Há um vídeo que anda aí com um trecho interessante dum discurso proferido por Samora Machel. Como quase tudo que diz respeito a essa figura importante da nossa história o vídeo é circulado como documento do tipo de liderança que faz falta ao país. Eu fico estupefacto quando vejo pessoas com saudades daquele tipo de liderança. Já uma vez perdi amigos (ou o respeito de certas pessoas) aqui no “Facebook” por escrever um texto em que questionava essa figura. Transcrevi o que ele diz nesse comício para não só apreciarem comigo porque devemos suspirar de alívio por não termos mais esse tipo de liderança (o que não quer dizer que as suas qualidades individuais sejam irrelevantes), mas também para verem comigo a tenacidade da cultura política que criámos nesses anos. Destaco a questão da liderança para chamar atenção ao facto de que se não trata do indivíduo em si, mas da cultura política que permitiu que emergisse esse tipo de liderança.
Os críticos com maiores compromissos ideológicos do que eu verão nesta transcrição essencialmente uma coisa, nomeadamente o desastre que a economia planificada é. Há um certo sentido em que todo o discurso aqui é comentário sobre a ineficiência da economia planificada como nós a conhecemos das caricaturas que se faziam nos tempos ao sistema soviético. O meu interesse, contudo, é outro. Estou mais interessado na cultura política aqui revelada. Vamos ler a transcrição e encontramo-nos mais abaixo:
“Mais de mil toneladas não saem, porquê? Quando fizemos o plano não pensamos em abrir estrada para escoar o sal. Dois, não pensamos em barco para ir buscar o sal. Três, não colocamos directores lá para a gestão da fábrica. Os coreanos construíram muito bem, partiram! A fábrica está lá, produz, mas não há perspectiva. Mas os bacharelados, economistas e engenheiros, estão aqui em Maputo aqui. Esta contradição eu não sei. Eu vou passar (…), parece que estou vos a aborrecer, não acham? Heim [multidão: não!], heim ([multidão: não!]… temos machamba em Niassa. Machamba produz quantas toneladas de milho? Quem responde? [aqui levanta-se alguém que parece o Sérgio Vieira envolto em indumentária militar cerimonial e diz alguma coisa] Não, o total, o total! Niassa há muito milho agora mesmo, agora mesmo. Uma machamba experimental com a República Popular da China. Eles em cada hectare produzem 4 toneladas de milho, e por ano eles produzem mais de 4 mil toneladas de milho, não sai esse milho, já não sabemos o que fazer do milho. Está lá. Ouviram meus amigos? Até hoje não colocamos moçambicanos para aprender com os chineses lá. Não está ninguém. Um dia os chineses vão sair e a fábrica vai ficar…. Há feijão do ano passado e deste ano no Niassa, milho deste ano e do ano passado, batata deste ano e do ano passado. Problema de escoamento e comercialização. Precisamos de tijolos para construção de casas, precisamos de zincos, de chapas de zinco, mas não designamos ninguém para dirigir esses sectores que são essenciais para a vossa vida, não designamos ninguém. Ninguém responde pelos tijolos, chapa de zinco, lusalite, ninguém responde. Temos fábrica para sabão e óleo, saborela (?), não controlamos, está lá a fábrica. Temos grandes projectos em Cabo Delgado, estão lá outra vez os coreanos. Já cultivaram 500 hectares, produzem duas vezes por ano o arroz, conseguem colher em cada hectare 7 toneladas, não há estrada para escoar, não há maquinista, não há tractorista, não há quadro lá para dirigir. Coreano um dia vai, vai sair, mas se eu disser “amigo, vai para Cabo Delgado dirigir a fábrica”, “oh, eu sou de Maputo”… “olha, vai lá a Cabo Delgado ensinar lá a manutenção das máquinas que estão lá”. “Ah, não, é longe”. É longe de onde? É longe de onde Cabo Delgado? Amigos, sim, “vai a Cabo Delgado para ir dirigir aqueles complexos que estão lá, há muitos complexos lá em Cabo Delgado. Eles não têm electricista, não têm mecânico, não tem soldador, não tem canalizador, não tem outro, não tem isto”. Então, um grupo de brigada disto, disto vai para lá! “Não, é longe”. É longe donde? “Hã, não há cinema”. Aha, ntla! Cabeça de galinha”.
