thursday, October 27, 2016

É preciso eliminar as paredes de ódio entre moçambicanos

   É preciso eliminar as paredes de ódio entre moçambicanos (1)


Graça Machel, antiga ministra da Educação (1975-1989) e activista social, partilha vivências com Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique, e o estágio das investigações sobre o acidente aéreo que o matou, em 1986. Em entrevista ao jornal O País, Graça Machel comenta assuntos da actualidade em Moçambique e na região da SADC
Passam 30 anos da morte do Presidente Samora Machel. Hoje, a sociedade reflecte mais sobre o seu legado. Durante a sua convivência com Samora,  equacionava que iria alcançar esta dimensão humana?
Não, não sabia. Eu apaixonei-me por um homem e vi nele qualidades humanas, isto me cativou. Honestamente, tive um dilema muito grande para me casar com Samora, porque me apercebi de que ele iria, eventualmente, tornar-se Chefe de Estado e eu não me sentia capaz de assumir a responsabilidade de estar com alguém que tivesse tão altas responsabilidades. Nós tivemos discussões muito sérias a respeito disso. Samora, quando chegou aqui já em junho de 1975, mais do que nunca, sentia-se muito só. Estava habituado a viver nos campos com muitos colegas, camaradas; no interior, estava sempre rodeado de pessoas. Quando ele entra naquele palácio, está ele, o Samito (Samora Machel Jr.) e os trabalhadores. Ele começou a sentir, mais do que nunca, a necessidade de ter uma companheira, então, nós discutimos isso e chegámos à conclusão de que o nosso amor era forte, viesse o que viesse, havíamos de aguentar juntos. foi assim que acabamos nos casando. Mas não foi uma decisão fácil, diga-se a verdade, da minha parte não foi fácil.

Depois que Samora voltou da guerra, teve que o ajudar a cuidar de todos os seus oito filhos, dos quais seis teve com outras mulheres. Como foi esse desafio?
Samora tinha um forte sentido de família, como os próprios filhos já declararam. Eu devo dizer, para a minha própria consciência, que fiz o melhor para educar os filhos de Samora. Ele queria trazer os filhos para casa, mas houve ali um período de hesitação de dois camaradas muito próximos dele, que vieram falar comigo e disseram: tu tens consciência de onde te estas a meter? Sugeriram-me organizar uma casa onde os filhos iam ficar  e eles visitariam o pai e as respectivas mães quando quisessem. Eu disse não, seria cruel para as crianças. As crianças ou ficam com as mães e visitam o pai ou ficam com o pai e visitam as mães. Não se tira as crianças de um dos pais para os meter numa casa e serem cuidadas por trabalhadores. Eu acho que, nos nossos primeiros anos, éramos uma família unida. Tínhamos preocupação uns com os outros, etc. À medida que os filhos crescem, fazem as suas opções. Essa unidade já não posso dizer, hoje, que ela exista. Mas a minha tranquilidade sabe qual é?  Qualquer um deles, já são grandes, uns com quase 60 anos, até o meu próprio filho tem 37 anos, vai fazer 38, tem o direito de fazer as opções que quiser e governar a sua vida como melhor entender. Mas, do meu ponto de vista, até ao dia em que Samora morreu, até muitos anos depois, nós continuámos uma família unida.

Um jornal na Rússia escreveu, no dia 19 de Outubro de 2016, num artigo intitulado “Há 30 anos um acidente de avião mata presidente moçambicano Samora Machel”, passo a citar: “Eu tenho certeza que não foi um acidente“. Esta citação é de uma das teses, e não surpreende que os russos insistam nisto. Em Dezembro de 2012, a pedido da mamã Graça, o presidente Nelson Mandela abre uma investigação por uma equipa especial denominada “The Scorpions”. Qual foi o resultado desse trabalho?
É preciso dizer que este é um assassinato político. E, como é um assassinato político, há-de haver muitas interpretações. Há-de haver combinadas interpretações que levaram a este assassinato. Eu duvido que tenha sido apenas um único grupo. Há-de haver grupos de interesse que tenham estado envolvidos neste assassinato.

