domingo, 27 de dezembro de 2015

Figuras do Ano - Savana 25-12-2015

Ivone Soares, uma líder em ascensão fulgurante

A pós rumores de ter sido mal recebida pela velha brigada da bancada da Renamo na chefia do grupo parlamentar do principal partido da oposição, devido à suposta falta de experiência política e de alegadamente ter beneficiado de um esquema de nepotismo para chegar ao posto, visto ser sobrinha do líder do movimento, Afonso Dhlakama, a jovem Ivone Soares parece ter saído ilesa do baptismo de fogo que foi o primeiro e muito atribulado ano da actual legislatura da Assembleia da República. Detentora de um cargo no passado ocupado por pessoas de forte carisma na Renamo, desde Raul Domingos, passando por Maria Moreno até Angelina Enoque, Soares revelou-se imperturbável e com grande “poder de fogo” verbal na vanguarda dos ataques ferozes que a bancada do principal partido da oposição desferiu contra a Frelimo, bancada maioritária, e o Governo suportado por esta organização, por aquilo que considera ter sido um “roubo de sacristia” nas eleições gerais de Outubro do ano passado. “A prática da democracia não é um ritual, não é uma liturgia, não é uma coreografia de eleitos que querem fazer prova de vida. A prática da democracia para os eleitos é servir os interesses e responder aos anseios dos eleitores”, defendeu, no discurso de abertura da VIII Legislatura da Assembleia da República. Vieram dela as palavras mais duras na pressão que a Renamo exerceu para a aprovação da Lei Quadro das Autarquias Provinciais, um cavalo de batalha do principal partido de oposição para a elevação à autarquia das seis províncias do centro e norte do país, onde o movimento reivindica vitória nas eleições gerais do ano passado. Chumbado o projecto pela bancada maioritária da Frelimo, Ivone Soares foi, ao lado do seu tio Afonso Dhlakama, a porta-voz da escalada verbal que se registou a seguir, salpicada com discursos de retorno à guerra. “Habitué” das redes sociais, manteve o foco, à margem da tribuna parlamentar, na pressão pela criação das autarquias provinciais, abastecendo a sua conta do “Facebook” com “os banhos de multidão” que recebiam Afonso Dhlakama nos périplos pelo centro e norte, onde explicava as motivações da exigência das autarquias provinciais. Os seus “posts” são habitualmente seguidos por milhares de “likes”(gosto), onde há também muitas alusões à sua particular beleza. Sem desarmar, a Renamo voltou para a parte final da última sessão do ano da Assembleia da República com um projecto de revisão pontual da Constituição da República para acomodar a exigência de criação das autarquias provinciais. Ivone também voltou. Tributária do peso de Afonso Dhlakama na sua ascensão na política – “é um ídolo” – disse, em entrevista ao SAVANA no final do ano passado, Ivone Soares era também a cara do desalento que tomou conta do partido, quando o seu líder foi humilhado pela polícia na sua residência na Beira, a 09 de Outubro deste ano. Trauliteira? Obstinada com a ideia de que a Renamo é temida (e não respeitada) pela Frelimo, porque está armada, personificou a recusa mais veemente dos quadros do principal partido da oposição à exigência do Governo moçambicano de que o movimento deve ser desmilitarizado. “Quem é que vai desarmar a Renamo?”, questionou, em tom desafiador, a chefe da bancada do principal partido da oposição, numa das sessões da Assembleia da República. Deixando sempre no ar a ideia de que nada está perdido e o fim é apenas um começo, Ivone Soares terminou o seu discurso do fim da sessão com a pergunta: “E a agora?”, lançando dúvidas sobre o futuro do país face à rejeição do projecto da Renamo de revisão da Constituição da República. De dentro do seu partido, é vista como um instrumento que o líder encontrou para controlar o movimento com mão de ferro e como uma manipuladora que envenena a cabeça de Afonso Dhlakama contra membros da organização que ousam questionar a sua autoridade. Ivone Soares tem sistematicamente liderado todas as iniciativas de diálogo entre Dhlakama e Nyusi, o que causa “muitos ciúmes”, mesmo nos círculos do seu próprio partido. Soares movimenta-se bem no meio diplomático acreditado em Moçambique, sendo uma das interlocutoras com os mediadores agora “despedidos de funções”. Foi ela, aliás, em reunião à porta- -fechada e noticiada em primeira mão pelo SAVANA , que agradeceu o trabalho dos mediadores, indirectamente dispensando os seus serviços (Lourenço do Rosário não estava presente), avançando com a opção Jacob Zuma e Igreja Católica. Dona de um pensamento próprio, há quem vê em Ivone Soares uma caceteira sem pudor no recurso à chantagem e ao belicismo para manter o partido relevante e impressionar o líder. Nos círculos do partido no poder, a chefe da bancada da Renamo é descrita como uma interlocutora sem idoneidade, que rasga compromissos com a facilidade com que surpreende com os glamorosos “modelos” que exibe na Assembleia da República – chegou a ser considerada a que melhor se veste na “casa do povo”. Alguns vão mais longe e olham para Ivone Soares como uma felina traiçoeira, que não merece confiança. No fim do dia, porém, a sua verve e a crescente habilidade política transformaram-na numa opositora temida. A sua simpatia, carisma e capacidade foram também reconhecidos além-fronteiras, tendo sido eleita vice-presidente do grupo parlamentar da Juventude do Parlamento Pan-Africano. Todos esses argumentos pesados, o facto é que esbanja carisma e retó- rica suficientes para marcar a política moçambicana nos próximos tempos. 

