Monday, April 25, 2016

Ataca Hélder Martins, ex-ministro da Saúde

“Há camaradas que se arvoram o direito de serem ricos, mesmo que seja às custas do povo”
Por Argunaldo Nhampossa

Oprimeiro ministro da Saúde no período pós- -independência e combatente da luta de libertação nacional, Hélder Martins, criticou a postura de alguns camaradas de primeira linha na Frelimo, que hoje, mais do que com a população, preocupam-se com a acumulação de riqueza, nem que isso implique sacrificar o povo. Martins diz-se triste por os antigos colegas de armas se terem esquecido dos ensinamentos de Samora Machel, que pregava a máxima de que os dirigentes deviam ser os últimos nos benefícios. Num registo mais político, apelou aos “políticos que se entendam”, como forma de se encerrar a tensão política e militar em que o país está mergulhado. Lamentou o estado deplorável em que se encontra o Sistema Nacional de Saúde (SNS), do qual é por muitos considerado “construtor”. Hélder Martins falava esta segunda-feira, durante a cerimónia em que lhe foi conferido o grau de doutor “honoris causa” em Ciências de Saúde, pelo Instituto Superior de Ciências e Tecnologias (ISCTEM). Foi um gesto de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido por Hélder Martins no domínio da saúde no país, desde a luta de libertação nacional até à independência. Nas suas primeiras palavras, após ser conferido o grau, Hélder Martins fez uma introspecção sobre o sector da saúde e abordou as querelas verificadas nos dois últimos anos do consulado de Armado Guebuza, marcados por aquilo que chamou “de hostilidade, incompreensão e desrespeito pelos direitos elementares dos médicos e, ainda, negligência em relação ao SNS”. Recorde-se que a classe médica levou a cabo a primeira greve no sector público, jamais havida na história do país. Como forma de reprimir e desencorajar actos similares, vários médicos foram vítimas de perseguições, num processo considerado “caça às bruxas”. No entanto, o “honoris causa” saudou o gesto do actual chefe de Estado, que, no dia 28 de Março, Dia do Médico, juntou-se à classe nas celebrações da efeméride. Com esta atitude, Martins diz que viu em Filipe Nyusi uma vontade firme de virar a página e iniciar um novo tipo de relacionamento, quer com os médicos, quer com outros profissionais da saúde. Para tal, o ponto de partida seria a revisão do Estatuto do Médico, pois, no seu entender, o mesmo não reflecte as aspirações da classe, com a agravante de ter sido aprovado em condições adversas e não ter sido implementado na sua plenitude. Dedicou a distinção a todos os mé- dicos e, em particular, aos que participaram na construção do Serviço Nacional de Saúde nas zonas libertadas, durante a Luta de Libertação Nacional. “Nós desenvolvemos um Serviço Nacional de Saúde baseado na abordagem de cuidados de saúde primários e numa política farmacêutica. O nosso sistema de saúde foi louvado pela OMS como um exemplo, não só para África, mas para o mundo”, disse. Quatro décadas depois de ter instalado o SNS, o cenário mudou e não agrada a Hélder Martins. “É com profundo desgosto e tristeza que afirmo que se constata que esse Serviço Nacional de Saúde está muito maltratado, subfinanciado, carente dos suprimentos essenciais, com uma grande ineficiência e, em relação ao seu equipamento humano, embora se tenham registado ligeiras melhorias nos últimos anos, em média, existe uma muito baixa qualificação e capacidades técnicas e éticas do pessoal, pior ainda, não existe qualquer visão estratégica de como abordar os reais problemas de saúde da população”, destacou