“Cabeça de galinha” é a descrição de quem não quer ir a Cabo Delgado porque prefere ficar em Maputo onde há cinema. É cabeça de galinha. Se Nyusi dissesse isso hoje seria chamado de fascista. Os tempos mudam. Guebuza ainda é o mau da fita por ter dito que as pessoas deviam assumir maior responsabilidade pela sua vida. Samora Machel é recordado com saudade por não ter visto nenhum problema em interferir com a liberdade individual em nome dum projecto político particular que ele e os seus impuseram a todos por conta da “libertação do país do jugo colonial”. Nesta transcrição vemos uma liderança perplexa que não sabe porque, nem faz a mínima ideia do que está a andar mal no país. Neste trecho está toda uma sociologia política do poder autoritário que nos pode dar algumas dicas sobre algumas das coisas que não estão bem connosco.
O problema não foi o Marxismo. O problema foi a incapacidade de abordar os problemas de forma estratégica. E esse problema continua connosco. Nós queremos fazer o bem, mas as coisas não andam. Alguém deve estar a sabotar a nossa obra. Ela em si é boa, o plano que a concebeu é bom, se não funciona é porque não estamos a ser suficientemente exigentes e autoritários, é porque as pessoas que deviam implementar não estão ainda suficientemente politizadas (ou são indisciplinadas). Muita gente ainda não se libertou deste tipo de postura. Lembro-me que no primeiro mandato de Guebuza, cujo autoritarismo, sobretudo protagonizado pelo seu ministro de saúde, fartei-me de criticar nessa altura jornais como o Savana celebravam como o regresso da doutrina Samoriana. Não é de estranhar o seu fascínio hoje pelo líder da oposição.
Dum modo geral, há um fascínio colectivo pelo populismo. A governadora de Sofala é figura do ano para a Rádio Moçambique. Porquê, só Deus sabe nesta altura do ano. A sua dedicação pelo trabalho é incontestável. Mas em Sofala faz o que fez em Maputo como ministra do trabalho. Notabiliza-se pelo autoritarismo. Durante todo o tempo que foi ministra do trabalho não pensou os desafios do trabalho e da segurança social de forma inovadora; não resolveu o problema dos Madjerman; não formulou, que eu saiba, uma política de criação de emprego clara e exequível. Marcou pontos anunciando tolerâncias de ponto e metendo-se com estrangeiros que ela considerava mal-criados. Na Pérola do Índico isso é liderança. Outra vez a doutrina Samoriana. Colhe simpatias de todos os cantos políticos. “… mas não designamos ninguém para dirigir esses sectores que são essenciais para a vossa vida, não designamos ninguém...”. Porque nós próprios não podemos ser responsáveis pelas coisas que são essenciais à nossa vida é uma pergunta que naqueles tempos não teria feito nenhum sentido. E justamente porque nunca foi colocada continua a fazer parte do instinto político de cada um de nós esperar que a nossa vida dependa de outros, não de nós. Continua a fazer parte do repertório de acção de todo o político que se preze pensar que a sua missão é de educar, ensinar, mandar, disciplinar, etc. o povo. De todos os lados da trincheira política.
E muitos ainda se surpreendem quando agentes policiais não respeitam a vida. Surpreendem-se quando na prossecução de objectivos políticos alguns acham ser legítimo dispor da vida dos outros. Surpreendem-se quando não somos capazes de assumir compromissos firmados. Surpreendem-se quando não há confiança entre nós.
Comments
Euclides Cumbe porquê precisava de quadros saidos de Maputo se em cabo Delgado havia gente secalhar com potencial??
Grácio Dos Inguanes Foi uma etapa importante da nossa jovem nação(?) Não viví directamente esse período. Tudo o que sei é através de excertos desses discursos ou de relatos de pessoas.
Respeito a opinião do professor, mas não concordo com ela. Penso que pela forma como as nossas instituições estão a ser dirigidas hoje, pela sofisticação da malandrice por parte de quem dirige, a liderança do presidente Samora era premente.
Sou dos que prefere um ditador comprometido com justiça social, do que um democrata aparente comprometido com negociatas!!!
Ilidio Da Silva .....Porque nós próprios não podemos ser responsáveis pelas coisas que são essenciais à nossa vida é uma pergunta que naqueles tempos não teria feito nenhum sentidoE justamente porque nunca foi colocada continua a fazer parte do instinto político de cada um de nós esperar que a nossa vida dependa de outros, não de nós ... Caro Elisio Macamo, acredito que sim fez sentido para alguns porem assumo que as consequencias de terem feito tal pergunta tenha sido muito nefasto e em alguns casos tenha mesmo custado a vida a alguns deles.Dai que sou defensor de ate hoje a pergunta é feita porem nao surta o efeito desejado, possivelmente devido a forma, local etc onde se coloca a questao.
Elisio Macamo aí está! alguns jovens que não viveram este período da nossa história precisam de se informar melhor ao invés de andarem a adular figuras e momentos que são responsáveis por uma boa parte dos problemas que temos.