Calisto Cossa: a surpresa de um “frelo” com tiques de emancipado 

E leito a presidente do município da Matola sob uma espessa nuvem de cepticismo quanto à sua habilidade para se apartar da tutela que lhe foi exercida pelo ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, por força da sua subordinação no Ministério onde os dois trabalhavam e pelo cargo que o antigo governante ocupava no topo da hierarquia da Frelimo naquela edilidade, Calisto Cossa revelou capacidade de sobrevivência num delicado colecte de forças entre os interesses clientelares instalados na máquina do partido que lhe deu o bilhete para edil e as expectativas dos munícipes. Cossa tocou num território tradicionalmente intocável nas áreas municipalizadas moçambicanas, as construções desordenadas. Arriscou a sua popularidade pela forma implacável como permitiu que o seu elenco conduzisse demolições de edificações de munícipes mais pobres erguidas em locais legalmente proibidos. Nesse sentido as suas acções estiveram muito próximas do edil de Nampula, Mahamudo Amurane, do MDM, que, igualmente com grande coragem tem desafiado os poderosos da cidade para repor a ordem e a legalidade na urbe. Mas Calisto Cossa correu um risco político ainda maior, ao mandar abaixo construções de gente poderosa do seu próprio partido, incluindo caciques que tradicionalmente financiam as pesadas e onerosas campanhas eleitorais em Moçambique. Cossa enfrentou a ira de Carmelita Namashilua, uma “aparatchick” frelimista da herança Guebuza no actual elenco governamental (é ministra da Administração Estatal e Função Pública) que, ecoando as vozes dos sectores mafiosos na Frelimo, tentou parar com as demolições de construções ilegais ou erigidas com o pagamento de subornos. Nos seus quase dois anos de mandato na presidência da Matola, Calisto não recorreu ao “buldózer” apenas para destruir edificações ilegais. Pôs o seu elenco a colocar “mãos à obra”, construindo e reabilitando infra-estruturas com uma importância estruturante para a vida sócio-económica do município. A construção da Avenida da Marginal e rua das Salinas, asfaltagem das estradas Nkongoluene-Mercado 7 de Abril, N4-Km15, dos troço Nkobe – Mapandane e T3 – Boquisso, a reabilitação da Avenida General Sebastião Marcos Mabote e a pavimentação da Estrada Khongolote/ Molumbela são intervenções que ajudaram a ultrapassar as reservas iniciais em relação ao poder da equipa de Calisto Cossa mostrar resultados. Herdeiro de um sistema de governa- ção opaco e com pouco tacto com a realidade, Calisto Cossa desceu do trono e contactou terra a terra com os munícipes, mantendo a aposta da iniciativa “Presidência Municipal Sem Paredes”. No seu esforço de tentar estar próximo dos que o elegeram, Calisto Cossa desburocratizou a relação com os munícipes, concedendo, num só dia, a audiência a 101 cidadãos da Matola, no bairro da Machava 15, que apresentaram questões relacionadas com solo urbano, inundações, criminalidade e saneamento do meio. Além da preocupação com os temas sociais, Calisto Cossa centrou a sua actuação também na cooperação com o sector empresarial, participando num conjunto de iniciativas gizadas com o objectivo de incentivar o sector privado a apostar na Matola. Nesse contexto, as missões empresariais, o estabelecimento de um mecanismo de comunicação peri- ódica entre o Conselho Municipal da Matola e os diversos organismos empresarias e a construção da empresa de manutenção de autocarros no Bairro da Matola Gare, vulgo “ Tchumene”, podem ser vistas como denotando sensibilidade do actual elenco governativo da Matola com a área empresarial. Perigo de autoritarismo Apesar de uma folha de serviços assinalável nos quase dois anos que leva à frente da Matola, vislumbram-se sinais que podem vir a pôr em causa o aparente compromisso de Calisto Cossa com o bem-estar dos munícipes da Matola. A pressa em mostrar resultados e distinguir-se dos seus antecessores podem tornar Cossa vulnerável a uma actuação mais autoritária e pouco atenta às regras de um município que está num Estado de direito. Uma independência sem auto-contenção em relação ao seu partido irá colocar Calisto Cossa exposto a ataques virulentos de membros da Frelimo supostamente prejudicados pelo estilo de governação do edil. A apetência por acções de maior mediatização também pode sacrificar intervenções de menor visibilidade pública mas fundamentais para a vida dos cidadãos e dar razão aos que criticam o edil de alegada busca ilimitada de protagonismo. Há quem também vê em Calisto Cossa um calculista político e demagogo e não um reformista genuíno, capaz de voltar aos vícios autistas que se instalaram nos quadros de um partido que tem um poder central e local há mais de 40 anos. Nesse contexto, a necessidade de sobrevivência política poderá levar Cossa a sucumbir às poderosas má- fias que gravitam à volta das facilidades que a Frelimo concede a quem lhe presta vassalagem. Uma questão incómoda é saber-se se as vassalagens de que goza actualmente não poderão querer que se traduzam em terrenos, uma das áreas onde os autarcas acabam.

