Influente membro da terceira igreja evangélica mais numerosa do Brasil governará a cidade-vitrine do país
Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil, sede dos últimos Jogos Olímpicos e do Carnaval mais famoso do mundo, acaba de eleger prefeito o líder evangélico Marcelo Crivella, de 59 anos. Sua vitória, com 59,37% dos votos decide uma eleição que levou ao segundo turno as duas faces do Brasil de hoje.
Em um extremo estava o modelo conservador encarnado por Crivella, senador desde 2002, engenheiro, cantor gospel de sucesso, defensor da teoria criacionista, evangelizador na África e ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, a terceira com mais fiéis do Brasil, fundada por seu tio Edir Macedo, que controla a segunda maior rede de TV do Brasil, a Record. No outro, Marcelo Freixo, um professor de história, de 49 anos, deputado estadual e defensor da legalização do aborto e das drogas, que encarnou a resistência das forças de esquerda em plena crise do Partido dos Trabalhadores, da ex-presidenta Dilma Rousseff, destituída do poder há apenas dois meses. Para além dos espectros ideológicos irreconciliáveis, os programas de ambos os candidatos divergiam em alguns pontos, como a participação da iniciativa privada na gestão da cidade, que Crivella defende.
A folgada vitória de Crivella, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), braço político de sua igreja, foi impulsionada pelo eleitorado evangélico, que representa um terço dos quase 4,9 milhões de votantes, e pelos eleitores mais pobres e menos instruídos. Crivella, que disputava sua terceira eleição a prefeito da cidade e já tentara se tornar governador em 2006 e 2014, atraiu também os votos de seus aliados políticos de centro e direita, como Índio da Costa (PSD) e Carlos Osório (PSDB) e a maioria dos vereadores eleitos pelo PMDB, e da direita radical, representada por Flávio Bolsonaro (PSC).
Freixo, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), paradoxalmente, contou com o apoio das classes mais ricas e educadas, assim como dos mais jovens. Os grandes vencedores, porém, foram a abstenção (26,85%) e os votos brancos (4,18%) e nulos (15,90%). A ressaca da crise política, os escândalos de corrupção e o longo processo de destituição de Rousseff se traduziram em desânimo nestas eleições municipais. Apesar de o voto ser obrigatório no Brasil, a abstenção já tinha sido a protagonista no primeiro turno no Rio e em outras grandes capitais, onde os candidatos mais votados não conseguiram superar a soma dos votos não dados.
No seu primeiro discurso como prefeito, Crivella agradeceu a Deus, sua família, seus aliados e até a Igreja Católica. “Aquele que se elege é apenas um representante de todos os que lutaram junto para que nosso projeto pudesse alcançar o coração dos nossos eleitores. É um momento de imensa emoção, sobre todo para mim que já vinha tentando ser prefeito do Rio em varias ocasiões. O momento em que saiu o resultado foi insquecível”, disse acompanhado da esposa e dezenas de militantes.
Crivella criticou, mais uma vez, a imprensa que, segundo ele, orquestrou uma campanha contra sua candidatura. Nos bastidores, na verdade, há também uma luta de poder entre a TV da Igreja Universal, a TV Record, e sua principal concorrente, a TV Globo. “Vencemos uma onda enorme de preconceitos, por parte de uma mídia facciosa que se opôs à nossa campanha”, diz Crivella.
Uma vitória sem precedentes
Crivella na prefeitura da segunda cidade mais populosa do Brasil é uma conquista sem precedentes para os evangélicos. As igrejas evangélicas estão em expansão no Brasil: o número cresceu 61% entre 2000 e 2010. Seus pastores já concentram poder no Legislativo –são 80 parlamentares, 14% a mais do que na última legislatura–, mas têm, até agora, pouco peso em cargos executivos.
O novo prefeito, que se empenhou durante toda a campanha em suavizar seu papel em uma igreja que demoniza outras religiões e vê a homossexualidade como um pecado terrível, promete não misturar religião com política. No entanto, Crivella já declarou anos atrás que trocou o altar pela política por determinação de sua igreja e que algum dia o Brasil teria um presidente evangélico. “E, então, queridos irmãos”, disse a um grupo de pastores em 2011, “poderemos ser a igreja evangelizadora dos últimos dias e levar o evangelho a todas as nações da terra”. Agora deverá demonstrar com sua gestão e suas indicações que seu gabinete ficará afastado do púlpito. Entre os nomes que têm se discutido para ocupar as secretárias de Crivella está o do cientista político e editor César Bejamin, para a pasta de Educação, Carlos Osório, candidato derrotado do PSDB, na secretaria de Transportes, e Índio da Costa na Casa Civil, embora ele prefira a secretária da Saúde.
Crivella deve enfrentar o enorme desafio do Rio pós-olímpico. A cidade, de mais de seis milhões de habitantes, enfrenta depois dos Jogos um brusco aumento do desemprego e sofre os reflexos da grave crise financeira vivida pelo país e, sobretudo, o Estado do Rio, em áreas fundamentais como segurança e saúde. Os cariocas precisam também de itens básicos como saneamento, ruas que não se tornem rios na época das chuvas, moradia social e ônibus com ar condicionado em verões que ultrapassam os 45 graus. O Rio precisa também projetar-se como destino de turismo internacional, não só de visitantes, mas de empresários e eventos esportivos, para rentabilizar as milionárias obras e as mais de 50.000 vagas de hotel com as que a cidade chegou à maior festa esportista do mundo.
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