Ivone Soares, uma líder em ascensão fulgurante
A
pós rumores de ter sido
mal recebida pela velha
brigada da bancada da Renamo
na chefia do grupo
parlamentar do principal partido
da oposição, devido à suposta falta
de experiência política e de alegadamente
ter beneficiado de um
esquema de nepotismo para chegar
ao posto, visto ser sobrinha do líder
do movimento, Afonso Dhlakama,
a jovem Ivone Soares parece ter saído ilesa do baptismo de fogo que
foi o primeiro e muito atribulado
ano da actual legislatura da Assembleia
da República.
Detentora de um cargo no passado
ocupado por pessoas de forte carisma
na Renamo, desde Raul Domingos,
passando por Maria Moreno
até Angelina Enoque, Soares
revelou-se imperturbável e com
grande “poder de fogo” verbal na
vanguarda dos ataques ferozes que
a bancada do principal partido da
oposição desferiu contra a Frelimo,
bancada maioritária, e o Governo
suportado por esta organização,
por aquilo que considera ter sido
um “roubo de sacristia” nas eleições
gerais de Outubro do ano passado.
“A prática da democracia não é
um ritual, não é uma liturgia, não
é uma coreografia de eleitos que
querem fazer prova de vida. A prática da democracia para os eleitos é
servir os interesses e responder aos
anseios dos eleitores”, defendeu, no
discurso de abertura da VIII Legislatura
da Assembleia da República. Vieram dela as palavras mais duras
na pressão que a Renamo exerceu
para a aprovação da Lei Quadro
das Autarquias Provinciais, um cavalo
de batalha do principal partido
de oposição para a elevação à autarquia
das seis províncias do centro
e norte do país, onde o movimento
reivindica vitória nas eleições gerais
do ano passado.
Chumbado o projecto pela bancada
maioritária da Frelimo, Ivone Soares
foi, ao lado do seu tio Afonso
Dhlakama, a porta-voz da escalada
verbal que se registou a seguir, salpicada
com discursos de retorno à
guerra.
“Habitué” das redes sociais, manteve
o foco, à margem da tribuna parlamentar,
na pressão pela criação das
autarquias provinciais, abastecendo
a sua conta do “Facebook” com “os
banhos de multidão” que recebiam
Afonso Dhlakama nos périplos
pelo centro e norte, onde explicava
as motivações da exigência das autarquias
provinciais. Os seus “posts”
são habitualmente seguidos por
milhares de “likes”(gosto), onde há
também muitas alusões à sua particular
beleza.
Sem desarmar, a Renamo voltou
para a parte final da última sessão
do ano da Assembleia da República
com um projecto de revisão pontual
da Constituição da República para
acomodar a exigência de criação
das autarquias provinciais. Ivone
também voltou.
Tributária do peso de Afonso
Dhlakama na sua ascensão na política
– “é um ídolo” – disse, em entrevista
ao SAVANA no final do ano
passado, Ivone Soares era também
a cara do desalento que tomou conta
do partido, quando o seu líder foi
humilhado pela polícia na sua residência
na Beira, a 09 de Outubro
deste ano.
Trauliteira?
Obstinada com a ideia de que a Renamo
é temida (e não respeitada)
pela Frelimo, porque está armada,
personificou a recusa mais veemente
dos quadros do principal partido
da oposição à exigência do Governo
moçambicano de que o movimento
deve ser desmilitarizado.
“Quem é que vai desarmar a Renamo?”,
questionou, em tom desafiador,
a chefe da bancada do principal
partido da oposição, numa das sessões
da Assembleia da República.
Deixando sempre no ar a ideia de
que nada está perdido e o fim é
apenas um começo, Ivone Soares
terminou o seu discurso do fim da
sessão com a pergunta: “E a agora?”,
lançando dúvidas sobre o futuro do
país face à rejeição do projecto da
Renamo de revisão da Constituição
da República.
De dentro do seu partido, é vista
como um instrumento que o líder
encontrou para controlar o movimento
com mão de ferro e como
uma manipuladora que envenena a
cabeça de Afonso Dhlakama contra
membros da organização que
ousam questionar a sua autoridade.
Ivone Soares tem sistematicamente
liderado todas as iniciativas de diálogo entre Dhlakama e Nyusi, o
que causa “muitos ciúmes”, mesmo
nos círculos do seu próprio partido.
Soares movimenta-se bem
no meio diplomático acreditado
em Moçambique, sendo uma das
interlocutoras com os mediadores
agora “despedidos de funções”.