Celso Correia: um ministro em ascensão

Em onze meses é uma das poucas “estrelas” da fragmentada administração Nyusi. Celso Correia estreou-se no Governo, num sector controverso como a terra, desenvolvimento rural e ambiente, mas um dos pilares, senão o pilar fundamental da governação Nyusi. Correia, que vem do sector privado, onde liderava o grupo familiar Insitec, tem resistido às provas de fogo em que é submetido, tendo lidado com coragem com o sector florestal, uma área alvo da voracidade de poderosos, a começar pelos generais predadores do exército e da polícia que dizimam espécies protegidas de fauna e os recursos da floresta. De caminho comprou uma briga com a incontornável Helena Taipo, a propósito das prerrogativas do Parque Nacional da Gorongosa, presa fácil dos apetites controleiros de governadores e administradores locais. Outra das medidas amplamente aplaudida pelas organizações da sociedade civil foi o anúncio da decisão de cancelar a terceira ronda de consultas públicas em Palma, no quadro do processo de reassentamento pela Anadarko de vários milhares de camponeses daquela região do Norte de Cabo Delgado. Celso Correia mandou parar com o controverso processo, com o argumento de que era importante criar espaço “por forma a permitir um melhor alinhamento com os requisitos da lei”. A ronda de consultas cancelada pelo ministério de Correia seguiria a outras duas realizadas em 2014, e deveria abordar matérias relativas a indemnizações e compensações dos camponeses a serem removidas de Celso Correia: um ministro em ascensão diferentes aldeias da Península de Afungi, afectados pelo projecto da construção do gás natural liquefeito (LNG), que deve ocupar uma área prevista de 7.000 hectares. Pouco tempo depois, os resultados vieram: o Governo e a petrolífera norte-americana Anadarko assinaram um acordo de USD170 milhões para a deslocação de cinco mil pessoas da zona onde a companhia irá construir a fábrica de LNG. “O acordo define as regras de reassentamento das comunidades onde será construída a fábrica e como vão beneficiar da mesma. É mais do que um acordo de reassentamento, porque é também um acordo para o desenvolvimento das comunidades”, sublinhou na altura Celso Correia. O ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural qualificou o valor destinado ao reassentamento de robusto e um modelo para o país, frisando que o Governo e a Anadarko procuraram evitar os erros cometidos no desenvolvimento de projectos na indústria extractiva. O sector da caça furtiva foi outro ramo que mereceu uma forte aten- ção do ministro Celso Correia. Visto como um gesto que visava mandar uma mensagem sobre o compromisso de Moçambique na protecção da natureza, Celso Correia mandou incinerar mais duas toneladas de pontas marfim e cornos de rinoceronte em Maputo, apreendidas em diferentes ocasiões em vários pontos do país, uma medida pioneira no país. A medida foi aplaudida em muitos círculos e o governo norte-americano através da sua Embaixada em Maputo distribuiu um comunicado saudando a “acção corajosa do Governo de Moçambique na destrui- ção de reservas de 2,4 toneladas de pontas de marfim