Inusso Jamal Elisio Macamo, é um debate, que a ter que ser, busque capacidade franca de diálogo. Mocambique era mais que uma gestão de "zonas libertadas".
Carlos Nuno Castel-Branco Queria comentar sobre quatro questões. Primeiro, penso que esse discurso de Samora foi feito mais ou menos 6 anos depois da independência nacional. A situação na altura - da economia, pessoal formado e com experiência, etc., era totalmente diferente da de agora. Portanto, tentar fazer comparações faciais directas não é muito útil. Isso não quer dizer que um presidente deve poder chamar cabeças de galinha a pessoas, mas a comparação de toda a situação não é muito útil. Segundo, a tal liderança de que as pessoas falam não é sobre frases como "cabeça de galinha", mas sobre a tentativa de pôr o estado ao serviço de um projecto de desenvolvimento alargado. Seria mais interessante discutir a diferença entre os discursos oficiais e o que de facto acontecia, a incapacidade de resolver a maior parte dos grandes problemas identificados e a dependência da figura de Samora. Daqui podem sair lições mais interessantes para o presente do que uma discussão descontextudada desse estrato do discurso. Terceiro, Guebuza não foi criticado por querer que as pessoas assumissem mais responsabilidade sobre as suas vidas, mas por optar por um projecto político que pôs o estado ao serviço do grande capital. A retórica ideológica do período de Guebuza enfatizava o enriquecimento pessoal como produto da qualidade pessoal, a culpabilização dos pobres pela sua pobreza e a sua responsabilização pelo seu emprego, e a primazia dos interesses e expectativas do grande capital sobre o pequeno e sobre o trabalho. Finalmente, não havia nada de marxismo nos discursos de Samora, para além de retórica e referências a aspectos particulares que eram semelhantes aos colocados pela maior parte dos nacionalistas revolucionários da época.
Grácio Dos Inguanes Concordo inteiramente com o seu comentário Dr.
Don Tivane Muito obrigado!
Elisio Macamo não concordo, Carlos Nuno Castel-Branco. a discussão não está decontextualizada. não importa se havia ou não quadros. a questão que levanto é da atitude em relação ao indivíduo, o respeito que lhe era devido, apesar de tudo. a frelimo daquela época (e de agora e já agora toda a classe política moçambicana) não respeita o indivíduo. é isso que destaco nesse discurso. cabeça de galinha é o termo menos ofensivo. houve termos bem piores para não falar de xiconhocas, marginais, indisciplinados, traidores, etc. tudo isso fazia parte dum projecto político autoritário e intolerante cuja tendência natural perante os seus próprios desaires era ser mais autoritário ainda (daí a operação produção, os fuzilamentos por crimes económicos, etc.). não vamos perceber os nossos problemas actuais se não sermos suficientemente críticos em relação a esse projecto. nesse sentido, não há diferença entre samora e guebuza. o pano de fundo autoritário era o mesmo (razão pela qual muitos dos que hoje criticam guebuza celebraram-no como a nova face do samorismo) com a diferença de que guebuza se comprometeu com uma visão económica que procurava responsabilizar o indivíduo mais. eu achei esse projecto genuino como também achei o projecto colectivista de samora genuino. ambos falharam. a questão do marxismo, conforme escrevo no texto, não se coloca aqui, embora me pareça desingênuo querer tirar isso de samora, pois muitos dos males dessa época foram feitos em nome do marxismo. a horrível conclusão a que chegaríamos seria de que sofremos por algo que não era importante para ele...