Foi ela, aliás, em reunião à porta-
-fechada e noticiada em primeira
mão pelo SAVANA , que agradeceu o
trabalho dos mediadores, indirectamente
dispensando os seus serviços
(Lourenço do Rosário não estava
presente), avançando com a opção
Jacob Zuma e Igreja Católica.
Dona de um pensamento próprio,
há quem vê em Ivone Soares uma
caceteira sem pudor no recurso
à chantagem e ao belicismo para
manter o partido relevante e impressionar
o líder.
Nos círculos do partido no poder,
a chefe da bancada da Renamo é
descrita como uma interlocutora
sem idoneidade, que rasga compromissos
com a facilidade com
que surpreende com os glamorosos
“modelos” que exibe na Assembleia
da República – chegou a ser considerada
a que melhor se veste na
“casa do povo”.
Alguns vão mais longe e olham
para Ivone Soares como uma felina
traiçoeira, que não merece confiança. No fim do dia, porém, a sua verve
e a crescente habilidade política
transformaram-na numa opositora
temida.
A sua simpatia, carisma e capacidade
foram também reconhecidos
além-fronteiras, tendo sido eleita
vice-presidente do grupo parlamentar
da Juventude do Parlamento
Pan-Africano.
Todos esses argumentos pesados, o
facto é que esbanja carisma e retó-
rica suficientes para marcar a política
moçambicana nos próximos
tempos.
Calisto Cossa: a surpresa de um “frelo” com tiques de emancipado
E
leito a presidente do município
da Matola sob uma espessa
nuvem de cepticismo
quanto à sua habilidade para
se apartar da tutela que lhe foi exercida
pelo ex-ministro das Finanças,
Manuel Chang, por força da sua
subordinação no Ministério onde os
dois trabalhavam e pelo cargo que o
antigo governante ocupava no topo
da hierarquia da Frelimo naquela
edilidade, Calisto Cossa revelou
capacidade de sobrevivência num
delicado colecte de forças entre os
interesses clientelares instalados na
máquina do partido que lhe deu o
bilhete para edil e as expectativas dos
munícipes.
Cossa tocou num território tradicionalmente
intocável nas áreas municipalizadas
moçambicanas, as construções desordenadas.
Arriscou a sua popularidade pela forma
implacável como permitiu que o
seu elenco conduzisse demolições de
edificações de munícipes mais pobres
erguidas em locais legalmente proibidos.
Nesse sentido as suas acções
estiveram muito próximas do edil de
Nampula, Mahamudo Amurane, do
MDM, que, igualmente com grande
coragem tem desafiado os poderosos
da cidade para repor a ordem e a legalidade
na urbe.
Mas Calisto Cossa correu um risco
político ainda maior, ao mandar
abaixo construções de gente poderosa do seu próprio partido, incluindo
caciques que tradicionalmente financiam
as pesadas e onerosas campanhas
eleitorais em Moçambique.
Cossa enfrentou a ira de Carmelita
Namashilua, uma “aparatchick” frelimista
da herança Guebuza no actual
elenco governamental (é ministra
da Administração Estatal e Função
Pública) que, ecoando as vozes dos
sectores mafiosos na Frelimo, tentou
parar com as demolições de construções ilegais ou erigidas com o pagamento
de subornos.
Nos seus quase dois anos de mandato
na presidência da Matola, Calisto
não recorreu ao “buldózer” apenas
para destruir edificações ilegais. Pôs
o seu elenco a colocar “mãos à obra”,
construindo e reabilitando infra-estruturas
com uma importância estruturante
para a vida sócio-económica
do município.
A construção da Avenida da Marginal
e rua das Salinas, asfaltagem das
estradas Nkongoluene-Mercado 7
de Abril, N4-Km15, dos troço Nkobe
– Mapandane e T3 – Boquisso,
a reabilitação da Avenida General
Sebastião Marcos Mabote e a pavimentação
da Estrada Khongolote/
Molumbela são intervenções que
ajudaram a ultrapassar as reservas
iniciais em relação ao poder da equipa
de Calisto Cossa mostrar resultados.
Herdeiro de um sistema de governa-
ção opaco e com pouco tacto com a
realidade, Calisto Cossa desceu do
trono e contactou terra a terra com
os munícipes, mantendo a aposta
da iniciativa “Presidência Municipal
Sem Paredes”.