Está a afastar a hipótese de erro humano?
Eu não estou a afastar. Eu estou a dizer que qualquer que tenha sido o erro humano, não foi determinante para o avião desviar-se. Aliás, a questão do VOR já está mais do que provada. As pessoas têm que dizer e compreender, havia o VOR, e há pessoas na África do Sul que já fizeram declarações. estiveram naquele lugar dois dias antes, acampados, e tinham a missão, inclusive, de caso o avião caísse e Samora não morresse, iriam liquidá-lo. Está documentado, se as pessoas quiserem, procurem esta informação. O jornalista que andou à volta desta investigação ainda está vivo e eu espero que a pessoa que fez estas declarações também ainda esteja viva. Eu não estou a especular em relação à existência do VOR e do acampamento das forças sul-africanas, dois dias antes da tragédia de Mbuzine. Há uma senhora velhinha de 70 anos talvez, nessa altura, que também confirmou. está filmado, diz terem visto movimento de soldados ali, mas não sabiam o que estava a acontecer, só depois, quando um dos sobreviventes vai parar na casa desta senhora. é por isso que ela é entrevistada, ela diz é verdade, nós vimos. Portanto, há factos que são revelados por pessoas que participaram. Agora, o detalhe de como se fez, quem está envolvido, são essas coisas que são inconclusivas. A continuação da investigação, que Madiba (Mandela) solicitou, vem de revelações anteriores. Eu fui falar com o presidente Thabo Mbeki e disse-lhe: eu quero pedir que a comissão da verdade abra espaço para que, se houver alguém que queira descarregar a sua consciência, possa apresentar-se. Mbeki disse-me: não deves ir fazer como pessoa, deixe-nos nós como ANC submetermos o assassinato de Samora como parte da nossa submissão do ANC à Comissão de Verdade. E é assim que aconteceu. O presidente Mbeki apresentou, em nome do ANC, a submissão à Comissão da Verdade, para iniciar a investigação. Portanto, a minha solicitação às autoridades sul-africanas não começou com o presidente Mandela, começou com Oliver Tambo, naquele período em que estava como “chairperson” do ANC, antes mesmo de 1994. Eu falei com Oliver Tambo, falei com Mbeki, mais tarde com o presidente Mandela. Agora, aproveito para dizer, há duas, três semanas, fui falar com o presidente Jacob Zuma. Eu disse: és o único presidente em funções que viveu e conheceu Samora Machel, eu não acredito que tu vais querer sair da presidência da África do Sul sem encerrar este caso.  Eu sei que o presidente Robert Mugabe também está vivo, mas por causa da idade muito avançada, eu pedi há anos, mas agora não iria ter com ele. Portanto, ele está em posição de investigar isso, porque é presidente da África do Sul. Ele viveu connosco aqui, ele conhece Samora muito bem. Então, eu fui falar com ele para lhe recordar, ainda tem dois ou três anos antes de terminar o mandato.

Estas são as acções de pressão desenvolvidas a nível da África do Sul. E a nível de Moçambique, o que é que foi feito?
Seria deselegante fazer alguns comentários. Dizer o que os meus dirigentes fizeram, depois de dizer o que eu disse, prefiro não fazer isso. Em primeira instância, é o governo de Moçambique que tem que tomar iniciativa de investigar a morte de Samora, África do Sul apenas colabora. Ele é Presidente de Moçambique e são as instituições do Estado de Moçambique que têm que fazer isso. Que nos digam o que é que têm estado a fazer. Não estou a dizer que não estejam a fazer, estou a dizer que tornem públicas as coisas que eles fizeram. Estou a dizer as coisas que fiz pessoalmente, não só por causa do meu marido, mas por causa de todas as 35 almas que ficaram ali. Eu sei o que foi feito até ao momento em que se decidiu suspender as investigações, sob liderança do presidente Armado Emílio Guebuza, no início. Decidiu-se suspender até que África do Sul ficasse independente, porque a primeira investigação foi feita enquanto o ANC não estava no poder. Portanto, cabe a nós saber que foi feito depois de o ANC estar no poder; quais são as iniciativas que os governos de lá e cá tomaram. Eu não estou a dizer que nunca se fez algo, apenas não tenho conhecimento. Agora, comentando sobre os russos, não é a primeira vez que abrem a possibilidade de se revisitar a questão de Mbuzine. O primeiro a dizer isso abertamente foi presidente Boris Yeltsin. Ele fez esse pronunciamento há alguns anos, à volta do mês de outubro, nós estávamos exactamente neste tipo de celebração da vida de Samora. Eu não consigo lembrar-me quando, os jornalistas e investigadores podem ver. Ele veio a público e disse: nós precisamos de reabrir este inquérito. Agora, o que se disse no passado dia 19 de Outubro, é a segunda vez que eu tenho conhecimento. Eu acho que é mais do que oportuno que o governo de Moçambique agarre esta oportunidade. Os russos têm interesse, também, porque estão entre as pessoas suspeitas de que teriam sido parte de uma conspiração. É do interesse deles provar que sim ou não. Eu acho que nós devíamos aproveitar isso o mais depressa possível, até porque o presidente Zuma disse estar preparado para fazer isso. Então, eu acho que a bola agora está do nosso lado, liderarmos o processo.

