segunda-feira, 20 de junho de 2016

Angola: Prisioneiro do regime - Domingos Chipilica Eduardo



Benguela - Há um ano que tudo começou, isto é, dia 20 de junho de 2015, enquanto debatíamos em companhia dos manos, numa sala fechada, evitando as manifestações de rua, pretendíamos dar um carácter científico a nossa luta.
Fonte: Club-k.net

Discutindo sem receios o “livro ferramentas para destruir o Ditador e evitar nova Ditadura: Filosofia Política da Libertação de Angola” do nosso companheiro de trincheiras Domingos da Cruz.

Em plena sessão fomos surpreendidos e detidos por agentes da Polícia Nacional. No princípio pensei que fosse normal como no passado, detenções arbitrárias, torturas, julgamento sumário, condenação e recurso, depois liberdade. Mas estava verdadeiramente enganado, comecei a notar que a coisa estava a ficar muito feia com acusações públicas de golpe de Estado, atentado contra a figura do camarada presidente e outros blá, blá .

O “teatro das operações” apenas estava no preâmbulo, reuniram com os deputados, comunidade internacional … para justificarem a nossa prisão preventiva.

Os órgãos de informação do regime montaram o palco com os melhores analistas e comentaristas do mundo, diziam sem curvas que eramos/somos uma ameaça ao poder “legitimamente instituído”. Até inventaram que um dos manos pediu asilo na Embaixada Americana, que coisa feia!

A confusão era tanta, primeiro ouvimos que fomos detidos em flagrante delito mas depois apresentaram mandados de captura.
Fomos acusados formalmente no crime de rebelião e de preparar um golpe de Estado. Perguntávamos-nos que provas serão apresentadas contra nós? Não tínhamos sido notificados da acusação no prazo legal, porém, eles disseram que o fizeram.

Apesar desse “lapso”, fomos ao julgamento, o pode judicial instituído tinha um grande fogo em mão. Vimos uma peruca, não a conhecemos o rosto, que pena! É inédito no mundo do “Direito moderno”!

As sessões foram muito boas, sem precedentes na história da Angola independente. Interrompeu-se o julgamento para as nossas boas festas, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal ainda não tinha entrado em vigor mas deram-nos a prisão domiciliária.

Fomos passar uma temporada em casa ao lado das nossas esposas, filhos e outros familiares. Não imaginam a sensação que tive, depois de alguns dias privados da vontade da carne, viajei com a minha mulher momentos áureos, esquece-me temporariamente que era um refém do regime, aqueles gemidos levaram-me para um mundo diferente deste, aproveitei-a enquanto pudia, pois sabia que iria há qualquer momento aos calabouços.
Portanto, compreendi a inteligência de Deus ter feito a mulher!
Quando terminaram as boas festas, voltamos as sessões. Leu-se completamente o “livro da prisão”, exibiram os “vídeos da prova”, ouviram-se as pessoas e a discussão aqueceu de um jeito. Cada coisa engraçada que vi, não acreditava! Dançamos o carnaval e o palhaço, o nosso companheiro foi julgado sumariamente por “ inventar o palhaço”.

As graves de fome dos nossos manos, rodaram o mundo, deixaram o poder abanar. Houve vigília e orações. Pensei que já tinha visto tudo!
Afinal, o pior ainda estava a caminho, a peruca caiu quando o tipo de crime mudou e fomos condenados dentre outros por “ associação de malfeitores”. Surgiu mais discussão, se podia haver ou não convolação, muitos juristas opinaram contra e a favor. Porém, a verdade é que fomos conduzidos às celas (as melhores suítes do mundo!) não obstante a interposição de recurso.

Coitado do nosso Habeus Corpus! Está perdido. Nem agenda pública nem a ida aos Tribunais o encontraram. Será que foi sozinho ao Palácio?!

A verdade é que conseguimos completar um ano. Hoje compreendemos a mão repreensiva do regime, ninguém em tempos de paz conhece melhor do que nós os intentos desta gente. Hoje no fundo do encarceramento conhecemos quem são os verdadeiros lutadores do povo.

Nas paredes da prisão a nossa luta contínua em pé.

Haja juízo!
Cidadão Angolano

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