No seu esforço de tentar estar próximo
dos que o elegeram, Calisto Cossa
desburocratizou a relação com os
munícipes, concedendo, num só dia,
a audiência a 101 cidadãos da Matola,
no bairro da Machava 15, que
apresentaram questões relacionadas
com solo urbano, inundações, criminalidade
e saneamento do meio.
Além da preocupação com os temas
sociais, Calisto Cossa centrou a sua
actuação também na cooperação
com o sector empresarial, participando
num conjunto de iniciativas gizadas
com o objectivo de incentivar o
sector privado a apostar na Matola.
Nesse contexto, as missões empresariais,
o estabelecimento de um
mecanismo de comunicação peri-
ódica entre o Conselho Municipal
da Matola e os diversos organismos
empresarias e a construção da empresa
de manutenção de autocarros
no Bairro da Matola Gare, vulgo “
Tchumene”, podem ser vistas como
denotando sensibilidade do actual
elenco governativo da Matola com a
área empresarial.
Perigo de autoritarismo
Apesar de uma folha de serviços assinalável
nos quase dois anos que leva
à frente da Matola, vislumbram-se
sinais que podem vir a pôr em causa
o aparente compromisso de Calisto
Cossa com o bem-estar dos munícipes
da Matola.
A pressa em mostrar resultados e
distinguir-se dos seus antecessores
podem tornar Cossa vulnerável a
uma actuação mais autoritária e pouco
atenta às regras de um município
que está num Estado de direito.
Uma independência sem auto-contenção
em relação ao seu partido irá
colocar Calisto Cossa exposto a ataques
virulentos de membros da Frelimo
supostamente prejudicados pelo
estilo de governação do edil.
A apetência por acções de maior mediatização
também pode sacrificar
intervenções de menor visibilidade
pública mas fundamentais para a
vida dos cidadãos e dar razão aos que
criticam o edil de alegada busca ilimitada
de protagonismo.
Há quem também vê em Calisto
Cossa um calculista político e demagogo
e não um reformista genuíno,
capaz de voltar aos vícios autistas
que se instalaram nos quadros de um
partido que tem um poder central e
local há mais de 40 anos.
Nesse contexto, a necessidade de
sobrevivência política poderá levar
Cossa a sucumbir às poderosas má-
fias que gravitam à volta das facilidades
que a Frelimo concede a quem
lhe presta vassalagem.
Uma questão incómoda é saber-se
se as vassalagens de que goza actualmente
não poderão querer que se
traduzam em terrenos, uma das áreas
onde os autarcas acabam.
Celso Correia: um ministro em ascensão
Em onze meses é uma das
poucas “estrelas” da fragmentada
administração
Nyusi. Celso Correia estreou-se
no Governo, num sector
controverso como a terra, desenvolvimento
rural e ambiente, mas
um dos pilares, senão o pilar fundamental
da governação Nyusi.
Correia, que vem do sector privado,
onde liderava o grupo familiar Insitec,
tem resistido às provas de fogo
em que é submetido, tendo lidado
com coragem com o sector florestal,
uma área alvo da voracidade de
poderosos, a começar pelos generais
predadores do exército e da polícia
que dizimam espécies protegidas de
fauna e os recursos da floresta. De
caminho comprou uma briga com a
incontornável Helena Taipo, a propósito
das prerrogativas do Parque
Nacional da Gorongosa, presa fácil
dos apetites controleiros de governadores
e administradores locais.
Outra das medidas amplamente
aplaudida pelas organizações da
sociedade civil foi o anúncio da
decisão de cancelar a terceira ronda
de consultas públicas em Palma,
no quadro do processo de reassentamento
pela Anadarko de vários
milhares de camponeses daquela
região do Norte de Cabo Delgado.
Celso Correia mandou parar com o
controverso processo, com o argumento
de que era importante criar
espaço “por forma a permitir um
melhor alinhamento com os requisitos
da lei”.
A ronda de consultas cancelada
pelo ministério de Correia seguiria
a outras duas realizadas em 2014, e
deveria abordar matérias relativas a
indemnizações e compensações dos
camponeses a serem removidas de
Celso Correia: um ministro em ascensão
diferentes aldeias da Península de
Afungi, afectados pelo projecto da
construção do gás natural liquefeito
(LNG), que deve ocupar uma área
prevista de 7.000 hectares.
Pouco tempo depois, os resultados
vieram: o Governo e a petrolífera
norte-americana Anadarko assinaram
um acordo de USD170 milhões
para a deslocação de cinco mil
pessoas da zona onde a companhia
irá construir a fábrica de LNG.