Carlos Nuno Castel-Branco O texto que seleccionaste, Elisio Macamo, tem muitos temas de discussão e não apenas a questão dos cabeças de galinha. É evidente que ninguém hoje vai aceitar esse tratamento. O que eu estava era a tratar de outras questões sobre essa comparação, porque no teu post fazes referência a liderança no seu conjunto e falas de abordagens estratégicas. Ora, isso não se pode resumir a cabeças de galinha, do mesmo modo que a minha crítica ao modelo Guebuziano não se limita aos apóstolos da desgraça. No extracto de texto que seleccionaste aparece uma questão interessante sobre liderança - Samora descreveu uma série de problemas óbvios, que ele observou in loco, e que tentou resolver com maior responsabilização dos seus próprios quadros. Mas sempre houve um problema central de método: o que é um problema, é a sua manifestação observável? Será que focar e tentar resolver a manifestação observável do problema de facto trata do problema? Esse sempre foi um problema com a frelimo e talvez o seja em política em geral, não sei - problemas são identificados em reuniões ou visitas relâmpago, independentemente de qualquer processo de investigação mais profunda. Por exemplo, qual era o problema da instabilidade da força de trabalho no Porto de Maputo (grande questão de debate político na primeira metade dos anos 1980): era a eventualidade do recrutamento ou a eventualidade da organização do trabalho e do sistema de incentivos? Se a tua discussão se resume ao tratamento do líder ao indivíduo - cabeças de galinha, apóstolos da desgraça, xiconhocas, agente da mão externa, etc. - ainda bem que Nyusi não parece seguir esses exemplos nem de Samora nem de Guebuza - nem de Chissano, que mais comedido e diplomático tinha, no entanto, a mesma atitude prática. Não me parece que seja essa a liderança que as pessoas querem - ainda não ouvi ninguém dizer que tem saudades de ser chamado cabeça de galinha. Talvez as pessoas tenham saudades de alguém que se identificava com elas e com os seus problemas, mesmo que não os resolvesse ou só resolvesse alguns ou escolhesse soluções que às vezes criavam mais problemas. Talvez as pessoas tenham saudades de um projecto social que era para todos e não apenas para alguns, mesmo que esse projecto, não forma como foi organizado e implementado, não tivesse resolvido muita coisa. Talvez as pessoas tenham saudades de um tempo em que os dirigentes não eram geralmente eram ricos nem estavam apenas enriquecer sem se preocupar em com muito mais. Se estas ideias e sentimentos que as pessoas possam ter são legítimos, correctos, bem formulados, devidos, etc., ou não, isso é tema para outro debate. Portanto, a narrativa de Samora é muito variada, complexa e contraditória, tal como ele era. Sobre o marxismo de Samora, ele próprio disse numa célebre entrevista que nunca tinha lido Marx. Essa entrevista está gravada e publicada em vários artigos. À pergunta de um jornalista sobre quando é que ele tinha lido Marx pela primeira vez, ele respondeu na sua forma muito própria "eu nunca li Marx pela primeira vez". Continuou dizendo que o seu marxismo era pragmático, aprendido na luta de libertação nacional e orientado para resolver os problemas do povo. Nesse sentido, Samora era imensamente mais pragmático que Marcelino ou Guebuza.
Elisio Macamo agora estamos a conversar. "cabeça de galinha" manifesta em minha opinião o sistema político que produziu esse tipo de liderança. há uma linha directa entre esse discurso e o endurecimento da atitude contra os inimigos. é um discurso que não tem nenhuma capacidade auto-crítica. externaliza os seus problemas e cria ele próprio os seus inimigos, os inimigos da revolução, etc. e nisso nada mudou no país, tanto mais que já critiquei aqui a forma como uns e outros abordam a crítica. é sempre "branco", "saudosista", fantoche do ocidente, etc. . o trecho que reproduzi revela grande perplexidade e isso não surpreende. insisto: o marxismo é irrelevante para mim neste contexto. lembro-me da entrevista em que ele diz que quando leu marx foi como se o estivesse a ler pela segunda vez porque o que ele escrevia ele tinha vivido... a minha questão aqui é que foi em nome do marxismo que ele liderou o projecto político falhado que foi o programa do iii congresso. eu duvido muito que a celebração de samora machel nos dias de hoje tenha a ver com algum anseio por um projecto político mais justo. é perplexidade geral, desculpa-me a arrogância.
Carlos Nuno Castel-Branco Eu assisti a uma sessão da Assembleia Popular, penso que em 1980 ou 1981. Marcelino tinha feito um discurso em que dizia que o nosso país estava a avançar para o socialismo desenvolvido a grande velocidade, pois já tínhamos partido de vanguarda, a assembleia popular, o sistema de planificações centralizada, o aparelho de estado de direcção da economia, as cooperativas e as organizações democráticas de massas. Toda a gente aplaudiu. Samora então levantou-se e disse que o mal de alguns camaradas é que para pensam que socialismo é como uma fábrica de salsichas: põem um animal num lado e saem salsichas no outro. Disse ele que enquanto as pessoas vivessem mal não havia socialismo e que o único critério do progresso é o bem estar das pessoas e não indicadores como partido, assembleia, plano, etc. O que é chamado marxismo é uma construção intelectual de análise e prática social revolucionária e não um programa de um movimento de libertação nacional radical e progressista. Não foi por causa de nenhum pretenso marxismo que a frelimo se tornou ditatorial e autocrática. Não estou a defender marxismo aqui, estou apenas a rejeitar a superficialidade dessa análise no que diz respeito à história de Moçambique e da frelimo.
Elisio Macamo mas é o que também digo. o marxismo é irrelevante aqui. só que dizer que samora era mais pragmático não invaliida o facto de que foi em nome desse marxismo que a frelimo fez o que fez.