perante uma plateia repleta de profissionais de saúde, com destaque para a ministra do pelouro, Nazira Abdula, o seu vice, Mouzinho Saíde, e mais dois antigos ministros, nomeadamente Leonardo Simão e Alexandre Manguele. Prosseguindo, manifestou a sua preocupação com alguns colegas da classe que não respeitam o seu juramento e não guardam sigilo profissional, tendo apelado a todos para a estrita observância do dever médico. Ganância pela riqueza Depois de se formar em medicina em Portugal, onde obteve uma das melhores notas, Hélder Martins cumpriu o Serviço Militar Obrigatório em Moçambique e esteve afecto à Marinha de Guerra, onde veio a desertar para se juntar à UDENAMO na Tanzânia e mais tarde participou na fundação da Frelimo em 1962. Diz que na Frelimo, Samora determinou que “O dever de cada um de nós é... sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de sacrifícios!» mas hoje os mesmos camaradas se arvoram o direito de serem ricos, nem que seja à custa do sacrifício do povo. O antigo combatente diz que várias vezes se questiona porque é que há gente que quanto mais rica é (sabese lá como), mais rica quer ser e não percebe onde, quando e como perderam os ensinamentos de Machel. Por favor! Entendam-se Outro tema incontornável por estes dias é a tensão política e militar que vai ceifando vidas e sem soluções à vista. Entende que usar o termo “instabilidade político-militar” é uma maneira suave de dizer que não estamos em paz e ainda não estamos perante uma guerra declarada, mas uma guerra surda, com mortos, feridos e, a cada dia, mais raptos e assassinatos, com claras motivações políticas. Fazendo uma relação entre a guerra e a saúde, o ex-ministro da Saúde afirmou que os profissionais da área são os Por Argunaldo Nhampossa primeiros a intervir e a observar os horrores dos conflitos armados. Segundo Hélder Martins, a guerra gera problemas de saúde pública, porque provoca deslocações da população, dentro e fora do território nacional, e cria situações de insegurança alimentar, fome e desnutrição. A guerra, prosseguiu, expropria as populações do seu modo de vida e impõe-lhes péssimas condições de habitação, acesso à água, saneamento e priva muitos cidadãos do acesso a serviços básicos de saúde com agravante de gerar uma hemorragia do orçamento da saúde. Perante estas situações, Hélder Martins diz que a classe médica e outros profissionais da saúde não podem ficar resignados diante da falta de paz no país, exortando-os para levantarem bem alto a voz e gritarem pela paz. Não tragam problemas, mas soluções Depois de ouvir com atenção o discurso do distinguido, o Presidente da República, Filipe Nyusi, disse que o facto de o plano estratégico da saúde não se mostrar adequado prova que os médicos não participaram o suficiente para evitar essas situações. Segundo Nyusi, é preciso que a classe médica se envolva de corpo e alma na resolução dos problemas, pois a visão estratégica deve ser pensada pelos próprios médicos e outros profissionais do sector da saúde. Apelou para que não tragam problemas, mas sim soluções, uma vez que é desejo de todos os países, a nível mundial, ter um plano e uma visão estratégica promissora para os principais problemas. De acordo com Nyusi, a concessão do título “honoris causa” a Hélder Martins é justa e oportuna por homenagear os feitos de um homem que muito fez pelas ciências humanitárias no país, desde a luta de libertação nacional, prestando assistência médica aos guerrilheiros, passando pela independ- ência nacional e, por fim, o trabalho que desenvolveu na Organização Mundial da Saúde.

