quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A complexa logística de municões do Estado Islâmico

Co­nheça uma das chaves do su­cesso mi­litar do grupo ter­ro­rista.
Sendo um co­nhe­cido ne­go­ci­ante de armas para os re­beldes que lutam contra o EI na sua ci­dade natal no leste da Síria, Abu Ali tinha a cer­teza de que os seus dias es­tavam con­tados quando há um ano atrás, dois co­man­dantes jiha­distas saíram de uma ca­mi­o­neta e ca­mi­nharam na sua di­reção.
Ele ficou per­plexo quando lhe en­tre­garam um papel im­presso. "O papel dizia:
'Esta pessoa tem per­missão para com­prar ou vender todos os tipos de ar­ma­mento dentro do Es­tado Is­lâ­mico', '' lembra Abu Ali.
"Até foi ca­rim­bado pelo 'Centro de Mossul'."
Em vez de serem de­tidos ou ex­pulsos como ti­nham te­mido quando o grupo jiha­dista in­terviu no leste da Síria no ano pas­sado, os ne­go­ci­antes do mer­cado negro tais como Abu Ali foram aceites pelo Es­tado Is­lâ­mico do Iraque e do Le­vante (EIIL). Eles foram ab­sor­vidos por um sis­tema com­plexo da pro­cura e oferta que abas­tece o grupo jiha­dista mais rico do mundo com mu­ni­ções no ter­ri­tório do auto-pro­cla­mado 'ca­li­fado' que abrange me­tade da Síria e um terço do Iraque.
Abu Ali que como muitos que ope­ravam dentro do ter­ri­tório do EI, pediu para não men­ci­onar o seu nome real, disse:
"Eles com­pram que nem loucos. Eles com­pram todos os dias: de manhã, à tarde e à noite."
O Es­tado Is­lâ­mico ob­teve armas do valor de cen­tenas de mi­lhões de dó­lares ao cap­turar Mossul, a se­gunda maior ci­dade do Iraque, no verão de 2014. Desde então, com cada ba­talha ven­cida a or­ga­ni­zação com­prava mais ma­te­riais. O seu ar­senal in­clui tan­ques de fa­bri­cação norte-ame­ri­cana Abrams, es­pin­gardas M16, lança-gra­nadas MK-19 de 40 mi­lí­me­tros (to­mados ao exér­cito ira­quiano) e ca­nhões russos M-46 de 130 mi­lí­me­tros (to­mados às forças sí­rias).
Mas apesar disso, os ne­go­ci­antes dizem que há uma coisa de que o EI pre­cisa: mu­ni­ções. As mais pro­cu­radas são para es­pin­gardas de as­salto AK-47, me­tra­lha­doras de médio ca­libre e para armas anti-aé­reas de 14,5 e 12,5 mi­lí­me­tros. O Es­tado Is­lâ­mico também compra lança-gra­nadas e balas sniper, mas em quan­ti­dades me­nores.
É di­fícil cal­cular os mon­tantes exatos en­vol­vidos no co­mércio de muitos mi­lhões de dó­lares do EI. No início deste ano, os con­frontos ao longo da fron­teira perto da ci­dade de Deir Ez-Zor, no leste da Síria — apenas um dos muitos campos de ba­talha do EI — exigiu pelo menos um mi­lhão de dó­lares em mu­ni­ções cada mês. Dizem que apenas um ataque de uma se­mana de de­zembro a um ae­ro­porto pró­ximo exigiu mais um mi­lhão de dó­lares.
A ne­ces­si­dade do EI de mu­ni­ções re­flete as suas tá­ticas de com­bate: o grupo de­pende muito de ca­miões-bombas, co­letes sui­cidas e ex­plo­sivos de fa­brico ar­te­sanal tanto du­rante os avanços como re­tiros. Mas a luta rá­pida no meio — prin­ci­pal­mente com as es­pin­gardas Ka­lash­nikov e me­tra­lha­doras mon­tadas em ca­miões — podem con­sumir de­zenas de mi­lhares de balas num único dia. Os com­ba­tentes dizem que os ca­miões de mu­ni­ções re­a­bas­tecem vá­rias li­nhas de frente todos os dias.