Carlos Nuno Castel-Branco Finalmente, a tal maior responsabilidade individual que Guebuza quis introduzir manifesta-se como? O estado expropriou-se para capitalizar o capitalismo doméstico oligarquico por via da atracção e ligação com o capital multinacional. Houve três grandes ondas de expropriação do eatado: as privatizações massivas (realizadas ainda no reinado de Chissano); a entrega dos recursos naturais, infraestruturas e serviços do estado, bem como a exploração da capacidade de endividamento do estado sem preocupação com as consequências eatruturais; e a expropriação das expectativas. Em que sentido é que um capitalismo oligarquico alimentado pelo estado até ao limite é maior responsabilização individual? Nós documentos oficiais, a responsabilização limitou-se aos pobres e trabalhadores. De facto, esta lógica política é uma adaptação invertida da lógica da nossa chamada socialização do campo - em que as empresas estatais tinham todos os recursos e às cooperativas era dito que se desnvolvessem com base na autoiniciativa e autosuficiencia (não há nada de marxista nisto). Hoje o grande capital recebe tudo do estado (recebia, porque parece que a bolha explodiu) e o pequeno e os trabalhadores são chamados preguiçosos e tal (isso não é somente falta de respeito plo indivíduo, mas uma opção - eu diria de classe mas outros podem dizer o que quiserem - sobre os focos e prioridades do desenvolvimento).
Carlos Nuno Castel-Branco A frelimo fez o que fez em nome do seu poder. O Bush disse que os EUA têm mandato divino para mandar no mundo e invadir o médio oriente. Com é que isso explica a política externa norte-americanos e qualifica Bush como indivíduo respeitador dos ensinamento ou de espirito de solidsriedade e fraternidade que aparentemente esses ensinamentos promovem?
Carlos Nuno Castel-Branco Muito cedo, no processo revolucionário moçambicano, a defesa da legitimidade do poder da frelimo ficou o foco mais importante de tudo. Com esse foco, também vêm os simbolismo de diferenciação e de poder, muito à semelhança do animal farm (ou o triunfo dos porcos) de George Orwell. Os privilégios que se criaram para quadros, a partir dos anos 1980 (na última fase do período de Samora) são parte disso.
Elisio Macamo hmmm, eu acho que o projecto de guebuza fazia sentido. falhou por todo um conjunto de circunstâncias que incluíram contradições internas ao modelo e factores que também inviabilizaram o projecto de samora (essencialmente de cultura política). parece-me contudo cedo demais para ditar a sentença final. só dizer que algo é pelo povo como se fez naquela altura não é suficiente. sobre bush, nada a dizer. não é meu assunto. voltarei mais tarde!
Carlos Nuno Castel-Branco Para este debate ter valor, seria interessante fazê-lo a sério com uma confrontação histórica real. Muitas das decisões do III foram modificadas no IV, ainda em tempo de Samora, e muitos dos principais dirigentes da programa económico fora afastados dos órgãos centrais e enviados para as províncias. O único que regressou para uma função executiva central foi o Mário Machungo, que ficou PM de 1986 a 1994 - com muitos mais poderes do que qualquer um dos PM que se seguiram. Porque é que isto acenteceu? Qual foi a crítica real?
Carlos Nuno Castel-Branco O projecto de guebuza fazia sentido a curto prazo para a formação de oligarquias nacionais. Era baseado na falsa premissa que a riqueza gerada pelos recursos naturais chegaria a tempo de compensar pela enorme bolha económica que o seu modelo criou. Neste sentido, a sua abordagem não diferir tanto da filosofia gigantista do PPI. Um vez expliquei isso a ele: se a força requerida para mover a economia supera a capacidade da economia de renovar essa força, a economia não vai a lado nenhum e esgota a sua capacidade de reprodução. A previsão da bolha económica era clara para quem quisesse pensar a sério. Interessantemente, o soviéticos e chineses - no tempo do III congresso - e o FMI e banco Mundial - no período guebuzista - chamaram a atenção para os exageros que estávamos a fazer.
Inusso Jamal Essas foram as mudanças "individuais", E não sei quais foram os resultados obtidos dentro do plano global.
Carlos Nuno Castel-Branco Sobre as causas do fracasso do projecto, o que dizes sobre o de guebuza pode dizer-se sobre qualquer outro.
Inusso Jamal Não irei buscar em outros que não sejam os três que o país conheceu pôs independência, sob a alçada do mesmo "partido" político.