É preciso destruir as paredes de ódio entre os moçambicanos

O nosso país vive um clima de instabilidade militar. Dezenas de pessoas, entre militares e civis, já morreram desde que eclodiu este conflito. Há algumas semanas, fez uma declaração pública em que dizia que o país tem que inventar o impensável para o alcance da paz. Qual é o sentido destas palavras?
Quero dizer que para o alcance de uma paz verdadeira, uma paz duradoira, ainda não esgotámos todos os meios de que necessitamos. As negociações que estão em curso hão-de conseguir, e oxalá que seja breve, que cessem as armas, mas isso não vai trazer a paz eterna. Há um processo muito mais amplo, muito mais profundo e longo, que se tem de iniciar para se construir as pontes entre pessoas que, durante décadas, habituaram-se a olhar umas para as outras não só como adversários, não se vêem como irmãos, não se vêem pertencendo ao mesmo espaço, aquele ideal comum de uma pátria de todos, onde todos nós temos os mesmos direitos e os exercemos, independentemente das nossas diferenças, quer sejam políticas ou de outra ordem. Esse processo ainda não começou. É isso que eu quero dizer com o impensável. Ultimamente, infelizmente, com o recrudescimento do conflito, os ódios em certos segmentos estão a crescer. É preciso eliminar as paredes de ódio entre os moçambicanos, ficarmos com a aceitação da diferença como uma coisa normal em qualquer sociedade. Não devemos continuar a pensar que há diferenças intransponíveis entre nós moçambicanos. E este conflito, a maneira como ele está a ser desencadeado, principalmente nos últimos tempos, quando se mata o secretário do bairro, o chefe do bairro, etc., a coisa já não está a nível político em cima, já está a entrar nas aldeias onde as pessoas vivem e isso é extremamente perigoso. É preciso acabar o mais depressa com isto e começar a construir as pontes, as fundações, para nos olharmos uns para os outros com o mesmo sentido de pertença e destino comum. Quando divergirmos, havemos de falar, mas não nos vamos matar uns aos outros. Banalizou-se a vida nesta sociedade de tal maneira que se pensa que matar é uma solução. tem que se chegar ao ponto em que se diz nunca um moçambicano vai levantar a arma para matar outro moçambicano, simplesmente porque eles divergem em opiniões e na forma de gerir a sociedade; temos que chegar ao ponto em se diz nunca. É o impensável de que estou a falar.

O presidente Chissano chegou a declarar à imprensa, este ano, que este processo de diálogo não começou em 1992, que o presidente Samora já tinha tentado alguma aproximação. Lembra-se em que momento o presidente Samora fez isso?
Eu fiz, também, este pronunciamento numa intervenção, no Instituto Superior de Relações Internacionais. Foi em Outubro de 1984, depois da assinatura do Acordo de Nkomati, em Março. O Governo da Frelimo estava quase a assinar um acordo com a Renamo, em Pretória.

O que falhou?
Eu penso que esta pergunta devia ser feita às pessoas que estiveram directamente envolvidas, eu não quero fazer esse pronunciamento público agora. Não foi resistência do nosso lado, houve uma intervenção estranha à última da hora, quando já estavam prontos a assinar. isto levou a Renamo a recuar. Quando o presidente Samora estava preparado para assinar o acordo, a Renamo já tinha aceitado alguns princípios fundamentais de se integrar na constitucionalidade do tempo, já se tinha conseguido alguns avanços.

