Presidente da Câmara aceita pedido que questiona descumprimento da lei orçamentária.
Eduardo Cunha abre a guerra do impeachment de Dilma
Presidenta e peemedebista se atacam e começam barganhas para angariar aliados
AFONSO BENITES Brasília 3 DIC 2015 - 02:14 BRST
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), levou 21 minutos para explicar, com sua habitual feição de ser inatingível, as razões que o levaram a aceitar o pedido deimpeachment de Dilma Rousseff (PT). A petista, por sua vez, gastou pouco mais de três minutos de seu dia para contra-atacar seu carrasco e se defender, tentando esconder o cansaço e um claro abatimento pela notícia que rondava sua porta desde meados de novembro. Os pronunciamentos, cercados de simbolismos, demonstraram apenas o início de uma guerra para se manter vivo politicamente que só deve acabar em 2016. Isso se o que parece ser o único poder sólido da Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal, que nesta quarta-feira não se manifestou, não for instado a colocar seu peso jurídico.
A aceitação do pedido de impeachment por Cunha, o primeiro nesta etapa no Brasil desde a queda de Fernando Collor em 1992, não é um cadafalso automático para Dilma Rousseff, mas é uma bomba de efeito com capacidade para embaralhar de novo apoios e lealdades e piorar uma economia em frangalhos — apenas um dia depois da divulgação do PIB que instala o Brasil na maior recessão, pelo menos, desde os anos 90. Também abre um período de ansiedade na região, onde o país tem enorme peso político e econômico e papel definidor em órgãos como o Mercosul e a Unasul. Cabe a governantes e futuros mandatários, como o presidente eleito argentino, Mauricio Macri, com chegada prevista a Brasília nesta sexta, apenas assistir ao thriller-faroeste, estilo quem atira primeiro, entre a presidenta petista e seu algoz da Câmara.
No capítulo decisivo desta quarta, Cunha agiu da forma que se esperava dele: atacou seus acusadores, quando acuado pela decisão do PT de votar contra ele no Conselho de Ética. Decidiu acolher o pedido de impeachment formulado por três juristas que justificam que Rousseff deveria ser destituída por entender que ela cometeu crime de responsabilidade fiscal ao fazer pedaladas fiscais em 2015. Ao invés de fazer seu pronunciamento ao lado de aliados, como de costume, Cunha seguiu sozinho para o local de entrevistas coletivas no salão verde da Câmara. Uns 20 seguranças o cercavam. Atrás dele, meia dúzia de gatos pingados com mandatos parlamentares querendo aparecer para os cinegrafistas. Nenhum deles seus defensores no plenário.
Ao fim do anúncio, vários desses congressistas o aplaudiram efusivamente. Mais cedo, ele havia consultado deputados de cinco partidos de oposição se teria algum apoio caso fizesse o anúncio nesta quarta-feira. Recebeu o aval, mas ninguém o acompanhou no discurso, já que parte desses opositores prometeram votar a favor da cassação dele.
Dilma Rousseff, que disse a aliados estar aliviada com o fim dessa agonia, seguiu para o salão leste do Palácio do Planalto cercada de 11 ministros de seis partidos de sua base -- houve uma ausência simbólica, a de seu vice, Michel Temer. Antes de falar, seus assessores trocaram o banner que ficaria atrás dela. O objetivo era que ela não fizesse seu pronunciamento abaixo do símbolo do Governo federal, e sim, da palavra Brasil, em verde. Ao invés de apenas dizer que confiava na improcedência do pedido, resolveu rebater Cunha em alto e bom som.
“Não existe nenhum ato ilícito praticado por mim. Não paira contra mim, nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público, não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais, nunca coagi ou tentei coagir instituições ou pessoas na busca de satisfazer meus interesses.” O presidente da Câmara é investigado na Operação Lava Jato e cada vez que seu nome aparece negativamente na imprensa, ele cria um fato para desviar a atenção. Dessa vez, foi a tacada mais ousada e mais esperada por movimentos de rua anti-PT.