João Paulo Marime Muito obrigado, agora percebo tanta insistência em discutir o nosso próprio destino porem uma pergunta fica por responder: se em 40 anos não conseguimos mudar esta mentalidade coletiva como poderemos a breve trecho sair de um emaranhado destes?
Elisio Macamo não há saída a breve trecho. o que quero destacar no texto é a necessidade de olharmos seriamente para a cultura política que torna certas coisas possíveis. há muita convergência em torno de aspectos problemáticos como por exemplo a falta de respeito pelo indivíduo. isso vai para além de fronteiras partidárias. temos que identificar um espaço de discussão marcado por princípios com os quais concordamos mesmo que as saídas que propomos sejam diferentes. ainda hoje estava a rever algumas notícias passadas e deparei-me com uma notícia sobre dois jornalistas que entraram em vias de facto (portanto, não souberam resolver os seus diferendos de forma pacífica), os mesmos jornalistas que estiveram em alta na recepção do líder da oposição emboscado...
Clayton Johnam Professor desculpa coloquei a questão no sítio errado.
Júlio Mutisse A hi swi tsiki...
Elisio Macamo podíamos deixar, mas os jovens precisam de saber: inúteis, preguiçosos, marginais, criminosos, vagabundos, bêbados, faltosos, corruptos, gente entregue à inércia, etc... e o que significava ser chamado assim todos nós, menos os jovens de hoje, sabemos. e nem estou a dizer que não havia gente que merecesse ser chamada assim naqueles tempos. só que eram produto do próprio sistema político.
Júlio Mutisse A hi swi tsiki..
Orlando Daniel Chemane O julgamento dos nossos dirigentes mostra-'se algo dificil porque o processo de libertação de Moçambique (e de toda a África)foi sempre um processo condicionado: a liderança de Samora foi estalinista pelo contexto de guerra fria que os empurrou a uma opção marxista. O tempo de Guebuza foi uma questão devitória do capitalismo. Portanto, a nossa cultura de governação não se pode imputar de todo a opções conscientes e genuinas mas como caricaturas de certas imposições alheias as nossas vontades. Como diria Ngoenha, devemos nos laicizar do ocidente. Com isso não quero dizer que seja impossível dar algum cunho endógeno e pessoal a nossa governação...
Elisio Macamo só que eu não estava a julgar samora, o dirigente. estou a julgar o modelo de liderança. os condicionalismos externos são importantes, mas o que distingue uma verdadeira liderança é justamente a capacidade de trilhar o seu caminho. disso não devemos abdicar.
Orlando Daniel Chemane Concordo na necessidade de trilhar caminhos próprios mas acho que Samora Machel teve menos espaço para isso. Não estou a pretender iliba-lo de toda a responsabilidade mas os fatos atestam que era quase impossível escapar do modelo que implementou. Depois da morte violenta de Eduardo Mondlane e de toda a serie de episódios que comprovaram, posteriormente, a existência de traidores como foi o caso de Lázaro Khavandame, etc, era difícil confiar no individuo. Ou seja, pretendo argumentar que logo depois da Independência era difícil ser se mais brando...
Elisio Macamo estragou tudo. está a dizer que ele não sabia o que estava a fazer? francamente.
Clayton Johnam Caro professor, independentemente de toda idiologia que marcou a primeira República, me parece que este discurso de Samora apelava para uma maior introspecção na forma como pensávamos a produção e a produtividade e como superar os desafios que se colocavam na altura. Não vejo nada que fira a liberdade individual do cidadão. Este discurso, não deve muito coisa aos melhores manuais de MBA que conheço. Talvez se a observação fosse mais centrada nalguma demagogia da época, provavelmente encontraríamos um melhor escopo para formulação da sua crítica.
Elisio Macamo respondo logo.