Samora foi um dos pioneiros na luta contra a corrupção no país. expulsou muita gente, gerou muitas inimizades, mas colocou o país nos patamares dos menos corruptos do mundo. Hoje, Moçambique é mal visto nas instituições financeiras internacionais e nos parceiros de cooperação por causa da corrupção e, principalmente, por causa das dívidas escondidas recentemente descobertas. Porque é que recuámos até este estágio?  
Os primeiros a sentirem-se desconfortáveis e indignados com os níveis de corrupção não são as instituições internacionais, são os moçambicanos, milhões de nós. Porque é o cidadão comum que paga o preço, é o pai que não consegue matricular o filho sem pagar, é aquele que vai procurar o tratamento e tem que pôr alguma coisa na mão de alguém para ter o tratamento a que tem direito. É aquele que, quando circula, tem que pagar o polícia. Estou a falar das coisas quotidianas, mas as malhas da corrupção já entraram para atrasar o processo de produção de comida básica. Estamos com 41, quase 42 anos de independência, e não conseguimos produzir arroz, cebola, tomate, fruta, leite para uma criança ter um copo. Não produzimos ovos para uma criança ter um ovo por dia. Faz as estatísticas e diz-me que país é o nosso que é incapaz de produzir simplesmente com as nossas condições, de modo a que tenhamos o básico, comida diversificada, para as crianças terem leite e pão. Tira-se pão da boca das crianças quando se pratica a corrupção nos níveis que nós temos. Agora, o que é que falhou, eu acho que esta pergunta deve ser feita aos nossos governantes. Esta sociedade sabia viver sem corrupção ou os níveis de corrupção haviam de ser negligenciáveis, é por isso que este país já foi considerado um dos menos corruptos. Não sou eu que estou a dizer que esta prática desapareceu com o presidente Samora, é a história do país que está a dizer que, a partir de um certo período, nós tolerámos esta maneira de fazer as coisas e aceitámos essa forma de viver como se fosse normal. Esta questão das dívidas chegou a proporções extremas. Sai a dívida da equação, os níveis de corrupção existem nos nossos serviços públicos.

Em que momento houve essa descontinuidade?
Eu sou polémica a dizer estas coisas. já se disse claramente que não se sabe o que eu estou a querer dizer com descontinuidade, por isso, prefiro ficar caladinha, porque é deselegante eu ter que entrar numa espécie de diálogo com os meus dirigentes, eu não posso fazer isso. Mas está registado na história que houve um período em que a sociedade moçambicana sabia viver respeitando as normas, respeitando os serviços, as pessoas que trabalhavam na função pública respeitavam o público, isso já aconteceu. Por exemplo, os discursos de Samora também falam disso, falam do burocratismo. ele encontrou o burocratismo, mas combateu-o energicamente, os actos de corrupção. Uma das coisas que terão ficado como mancha da governação da Samora foi ele ter tomado medidas muitos drásticas, que as pessoas criticaram. Era a maneira que ele tinha encontrado de expressar a sua indignação, mas também de deixar uma mensagem clara a todos de que isso não vai ser tolerado. em algumas das coisas, pode dizer-se que ele foi longe demais, eu não quero protegê-lo nisso, mas era a maneira dele de fazer as coisas. Houve pessoas que foram fuziladas aqui, eram os “candongueiros”, eram as primeiras formas de manifestações de se quebrar as fronteiras das especulações, etc. na altura, estávamos em guerra e essa ficou. as pessoas podem perguntar se era preciso mesmo fuzilar as pessoas, eu também pergunto. portanto, eu não estou aqui a dizer que ele sempre fez tudo bem, eu estou a querer dizer que ele estava bastante indignado e queria mandar uma mensagem clara de que há certas coisas que não devem ser toleradas na nossa sociedade. Essas decisões não foram tomadas a nível de base. tu não tens um tribunal a julgar e a fuzilar a nível de base, foram actos de Estado bem claros, à luz do dia. Agora, se era preciso chegar a esses níveis, estudem, digam os cientistas sociais.