África precisa de travar roubo de recursos naturais
Assustadores, os números de 2015 indicam para USD 50 milhões perdidos por ano e USD três triliões nos últimos 50 anos - No esquema, estão metidas as elites predadoras que controlam os governos nacionais
Por Armando Nhantumbo, em Addis Abeba

Reunidos de 31 de Março a 5 de Abril em Addis Abeba, capital Etíope, naquela que é conhecida como a Semana de Desenvolvimento Africano, os governos africanos voltaram a reafirmar o compromisso de tudo fazerem para desenvolver os seus países através da domestica- ção e consequente implementação da Agenda 2063 e dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de declarações de intenções que já não surpreendem a ninguém, visto que tem sido essa a regra dos países africanos nas suas magnas reuniões. Mas a África não precisa de declarações de intenções, até porque as têm em demasia, o que o continente precisa é de passos concretos que, entretanto, se mostram tímidos. Uma das principais indústrias que pode, hoje, alavancar muitas economias africanas é a dos recursos naturais como minerais e hidrocarbonetos que abundam em países como Moçambique. São países que, no seu discurso oficial, vêm afirmando e reafirmando há anos o compromisso de colocar a indústria extractiva ao serviço dos seus respectivos povos, através da boa governação e transparência. Mas a realidade tem revelado que a bênção dessas riquezas naturais tem sido transformada, pelas elites predadoras, numa maldição. O que sobra para as comunidades são os prejuízos, como o custo de vida que disparou em Moatize, na província de Tete ou Pemba em Cabo Delgado; como as mortes nos rubis de sangue de Namanhumbir em Cabo Delgado, ou os buracos provocados pela extracção das areias pesadas de Moma, em Nampula. Em 2015, por exemplo, os fluxos financeiros ilícitos foram responsáveis pela perca de 50 milhões de dólares em todo o continente, contra três triliões de dólares nos últimos cinquenta anos. Nisto, alguns governos africanos, em conluio com algumas corporações multinacionais, têm sido responsáveis pelas actividades corruptas, com vista a evitar o pagamento de impostos, como assinala o antigo presidente sul-africano, Thabo Mbeki, para quem a corrupção é parte integrante dos fluxos financeiros ilícitos. Foi Mbeki que afirmou em Maio de 2015, na cidade sul-africana de Joanesburgo, perante membros da Assembleia Pan-Africana, que os fluxos financeiros ilícitos dilaceram as economias dos países africanos e a corrupção continua a ser uma grande preocupação, apesar da adop- ção global e regional de medidas para combatê-la. Isso mesmo, adopção de medidas globais, como os recentes compromissos de Addis Abeba, que depois não são cumpridos. A história recente de Moçambique está repleta desses exemplos de fluxos financeiros ilícitos que beneficiam uma minoria predadora em detrimento da esmagadora maioria da população que o discurso oficial diz estar a servir. Podemos citar, aleatoriamente, dois apenas. A exploração de gás de Pande e Temane na província de Inhambane, de onde a multinacional sul-africana Sasol arrecada, de acordo com pesquisas, fabulosos lucros que beneficiam a África do Sul em detrimento de Moçambique, é um dos exemplos. Outrossim, em 2015, um suposto caso de corrupção e tráfico de influências envolvendo a petrolífera italiana ENI e o ex-Presidente moçambicano agitou Maputo, com vários sectores a pedirem a investigação de Armando Guebuza que era acusado de ter oferecido àquela empresa multinacional uma isenção de impostos na venda das suas acções à China National Petroleum Corporation (CNPC) em troca de favores não especificados, num negócio que não terá sido tratado directamente com o Estado, através da Autoridade Tributária, como é suposto, mas sim pessoalmente com Guebuza. As revelações que surgiram na sequência de uma investigação sobre corrupção internacional contra Paolo Scaroni, antigo administrador da ENI, levada a cabo pela Procuradoria de Milão, davam conta ainda, citando gravações telefónicas no poder da PGR italiana, de que o antecessor de Filipe Nyusi terá oferecido um terreno paradisíaco no Bilene, no sul de Moçambique, “com a possibilidade de um DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento da Terra) válido por 40 anos”. Como não podiam fugir à regra, na semana do Desenvolvimento Africano 2016, os países africanos voltaram a dizer sim à transparência na gestão dos recursos naturais em prol do desenvolvimento das suas economias. Reafirmaram que o futuro de África está nas mãos dos africanos, sendo que o necessário é os africanos usarem os recursos limitados que têm com inteligência para gerar riqueza e, consequentemente, o desenvolvimento. Até porque o tema sobre os fluxos financeiros ilícitos foi dominante na abertura do evento, com os participantes a reconhecerem que esta tem sido uma das principais razões que atrasam