e de 193 quilogramas de cornos de rinoceronte apreendidas. Correia, no combate ao tráfico e caça furtiva estabeleceu igualmente pontes internacionais importantes com a África do Sul (perante a incapacidade de anteriores ministros em lidar com o assunto), Tanzania, China e Vietname, os destinos preferenciais do marfim obtido em Moçambique. A recente reforma no sector florestal foi outro golpe de Celso Correia. Começou com uma revolução na área das florestas, com uma série de medidas que deverão mexer com o sindicato criminoso que há muito está instalado no sector e com os vários tentáculos na nomenklatura frelimista. Suspendeu novos pedidos de áreas de exploração em regime de licenças simples por dois anos, uma decisão que pretende dar espaço para a reorganização do sector, bem como o processo de revisão do quadro legal de florestas. Vai auditar todas as concessões em todo o país e suspender por cinco anos a exploração de pau ferro, madeira preciosa furtivamente exportada para China. Esta decisão, segundo o MITADER, visa salvaguardar a espécie que tem estado a sofrer uma enorme pressão. Vai submeter à Assembleia da República uma proposta de revisão da lei de florestas, para adequar a legislação às novas dinâmicas do país e do mundo. Vários relatórios nacionais e internacionais argumentam que o ritmo a que tem crescido a exploração madeireira em Moçambique - a legal e a ilegal – já há muito fez soar alarmes no país, não só por não ser sustentável, como por revelar um sistema de corrupção, em que se sugere proximidade dos empresá- rios a figuras importantes do partido Frelimo e a generais envolvidos na libertação do país. Vamos ver até onde irá a coragem de Celso Correia neste sector ou até onde o deixam ir uma vez que está a lidar com os sectores corruptos do seu próprio partido. Contudo, é preciso não perder de vista que um dos desafios pessoais de Celso Correia é actuar com transparência na gestão e afastamento dos seus negócios privados por forma a afastar as naturais suspeições que desperta actualmente na opinião pública. Pouco tempo depois da tomada de posse do Governo Nyusi, surgiram suspeições sobre o envolvimento de Celso Correia no “negócio” da foto oficial do Presidente da República, recentemente voltam a surgir suspeitas de tráfico de influências que culminaram com a entrada da Televisão Independente de Moçambique (TIM) no “negócio” da ARTV, a tv da Assembleia da República, donde todas as outras televisões buscam sinal das plenárias da chamada Casa do Povo. Os seus detractores dizem que os negócios pessoais vão mal – como é o caso da construtora CETA – e que poderá buscar “protecção governamental” para “tapar buracos” financeiros, assim como criticam o seu “excessivo pragmatismo” ao virar as costas a Guebuza para ser um dos mais próximos apoiantes de Nyusi. Os conservadores no partido e no governo são actualmente os seus principais adversários políticos. Se quiser continuar a trilhar os caminhos de um governante promissor e de futuro, é importante afastar suspeições. A mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer! 

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