Alvaro Simao Cossa Estimado prof. Elisio Macamo, Samora enfocava as coisas de acordo com a gíria predominante naquela altura para melhor comunicar-se com a populacao, diferentemente do presidente Guebuza, Samora Machel era um dirigente muito preocupado com a vida das pessoas mais necessitadas, que e' a maioria da nossa populacao, Samora era um dirigente que via o projeto da governacao exclusivamente para o bem das populacoes, ele nao presidia interesses do Grande capital internacional, mas sim presidia interesses da gente mais humilde e nisso nao havia nada de Marxismo-Leninismo. O estilo de governacao de Samora respondia a fase historica em que o pais se encontrava e ele era parte da populacao que servia. Nao quero imaginar o que seria de Mocambique, se logo depois da independencia, tivessemos tido um presidente cuja prioridade de governacao, virara-a para o Grande capital, nao teriamos tido a verdadeira independencia nem a consolidacao do poder popular, onde todas as camadas da populacao participassem nos varios niveis da direccao do pais. O poder seria de uma quadrilha de tios crapulas a extorquir e saquear as riquezas do pais. Acho que os grandes logros que tivemos na educacao e saude, e na consolidacao do poder das massas, nao teriamos tido. Quando Mocambique ficou independente, mais de 90% dos mocambicanos nao sabiam ler nem escrever, a mortalidade infantil era muito elevada, o nosso pais era como uma povoacao totalmente instavel e fraca, nao tinhamos indicios de institucionalizacao como estado, ha zonas do nosso pais que estavam fora do registo e mapeamento do estado, por isso o presidente discursava para essa populacao e nao para os Senhores ilustres Doutores, que exigem uma linguagem cuidada de adjetivos de intensidade superlativa e com uma finura e primazia etico-estilistica para conotar a petulancia elitista. Aquela epoca era muito diferente de hoje, nao so pela prioridade da lideranca interna, mas tambem pela conjuntura internacional que era mais polarizada. Samora Machel, acredito que tenha sido o melhor presidente de Mocambique ate hoje, apesar de alguns erros que ele cometeu, razao pela qual que mesmo os lideres da oposicao, usam o seu nome no seu populismo, para terem credibilidade das pessoas mais afetadas pela terapia de choque da nossa economia selvagem.
Júlio Mutisse Eu partilhei em tempos o vídeo de onde mano Elisio trouxe a citação no post. Nessa partilha disse que Samora estava a confessar incompetência própria e do seu Governo. É que tudo o que ele diz aí cabia a ele garantir enquanto chefe do Governo.
Lindo A. Mondlane era o tempo, hoje visto desde a distancia pode parecer nao correcto, mas a conjutura ditava tudo..todos vemos reunioes de governantes do seculo passado com charuto na mao, as salas das conferencias cheias de fumo, hoje seria inconcebivel e resulta até chocante, mas naquele tempo era correcto, W. Churchill dirigia o pais em estado de embriagues permanente e com um cigarro (puro) na mao, mas é considerado como um dos melhores estadistas de todos tempos.. conduzir sem cinto de segurança era a forma normal.. etc., os discursos de samora estavam encuadrados num contexto onde era mais importante falar que fazer, nao obstante a excepçao de algumas ofensas verbais, os considero validos em muitos aspectos
Alvaro Simao Cossa Meus irmaos Júlio Mutisse e Elisio Macamo para responder essa fase tao dificilme da nossa historia, eu como estudante do II ano do ciclo preparatorio do ensino secundario, voluntariei-me para o primeiro recenseamento da populacao em fevereiro de 1976, recenseei gente em Chibuto, Chokwe, Xai-xai e Manjacaze, possivelmente alguns de voces ou vossos familiares entratam nos cadastros da nova Nacao mocambicana, recenseados por mim. Fiz-lho sem pensar no dinheiro nem no bem estar dos meus familiares, assim como fui professor de alfabetizacao somente com 13 anos e meio, sem salario nem remuneracao. Essa era uma republica de gente para gente. Qualquer comparacao com a vida de hoje, pode ser incongruente.
Alvaro Simao Cossa Bem dito Lindo A. Mondlane, ate fumavam nos avioes, eu viajei para Canada na decada 80 e calhei na cadeira vizinha com uma senhora fumadora, cheguei em Toronto quase tonto de fumo, o senhor que me recebeu pensou que eu estivesse bebado, tive que explica-lo que eu era abstémio
Gabriel Muthisse Discussão interessante. Cada um dos nossos Presidentes dirigiu o país en condições específicas que, talvez justifiquem as abordagens que eles seguiram. De certa forma, a perplexidade de Samora revela esses condicionalismos. Nas perguntfas que ele (ingenuamente) faz, noto o fraco dominio que na época tinhamos dos instrumentos de gestao economica. Elas, as perguntas, pressupõem um certo voluntarismo na maneira como, por exemplo, queremos mobilizar força de trabalho especializada para Niassa, Cabo Delgado ou Gaza. As pessoas deviam ir para lá porque as estruturas ordenavam. E essas estruturas nao eram capazes de perceber as razoes das resistências em cumprir as suas ordens. Poder-se-ia perguntar hoje: o que leva as pessoas a lutarem para ir a Palma, a Moatize ou a Nacala Velha? É verdade que as deficiências de gestão da época, aliadas a uma forte carga ideologica do projecto politica (enformado pela crença de que os libertadores conheciam a fórmula para a felicidade geral) criaram condições para enorme sofrimento humano.