“O acordo define as regras de reassentamento
das comunidades onde
será construída a fábrica e como
vão beneficiar da mesma. É mais do
que um acordo de reassentamento,
porque é também um acordo para
o desenvolvimento das comunidades”,
sublinhou na altura Celso
Correia.
O ministro da Terra, Ambiente e
Desenvolvimento Rural qualificou
o valor destinado ao reassentamento
de robusto e um modelo para o
país, frisando que o Governo e a
Anadarko procuraram evitar os erros
cometidos no desenvolvimento
de projectos na indústria extractiva.
O sector da caça furtiva foi outro
ramo que mereceu uma forte aten-
ção do ministro Celso Correia.
Visto como um gesto que visava
mandar uma mensagem sobre o
compromisso de Moçambique na
protecção da natureza, Celso Correia
mandou incinerar mais duas
toneladas de pontas marfim e cornos
de rinoceronte em Maputo,
apreendidas em diferentes ocasiões
em vários pontos do país, uma medida
pioneira no país.
A medida foi aplaudida em muitos
círculos e o governo norte-americano
através da sua Embaixada em
Maputo distribuiu um comunicado
saudando a “acção corajosa do Governo
de Moçambique na destrui-
ção de reservas de 2,4 toneladas de
pontas de marfim e de 193 quilogramas
de cornos de rinoceronte
apreendidas.
Correia, no combate ao tráfico e
caça furtiva estabeleceu igualmente
pontes internacionais importantes
com a África do Sul (perante a incapacidade
de anteriores ministros
em lidar com o assunto), Tanzania,
China e Vietname, os destinos
preferenciais do marfim obtido em
Moçambique.
A recente reforma no sector florestal
foi outro golpe de Celso Correia.
Começou com uma revolução
na área das florestas, com uma série
de medidas que deverão mexer com
o sindicato criminoso que há muito
está instalado no sector e com os
vários tentáculos na nomenklatura
frelimista.
Suspendeu novos pedidos de áreas
de exploração em regime de licenças
simples por dois anos, uma
decisão que pretende dar espaço
para a reorganização do sector, bem
como o processo de revisão do quadro
legal de florestas.
Vai auditar todas as concessões em
todo o país e suspender por cinco
anos a exploração de pau ferro,
madeira preciosa furtivamente exportada
para China. Esta decisão,
segundo o MITADER, visa salvaguardar
a espécie que tem estado a
sofrer uma enorme pressão.
Vai submeter à Assembleia da República
uma proposta de revisão da
lei de florestas, para adequar a legislação
às novas dinâmicas do país
e do mundo.
Vários relatórios nacionais e internacionais
argumentam que o ritmo
a que tem crescido a exploração
madeireira em Moçambique - a legal
e a ilegal – já há muito fez soar
alarmes no país, não só por não ser
sustentável, como por revelar um
sistema de corrupção, em que se
sugere proximidade dos empresá-
rios a figuras importantes do partido
Frelimo e a generais envolvidos
na libertação do país. Vamos ver
até onde irá a coragem de Celso
Correia neste sector ou até onde o
deixam ir uma vez que está a lidar
com os sectores corruptos do seu
próprio partido.
Contudo, é preciso não perder de
vista que um dos desafios pessoais
de Celso Correia é actuar com
transparência na gestão e afastamento
dos seus negócios privados
por forma a afastar as naturais suspeições
que desperta actualmente
na opinião pública. Pouco tempo
depois da tomada de posse do Governo
Nyusi, surgiram suspeições
sobre o envolvimento de Celso
Correia no “negócio” da foto oficial
do Presidente da República, recentemente
voltam a surgir suspeitas
de tráfico de influências que culminaram
com a entrada da Televisão
Independente de Moçambique
(TIM) no “negócio” da ARTV, a tv
da Assembleia da República, donde
todas as outras televisões buscam
sinal das plenárias da chamada
Casa do Povo.
Os seus detractores dizem que os
negócios pessoais vão mal – como
é o caso da construtora CETA – e
que poderá buscar “protecção governamental”
para “tapar buracos”
financeiros, assim como criticam
o seu “excessivo pragmatismo” ao
virar as costas a Guebuza para ser
um dos mais próximos apoiantes de
Nyusi. Os conservadores no partido
e no governo são actualmente
os seus principais adversários políticos.
Se quiser continuar a trilhar os caminhos
de um governante promissor
e de futuro, é importante afastar
suspeições. A mulher de César não
basta ser honesta, é preciso parecer!
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