Em Dezembro de 2015, num painel do grande fórum Mozefo, promovido pelo grupo Soico, com  o tema: “O futuro é agora, humanizando o crescimento”, defendeu que “é necessário que cada um dos agentes de desenvolvimento dê respostas sobre como resolver questões mais prementes da sociedade, incluindo sindicatos, que muitas vezes estão ausentes neste debate”. Considera que o desenvolvimento económico não se reflecte na vida das pessoas ou da comunidade?
 Não sou eu que considero, está mais do que claro que os índices de crescimento económico que nós tivemos durante uma década eram índices de crescimento, mas não se traduziam em índices de desenvolvimento. Quando eu digo agentes de desenvolvimento, é que nós já tivemos um tempo em que planificar o desenvolvimento de um país implicava envolvimento daqueles que vão ser os principais executores. e não são apenas o Governo e os empresários, são os trabalhadores, camponeses, professores, enfermeiros, quer dizer, se quisermos falar de produção de riqueza, é preciso maior envolvimento daqueles que são os produtores da riqueza para as famílias moçambicanas, onde a maioria são camponeses organizados, são os trabalhadores das empresas. Para além dos sindicatos se sentarem na comissão tripartida para negociar o salário mínimo, acho que é preciso muito mais envolvimento do Governo, dos empresários e dos trabalhadores para discutir assuntos de produção, como melhorar e aumentar a produção em condições em que se respeitem os direitos dos trabalhadores. esse debate, na minha perspectiva, já não está a acontecer. Quando digo para resolver problemas básicos, eu volto à comida, é preciso trabalhar com as associações do camponeses, é preciso trabalhar com os produtores, mas isto significa planificar com eles e definir qual é o papel do Estado e o deles como organização, onde vai a produção e como é que podemos conservar. Todos os nossos problemas estão ditos 50 vezes, mas até hoje não conseguimos construir um sistema de celeiros para que os camponeses possam ter condições de preservar aquilo que não podem vender no momento, para que a produção não se estrague.

O que está a falhar? Políticas? Implementação?
Está a falhar a implementação. É preciso trabalhar com as pessoas e sujar as mãos com elas, provar como é que se deve fazer. Eu acho que os nossos dirigentes grandes estão muito distanciados dos camponeses, trabalhadores e, às vezes, mesmo dos serviços públicos. Os agentes de desenvolvimento não são apenas os produtores de comida, estou a falar daquilo a que nós chamamos função publica. e não é por acaso que deram esse nome, é serviço ao público, não é dificultar a vida do cidadão. As pessoas não estão preocupadas com a aquela mãe, com aquela aluna, aquele doente. Temos que nos perguntar quantos assuntos eu resolvi por dia e não quantos eu recebi, para podermos avaliar como estamos a funcionar. É preciso chegarmos a um ponto em que dizemos que em algum distrito a produção faz-se bem, conserva-se aquilo que for necessário conservar, as pessoas têm comida 365 dias e chegamos a um ponto em que uma família camponesa não tenha uma refeição por dia. nós comemos três vezes ao dia, por que a família do camponês tem que comer uma vez ao dia? Temos que chegar ao ponto em que as pessoas tenham comida diversificada três vezes ao dia, como tu e eu achamos que temos direito e todos os moçambicanos têm esse direito. É esta coisa que eu sinto urgência em transformar, porque são 43% das crianças dos zero aos cinco anos. Quando se diz malnutrição crónica, fala-se de crianças que não crescem ao tamanho normal e o cérebro fica atrofiado, portanto, temos quase metade das crianças dos zero aos cinco anos com a mentalidade atrofiada e sem crescimento normal.

 Isto compromete o futuro das próximas gerações?
Nestas condições, nem daqui a 50 anos vamos deixar de ser pobres, porque não vamos ter a força principal, que é a energia intelectual para nós usarmos o conhecimento científico e tecnológico de modo a competirmos no mundo do século XXI. As nossas crianças não vão conseguir e essa é a minha maior dor. eu não tenho problemas se, aos meus 71 anos, não conseguir isso, mas por que aceitaria que o meu neto de quatro anos não tivesse as suas capacidades intelectuais totalmente desenvolvidas. Quando eu digo o meu neto, não estou a falar do neto que saiu da minha barriga, estou a falar desses 43% de crianças que são meus netos. Em províncias como Cabo Delegado e outras, são mais de 50%. É isso que me revolta. Custa-me aceitar e eu não vou aceitar. Então, esse meu activismo é por causa dessas injustiças sociais, nós não podemos fazer isso aos nossos filhos, aos nossos netos. É por isso que tentamos fazer consciencialização das pessoas das próprias instituições e adoptam-se políticas.

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