A Ofensiva Organizacional qye Samora protagonizou na década 90' está também eivada desse voluntarismo, que é próprio da época. E da crença de que as coisas só podiam andar mal porque havia sabotadores. As pessoas ficavam longos meses à espera, depois de terem submetido requerimentos para a obtenção de apartamentos? Só podia ser devido à sabotagem dos directores da APIE!!! Havia falta de leite para criancas? Havia falta de comida nas lojas? Só podia ser devido à sabotagem dos dirigentes da COGROPA!!! Muitos desses dirigentes foram detidos e tiveram as suas vidas destroçada. Talvez seja isso que algumas pessoas, ainda hoje, recordam como o profundo compromisso con o povo, das lideranças de antanho. Essa pretensa identificação e compromisso com o povo resultou, em muitos casos (para se manifestar) em prisões de pretensos culpados, de pretensos sabotadores. E muitos de nós aplaudimos essas manifestações de compromisso com os fracos!
Os problemas do país sao, obviamente, muito mais complexos que Samora, Chissano e Guebuza juntos. Se queremos pensar com utilidade os nossos desafios devemos perceber isto. Cada un destes líderes representou um contexto especifico, con as suas complexidades locais e globais. Por issos, se queremos indagar o estilo de Samora, devemos olhar para toda uma época. E avaliarmos o que nós proprios éramos e faziamos nessa época. O mesmo para Chissano e Guebuza.
Por isso mesmo, a nossa tendência de responsabilizar indivíduos pelos males da Patria, quaisquer que eles sejam, pode revelar a nossa propensao para sermos dirigidis por super homens. Por lideres infaliveis. Indicia que estamos sempre à espera de um super homem para vir resolver os nossos desafios de paz, de pobreza, de dívida e todos os outros.
Parabéns, Elisio Macamo por esta reflexão
Rogerio Jose Uthui Tenho estado a resistir comentar coisas aqui no FB para evitar tomar pódios mais oportunísticos e discutir assuntos sérios, ciente de qie problemas muito sérios devem ser resolvidos em sítios mais sérios. Fugiu me porém a boca para a verdade e aventuro aqui um parecer ao post do Prof. Macamo. 1. Cultura política e cultura da nossa liderança: lógico. Grã Bretanha, país muito desenvolvido com democracia secular, tem um a quem ninguém pode chamar nomes, manteve um domínio quase jihadista de anglicanos sobre católicos ( tipo shiitas contra sunitas), lutou uma guerra colonial outphased nas Malvinas, não tem limite de numero de mandatos para os primeiros ministros e muito mais coisas. É assim como interpretam a democracia e a liderança. Numa palestra há 9 anos notabilizaste te por dizer em frente de históricos da Frelimo no simpósio Samora Machel por ocasião dis 20 anos de Mbuzine, que Mz não deve ter medo de errar pois isso fazia parte da endogenização do processo de desenvolvimento. Mutatis mutandis. Concordei consigo depois de muito exercício de hermenêutica. Agora o Samora, com os erros que possamos ver nele, correspondia perfeitamente à cultura moçambicana( ou talvez mesmo africana) de liderança. E ao momento político mundial caracterizado pela Guerra Fria bla bla bla. É por isso que muito facilmente o SM era apreciado e referenciado em quase todos os países africanos pelo menos. Portanto continuo de acordo contigo. 2. Povo que gosta de discurso mais populista: também concordo com isso. Ele ( o discurso) presta se a menos análises, a menos estudos comparados e a menos conhecimentos de econometriaque muitos meus amigos do FB se aventuram a lançar dia-sim-dia-sim nas redes sociais e nos mídias convencionais. E talvez isso explique porque, um outro segmento de FBqueiros talvez com menos aparatos metodológicos de análise da economia, da psique spcial, da história do paye dos eventos mundiais, apoiam cada passo do DHL, Muchanga e outros. Um reparo: lembremo nos que a esmagadora maioria do povo moçambicano e africano está neste último segmento. Assim, como o Prof. Macamo, não me espanto porque razão os governantes com programas mais visíveis para a população sejam os "melhores do ano", bla bla bla do que os putros em operações mais de gabinete. Por esta métrica de avaliação, está claro que os ministros de finanças, defesa, ambiente, os médicos que descobrem a vacina da malária, nunca serão melhores personalidades de nenhum mês nem ano em nenhum país africano. Já o indivíduo que fale em público que vai elevar salários de todos (sem necessariamente entender a lógica dos orçamentos) que escute o anúncio dos IDH e pense que estamos parados como país, pode ser seguramente o melhor do ano. O meu amigo Agostinho Mondlane está "lixado". Espero que o texto não vos traga congestão nestas festas que certamente as passarm bem junto dos vossos entes queridos.
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