Decisão retira temporariamente da coalizão democrática maioria qualificada de dois terços no Parlamento
A Justiça da Venezuela determinou nesta quarta-feira a suspensão temporária da proclamação de três deputados de oposição eleitos pelo estado de Amazonas, no Sul do país, nas eleições legislativas do último dia 6. Com isso, eles não vão poder tomar posse no dia 5 de janeiro. A decisão deixa a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) sem a maioria qualificada de dois terços na Assembleia Nacional (AN) — a oposição conseguiu eleger 112 dos 167 assentos no Parlamento. Com isso, a oposição não terá o poder no Legislativo para remover funcionários e até tentar uma saída antecipada do presidente Nicolás Maduro, além de aprovar reformas econômicas e anistiar presos políticos.
A Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (STJ) considerou procedente uma medida cautelar impetrada pelo oficialista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e ordenou “de forma provisional e imediata a suspensão dos efeitos dos atos de totalização, adjudicação e proclamação” dos candidatos eleitos em Amazonas, segundo sentença publicada no site da corte máxima.
A tentativa de impugnar oito deputados da MUD — que chegaram a nove com um novo pedido de recurso do PSUV — foi classificada por juristas venezuelanos como inconstitucional. Opositores também falaram de uma “manobra” do governo Maduro para tentar obstruir a maioria qualificada na Assembleia Nacional, pela primeira vez nas mãos da oposição, durante os 16 anos de chavismo.
Os pedidos, feitos na terça e quarta-feira, durante recesso do TSJ, foram baseados na alta quantidade de votos nulos em algumas circunscrições, como a dos estados de Amazonas, Yaracuy e Aragua. Em sua página na internet, o TSJ divulgou ontem o pedido de um “recurso contencioso eleitoral conjuntamente com amparo cautelar e medida de suspensão de efeitos contra a votação das eleições parlamentares do estado do Amazonas”. A medida prejudicaria o deputado Julio Ygarza, o nono da MUD que poderia ser impugnado.
— O PSUV usa o argumento de que há muitos votos nulos, ou seja, mais do que a diferença entre o ganhador e o perdedor, para tentar impugnar os deputados eleitos pela oposição em alguns estados. Mas não existe qualquer lei válida para esse caso. É totalmente inconstitucional — afirmou ao GLOBO Blanca Rosa Mármol de León, ex-magistrada do TSJ.
‘País sem poder judicial’
Além disso, dois dos três magistrados que decidirão sobre os casos — Fanny Márquez e Christian Zerpa — foram nomeados no último dia 23 pela Assembleia Nacional, ainda de maioria chavista, quando o governo designou 13 novos juízes para a Corte Suprema.
Agora, cabe à Sala Eleitoral do TSJ decidir se admite ou não o julgamento dos recursos apresentados pelo partido oficialista. Somente após essa etapa, o órgão deverá se pronunciar sobre as medidas cautelares de suspensão dos deputados.
— A Sala Eleitoral poderia tentar anular a eleição desses nove deputados da MUD, que não poderiam ser incorporados à nova Assembleia Nacional. Mas seria um excesso, já que medidas cautelares só podem ser aplicadas quando há algum prejuízo irreparável para o resultado das eleições, o que não é o caso. Uma eventual decisão neste sentido seria um claro abuso de poder — defende José Ignacio Hernández, professor de Direito da Universidade Central da Venezuela.
Na terça-feira, sem se referir diretamente às impugnações, Maduro afirmou que está sendo realizada uma investigação sobre supostas irregularidades nas eleições, como “compras de votos e controle dos funcionários das seções eleitorais”. Como parte de um processo de “renovação do chavismo”, o presidente também anunciou a convocação de um Congresso Popular na segunda quinzena de janeiro, sem dar detalhes sobre a nova instância. Para juristas, seria uma tentativa de fazer um contrapeso e até tentar anular o novo Parlamento.
— O chamado Congresso do Povo não tem nada a ver com a Assembleia Nacional como instituição. Seria uma espécie de assembleia de comunas, o que também não está na Constituição. É absolutamente inválido e poderia ser anulado pela nova Assembleia (que assume dia 5 de janeiro). Trata-se de uma tentativa de golpe de Estado constitucional. A Venezuela é um país sem poder judicial — denunciou Blanca.
Para Vicente Léon, do instituto de pesquisa Datanálisis, a base fundamental da estratégia do governo é o TSJ, onde tem mais possibilidades de manobra.
— O Parlamento comunal faz mais parte de um show. As ações são parte da blindagem institucional do chavismo — afirmou. — Mas à medida que o governo impeça totalmente o trabalho da Assembleia, aumentará lamentavelmente a probabilidade de conflito e radicalização.
MUD pede presença da Unasul
Analistas também advertem que a tensão política pode provocar uma crise ainda maior que a de 2015, ano que será encerrado com uma inflação de 200%, e queda do PIB de 20%, de acordo com dados privados — o governo não divulga esses números.
A MUD denunciou as medidas como um “golpe judicial” a organizações internacionais. Ontem, membros da coalizão convidaram uma comissão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) a visitar o país no dia 5 de janeiro, quando o novo Parlamento toma posse. Jesús Torrealba, secretário-geral da MUD, também pediu à população para acompanhar a juramentação dos legisladores e içar bandeiras em suas casas. O oficialismo, por sua vez, convocou uma grande manifestação nas ruas.
Ontem, após dois dias consecutivos de reuniões para tentar se chegar a um consenso sobre o presidente da nova Assembleia, Torrealba afirmou que uma nova votação secreta será realizada no dia 3 de janeiro, com os 112 deputados eleitos.
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