o desenvolvimento africano, visto que a saída de recursos naturais sem o pagamento das devidas receitas impede a criação de infra-estruturas sócio-económicas básicas que ainda faltam em vários países detentores de reservas minerais e hidrocarbonetos. ActionAid exige resposta unida Aliás, dois dias antes do arranque do mega evento que juntou a nata de economistas africanos em Addis Abeba, a ActionAid, uma organização internacional de advocacia pela justiça fiscal e tributação, juntou jornalistas de diferentes países africanos que discutiram a problemática de fuga ao fisco. Nesse encontro de um dia, ficou acordado que é preciso continuar-se com o barulho para forçar os governos africanos a garantirem que a exploração dos recursos naturais beneficiem os respectivos países e comunidades, o que passa necessariamente por as elites africanas se desmamarem de esquemas corruptos através dos quais se beneficiam, em conluio com as multinacionais, dos recursos que deviam beneficiar a todos. Para a ActionAid, os governos africanos precisam ter um acordo comum sobre como lidar decisivamente com os fluxos financeiros ilícitos até para garantir o cumprimento da Agenda 2063 e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável sobre os quais reafirmaram compromissos na capital Etíope. De acordo com Luckystar Miyandazi, da ActionAid, os governos africanos devem aproveitar os recursos do continente para alcançar uma transformação sócio-económica positiva dentro dos próximos 50 anos, o que só será possível se as nações estiverem conectadas nos esforços para travar as brechas através dos quais o continente perde recursos necessários para o desenvolvimento. Disse Miyandazi: “o continente tem de agir em harmonia para lidar com as práticas de evasão fiscal por muitas multinacionais e grandes corporações que continuaram a sugar o continente e fazendo com que seus cidadãos possam viver em extrema pobreza e da desigualdade, apesar dos enormes recursos à sua disposição”. Segundo a queniana, alcançar a sustentabilidade social, económica e política à luz dos 20 objectivos da Agenda 2063 e das 17 metas dos Objectivos e Desenvolvimento Sustentável só será possível se os lí- deres forem capazes de implementar as recomendações produzidas no evento, o que significa que mais do que assumir compromissos, o mais importante é a sua implementação que em África se tem revelado problemática. Zuma diz que é tempo de agir Que nas suas reuniões os países africanos têm se revelado especialistas em assumir compromissos que depois não cumprem, parecia uma percepção apenas de críticos idealistas. Mas na recente reunião de Addis Abeba, a Presidente da Comissão da União Africana (UA), Nkosazana Dlamini-Zuma, disse, publicamente, que os países africanos precisam de passar das promessas para a prática. Falando diante de ministros africanos reunidos no evento organizado pela Comissão da União Africana e da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, Nkosazana Dlamini-Zuma, 67 anos de idade, deixou claro que os países africanos ou avançam para o desenvolvimento ou se mantêm nas declarações de intenções. “Temos de passar das promessas à prática”, desafiou a sul-africana que em Junho deste ano poderá largar a presidência da Comissão da UA. A primeira mulher a chefiar a Comissão da UA chegou a questionar, metaforicamente, aos ministros africanos se “vamos continuar a importar medicamentos e vacinas fora de prazo” quando temos a capacidade de produzir, bastando o uso racional dos nossos recursos para gerar crescimento económico e industrialização. De resto, os dois dias da conferência de ministros africanos foram antecedidos por quatro dias de vários encontros inseridos na Nona Reunião Conjunta da Comissão Técnica Especializada em Assuntos Monetários, Planeamento e Integração Económica que, sob lema “Para uma abordagem integrada e coerente para a implementação, acompanhamento e avaliação da Agenda 2063 e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”, peritos na área passaram em revista os desafios e apontaram soluções para o crescimento dos países africanos. Nas várias mesas redondas, os peritos assumiram vários compromissos que, se implementados, podem tirar a África da miséria. Concordaram os governantes africanos que o futuro de África está nas mãos dos africanos, reafirmando que o necessário é os africanos usarem os recursos limitados que têm com inteligência para gerar riqueza e, consequentemente, o desenvolvimento. Assinalaram que os países precisam de domesticar a Agenda 20163 e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, mas reconheceram que os conflitos que assolam vários países como Moçambique dificultam a implementação desses instrumentos, pelo que a África, mais do que nunca, precisa de respirar a tranquilidade para caminhar rumo a um futuro risonho.

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