A cada palavra contra o peemedebista que saía da boca da presidenta, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, sorria ironicamente e olhando para alguns jornalistas levantava as sobrancelhas em claro sinal de aprovação ao tom duro da fala. No final, todos saíram em uma marcha silenciosa atrás da mandatária.
O Governo mal teve tempo de comemorar o trunfo do dia, que tirou o Planalto ao menos de uma situação de paralisia, espécie deshutdown à brasileira. O confronto do Congresso Nacional, na agitada votação da alteração da meta fiscal de 2015, resultou em uma vultosa vitória governista ao conseguir aprovar um rombo de 119 bilhões de reais nas contas públicas ao invés de um superávit de 55 bilhões de reais. Retirou também da oposição o argumento de dizer que a presidenta merece cair por causa de sua temerária gestão fiscal.
Batalha começando
Os tons confiantes de Rousseff e de Cunha demonstram que a batalha ainda está apenas no começo. O STF já se prepara para receber ações dos dois lados. O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, disse na tarde desta quarta-feira que estuda a possibilidade de recuar a outras instâncias distintas do Conselho de Ética para evitar a cassação do mandato do deputado. Assessores de Rousseff disseram que ela também analisa se há alguma medida judicial para evitar a cassação de seu mandato.
O novo contexto político já resultou em movimentações dos dois lados. Rousseff convocou uma reunião de emergência para a manhã desta quinta-feira com líderes da base aliada no Congresso. Cunha,que tem pela frente os próximos passos do rito do impeachment, tentará se reaproximar de alguns oposicionistas, principalmente os do PSDB, para ver se, ao jogar a presidenta na fogueira, como queriam os tucanos, ele conseguirá salvar sua pele. De aliados políticos (com uma certa restrição, é verdade), a presidenta e o peemedebista, se tornaram adversários figadais. E por mais que ambos neguem, está aberta uma intensa temporada de barganhas políticas.
RODOLFO BORGES São Paulo 2 DIC 2015 - 21:46 BRST
Cunha anuncia decisão de acatar pedido de impeachment. / J. BATISTA (CÂMARA DOS DEPUTADOS)
Após meses de expectativas e ameaças, o presidente da Câmara,Eduardo Cunha (PMDB), anunciou nesta quarta-feira que acolheu um dos vários pedidos de impeachment apresentados contra a presidenta Dilma Rousseff. Horas depois de que o PT retirar o apoio a Cunha no Conselho de Ética, onde está para ser aberto um processo por quebra de decoro parlamentar contra o peemedebista, o presidente da Câmara decidiu anunciar sua decisão, que ele disse "não fazer por motivação de natureza política".
Segundo Cunha, a decisão de aceitar o pedido de impeachment protocolado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, foi tomada na esperança de que o país "possa superar crises políticas e econômicas, sem qualquer tipo de torcida ou juízo de valor". O peemedebista, que anunciou rompimento com o Governo Dilma em julho, disse que não tomou a decisão de aceitar o pedido de impeachment "com felicidade" e que não quis "ocupar a presidência da Câmara para ser o protagonista de um processo de impeachment".
O pedido de impeachment aceito por Cunha foi o 28º apresentado contra a presidenta neste ano. O documento se baseia em problemas de responsabilidade fiscal do Governo de Dilma que ficaram conhecidos como “pedaladas fiscais” — manobras contábeis usadas pelo Governo federal para maquiar gastos além dos limites legais. Um relatório do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que a presidenta estaria repetindo as "pedaladas" em 2015.
A aceitação do pedido de impeachment por Cunha não significa que o processo será aberto pelo Congresso. A partir da decisão de Cunha, cria-se uma comissão para elaborar relatório sobre a questão. Durante os trabalhos da comissão, a presidenta recebe um período para se defender. Posteriormente, esse relatório é submetido ao plenário da Câmara, onde são necessários os votos de dois terços dos deputados para que o impeachment comece a caminhar no Congresso — caso avance, ele é tocado pelo Senado com o comando do Supremo Tribunal Federal.