Para as­se­gurar este abas­te­ci­mento, o Es­tado Is­lâ­mico efetua uma ope­ração lo­gís­tica com­plexa que, se­gundo os com­ba­tentes, é tão im­por­tante que até é di­re­ta­mente su­per­vi­si­o­nada pelo con­selho mi­litar su­pe­rior, uma parte da li­de­rança do topo do grupo. É se­me­lhante ao modo como é con­tro­lado o co­mércio de pe­tróleo, a fonte prin­cipal de lucro do grupo.
As me­lhores fontes de mu­nição são os ini­migos do EI. A mi­lícia pró-go­verno no Iraque vende al­guns for­ne­ci­mentos para os ne­go­ci­antes do mer­cado negro, que de­pois os vende para os ne­go­ci­antes do Es­tado Is­lâ­mico.
Acima de tudo, os com­ba­tentes do EI de­pendem dos seus ri­vais na guerra na Síria entre as forças de Bashar al-Assad e os re­beldes que lutam para der­rubar o pre­si­dente e o Es­tado Is­lâ­mico. É aqui que os ne­go­ci­antes das forças sí­rias de­sem­pe­nham um papel cru­cial. Abu Ali fugiu quando lhe pe­diram para se juntar a eles, mas Abu Omar, um ve­te­rano do mer­cado negro nos seus 60 anos, mer­gu­lhou no co­mércio.
"Nós po­de­ri­amos com­prar ao re­gime, aos ira­qui­anos, aos re­beldes — se pu­dés­semos com­prar aos is­ra­e­litas, eles não se im­por­ta­riam en­quanto ti­vessem armas," disse Abu Omar.
Agora ele toma whiskey num bar turco e conta como passou um ano a tra­ba­lhar para os jiha­distas. Ele aban­donou o co­mércio em agosto de­pois de ter de­ci­dido que o EI era um re­gime de­ma­siado opres­sivo para ele.
Os co­man­dantes do Es­tado Is­lâ­mico pro­por­ci­onam car­teiras de iden­ti­dade ca­rim­badas para os ne­go­ci­antes que ofi­ci­al­mente forem apro­vados por dois mem­bros das forças de se­gu­rança do EI. De­pois o grupo im­põem uma cláu­sula de ex­clu­si­vi­dade: os ne­go­ci­antes podem mover-se li­vre­mente e efe­tuar o seu co­mércio, mas o Es­tado Is­lâ­mico quer ser o seu único cli­ente.
Os opo­nentes dos jiha­distas ficam su­pre­en­didos com a ha­bi­li­dade do grupo de mover ra­pi­da­mente muitos for­ne­ci­mentos de mu­ni­ções du­rante os com­bates. No norte do Iraque, os com­ba­tentes curdos en­con­traram do­cu­mentos de­ta­lhados sobre a en­trega de armas e mu­ni­ções para as ba­ta­lhas que ti­nham ter­mi­nado há pouco tempo.
Um re­pre­sen­tante ofi­cial no Iraque que pediu para per­ma­necer no ano­ni­mato disse:
"Em 24 horas, as mu­ni­ções foram en­vi­adas para eles de carro."
Os com­ba­tentes e ne­go­ci­antes dão-se conta da ve­lo­ci­dade dos sis­temas de co­mu­ni­ca­ções dos jiha­distas. Eles ex­plicam que um co­mité móvel in­di­gi­tado pelo con­selho mi­litar su­pe­rior no Iraque fala cons­tan­te­mente com os 'cen­tros' de armas em cada pro­víncia que por sua vez aceitam so­li­ci­ta­ções dos emires mi­li­tares.
