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Na Turquia, a mulher e filhos de Mustafa ainda não sabem que ele enfrentou um grupo que lhe invadiu o espaço lisboeta
"Peguei na faca de cortar kebab (espetada de carne) e tive de me defender. O que mais eu podia fazer? Um deles pegou na pistola ainda dentro do restaurante, outro tinha uma faca." Mustafa, o turco de origem curda que é dono do restaurante Palácio do Kebab, na Rua D. Luís, em Lisboa (entre Santos e o Cais do Sodré), recordou ao DN como lidou com a invasão de "mais de 20 jovens violentos" na manhã de segunda-feira, pelas 07.30. O vídeo em que o homem de 35 anos aparece à porta do restaurante a agitar a faca para os agressores, e que passou em todas as televisões, tornou-se ontem viral. "Espero que a minha família, que está em Istambul, não veja essas imagens", contou Mustafa, que garante que vai manter o seu Palácio aberto.
O imigrante ontem ainda não tinha contado à mulher que teve a vida em perigo no restaurante que abriu há dois meses naquela rua lisboeta. O casal tem ainda dois filhos pequenos, uma menina de 11 anos e um rapaz de 9. Há quatro anos a trabalhar em Lisboa, Mustafa ainda não conseguiu trazer a família de Istambul para Lisboa. "Podem escrever aí que eu desconto para Segurança Social, para tudo, e ainda não tive a autorização de residência do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)."
Apesar dos incidentes de segunda-feira, de que resultaram vários feridos, Mustafa está decidido a manter o restaurante aberto, no horário habitual, sem reforçar a segurança. "Como posso pagar um segurança que custa 700 a 800 euros por mês?", questionou.
"Dá kebab, dá dinheiro"
Mustafa, que tinha trabalhado no seu estabelecimento no domingo até às 02.00 de segunda-feira (o horário é das 10.00 às 02.00) voltou nessa manhã de 25 de Abril bem cedo para abrir o espaço com o empregado indiano, Sukhdeep, quando uma turba ameaçou arruinar-lhe o ganha-pão e a vida. "Dá kebab, dá dinheiro", diziam eles, recorda Mustafa num português esforçado. "Partiram e despejaram garrafas, levaram o terminal de pagamento com multibanco, tentaram levar a caixa registadora mas não conseguiram. Mexeram em tudo!", recorda. O que ainda o ameaçou com a pistola foi lá para fora e disparou a arma. A marca de bala está cravada na parede do restaurante. Seis dos agressores estão identificados pela PSP. A arma não foi recuperada mas um invólucro foi recolhido do chão pela PJ. Tratar-se-á de uma pistola de calibre 6.35mm.
Muitos dos atacantes teriam saído há uma hora de uma festa africana que decorreu na discoteca Place, frente ao restaurante. O Palácio do Kebab está situado ao lado da Escola Técnica de Comunicação e Imagem (ETIC) e, em frente, tem outro estabelecimento de ensino, a Escola Profissional de Imagem (EPIP). Só não havia já estudantes na rua àquela hora da manhã porque era o feriado do 25 de Abril.
O proprietário da discoteca Place, Tiago Caridade, garantiu ao DN que "a festa africana tinha terminado pelas 06.00", e que os desordeiros não saíram diretamente dali para o café de Mustafa, que já estariam na rua ou vieram também de outros bares. "Até foram os nossos seguranças que chamaram a polícia, como se pode ver no vídeo." Tiago, que não viu nada porque já não se encontrava na discoteca, tem uma certeza baseada no que o seu pessoal lhe contou: "Se o homem não se tivesse defendido matavam-no ali." Perante o que aconteceu e por prevenção, "o Place não vai fazer mais festas africanas nos próximos tempos. Eu estou chocado!".
Estudantes assustados
Na cabeça, no rosto e nas mãos de Mustafa eram ainda visíveis os golpes de arma branca que sofreu. Herdeiro do povo curdo, que toda a vida lutou para ser reconhecido, Mustafa defendeu-se à porta do estabelecimento dos desordeiros que, um a um, o vinham provocar. Como se vê no vídeo, um deles veio por trás e saltou-lhe para cima, derrubando-o. O dono do Palácio do Kebab ainda fechou a porta metálica de correr mas os jovens - que eram cada vez mais naquele momento - conseguiram abri-la de novo. "Não tenho treino físico nenhum, só trabalho", garante o curdo, que da venda de têxteis e calçado se virou para os kebabs numa localização que parecia perfeita.
Alguns estudantes da ETIC, clientes de Mustafa, com quem o DN falou, estão apreensivos com o que se passou. "Uma discoteca destas à porta de duas escolas não faz sentido, com festas que atraem este tipo de pessoas. Por acaso aconteceu na manhã de um feriado. Se fosse um dia normal já haveria por aqui estudantes, as aulas começam às 08.30", desabafa Sara, estudante do 2.º ano de Fotografia.
No café ao lado da discoteca, uma empregada garante que nunca tinha havido semelhante confusão antes e que a Rua D. Luís I até é pacífica.
Mustafa vai continuar a sua vida. "Esta cidade faz-me lembrar Istambul. Também tem duas pontes", diz, de sorriso aberto.
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