Um dos líderes do PT no Congresso Nacional, Humberto Costa (PT) publicou em seu perfil no Twitter que a decisão de Cunha "é a chantagem de mais baixo nível que se pode ver numa República". Para o líder do oposicionista DEM na Câmara, Mendonça Filho, contudo, “havia uma ansiedade da sociedade brasileira com relação a este momento". Liderança do DEM no Senado, Ronaldo Caiado escreveu nas redes sociais que "se o processo de impeachment for admitido, o povo acreditará na segurança jurídica, em novo governo capacitado, em unidade política no país".
O senador petista Lindberg Farias, ex-líder cara-pintada na ocasião do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, criticou a abertura de um processo contra Dilma.
EL PAÍS BRASIL
Em entrevista ao EL PAÍS concedida na última sexta-feira, a ex-ministra Marina Silva, terceira colocada na disputa pela Presidência em 2010 e 2014, ao ser questionada sobre o impeachment de Dilma. "Impeachment a gente não fabrica". Leia: http://cort.as/ZoQQ
EL PAÍS BRASIL
A presidenta Dilma precisa de mais de um terço dos votos do plenário da Câmara (ou seja, 172 votos) para escapar do afastamento. Mas o processo ainda é longo. Entenda: http://cort.as/ZoQG
EL PAÍS BRASIL
Bom dia! Continuamos com a cobertura em tempo real do desenrolar da crise política no Brasil. O que acontece após a abertura do processo de impeachment? Entenda o passo a passo em nove pontos básicos.http://cort.as/ZoQG
Flávia Marreiro
Para o ex-porta voz de Lula, André Singer, desfecho da crise política vai definir futuro do Brasil por muito tempo. Leia entrevista que concedeu ao EL PAÍS em outubro: “A democracia vai pagar um preço alto se o impeachment vingar”http://cort.as/Zo_1
EL PAÍS BRASIL
Ao não ceder a Cunha, PT busca proteger sua imagem e aposta no STF para salvar mandato de Dilma. Estratégia é arriscada http://cort.as/Znv8
EL PAÍS BRASIL
Os tons de Rousseff e de Cunha mostram que a batalha está só no começo. O STF deve receber ações dos dois lados ow.ly/Vptv0
EL PAÍS BRASIL
Líder do PT na Câmara, José Guimarães criticou a decisão de Cunha pelo impeachment: “Nós recebemos isso com absoluta indignação, porque não há fato ou justificativa alguma, a não ser o desejo míope, antidemocrático e golpista de setores da oposição”.
EL PAÍS BRASIL
Além de anunciar que acata o pedido de impeachment, Cunha também autorizou a prorrogação de duas CPIs potencialmente danosas ao Governo: a do BNDES e a dos fundos de pensão.
EL PAÍS BRASIL
No dia da derrota política, o Governo conseguiu um alívio nas contas a duras penas no Congresso Nacional http://cort.as/ZnXS
EL PAÍS BRASIL
A disputa entre Eduardo Cunha e Dilma começou em fevereiro, quando o Palácio do Planalto optou por não apoiar o peemedebista na disputa pela presidência da Câmara. Cinco meses depois, Cunha rompeu com o Governo. Relembre: http://cort.as/Zmyz
EL PAÍS BRASIL
O pedido de impeachment aceito por Cunha se baseia nas "pedaladas fiscais" que teriam sido feitas durante o Governo Dilma para maquiar gastos feitos além do autorizado por lei. Entenda: http://cort.as/ZnZf
EL PAÍS BRASIL
Em alguns lugares de São Paulo e do Rio, houve pequenos panelaços enquanto a presidenta falava
EL PAÍS BRASIL
Em clara menção a Eduardo Cunha, a presidenta disse durante seu pronunciamento que nunca tentou coagir pessoas ou instituições "na tentativa de satisfazer meus interesses".
Sem comentários:
Enviar um comentário