In­ter­câm­bios entre os emires e os 'cen­tros' podem às vezes ser es­cu­tados pelos ini­migos. Por exemplo, na fron­teira do Iraque e da Síria, às vezes os com­ba­tentes ouvem con­versas sobre o 'kebab', 'frango tikka' e 'sa­lada'.
"É pro­vável que kebab sig­ni­fique uma me­tra­lha­dora," disse Abu Ahmad, um co­man­dante re­belde do leste da Síria que lutou contra o EI antes de fugir para a Tur­quia neste verão. "Sa­lada pode ser mu­ni­ções para os Ka­lash­nikov. Há balas ex­plo­sivas, balas pe­ne­trantes, ou seja uma mis­tura, assim como numa sa­lada," ri ele.
Abu Omar diz que con­tac­tava os cen­tros usando o What­sApp, um ser­viço de men­sa­gens de texto para os te­le­mó­veis. De poucos em poucos dias, o co­mité móvel man­dava listas de preços que os cen­tros usam para as balas e gra­nadas que têm a pro­cura mais alta. O centro para o qual Abu Omar tra­ba­lhava, es­crevia-lhe sobre quais­quer mu­danças de preço. Os ne­go­ci­antes dizem que a sua co­missão varia de 10 a 20 por cento.
Os preços estão a crescer, à me­dida que os com­ba­tentes da co­li­gação sob a égide dos EUA movem o grupo para mais longe da fron­teira turca, li­mi­tando as pos­si­bi­li­dades de con­tra­bando, ex­plicou Abu Ahmad. Se­gundo um dos ne­go­ci­antes, o EI lança mais li­cenças para im­pul­si­onar a con­cor­rência e preços mais baixos, fa­zendo com que os ne­go­ci­antes de armas lutem pelos mesmos acordos.
A maior parte das mu­ni­ções vem da Síria, agora uma fonte de armas para a re­gião. Os apoi­antes do Golfo Pér­sico en­viam para os grupos re­beldes ca­miões de mu­ni­ções através da fron­teira turca. Os com­ba­tentes cor­ruptos des­viam al­gumas destas para os ne­go­ci­antes lo­cais; as pro­vín­cias fron­tei­riças de Idlib e Alepo têm se tor­nado nos mai­ores mer­cados ne­gros no país, dizem os ha­bi­tantes lo­cais. A ide­o­logia quase não im­porta de­pois de cinco anos de guerra, diz Abu Ahmad
"Al­guns [ne­go­ci­antes] até odeiam o Es­tado Is­lâ­mico. Mas isto não tem im­por­tância quando se trata de obter lu­cros".
Os ne­go­ci­antes usam uma rede de mo­to­ristas e con­tra­ban­distas para es­conder as mu­ni­ções nos ca­miões que en­tregam bens civis tais como le­gumes e ma­te­riais para cons­trução. "O trá­fego é gi­gante. Usam-se as coisas que não pa­recem ser sus­peitos," disse Abu Ahmad. "Os ca­miões de com­bus­tí­veis são usados muito porque voltam do ter­ri­tório vazio do EI."
As mu­ni­ções de Mos­covo e Te­erão des­ti­nadas a Assad são outra fonte de ar­ma­mento com­prado no mer­cado negro, muitas vezes em áreas tais como As-Suwaida do Sul. Abu Omar diz:
"Eles gostam dos pro­dutos russos. Mas as coisas ira­ni­anas são mais ba­ratas."
Numa área com poucas opor­tu­ni­dades eco­nó­micas, im­pedir o co­mércio está a tornar-se cada vez mais de­sa­fi­ante. Sempre que um ne­go­ci­ante de armas foge, muitos ou­tros querem ocupar o seu lugar.
"Hoje em dia, tudo é questão de di­nheiro. Nin­guém se pre­o­cupa com quem você é... O que im­porta é o dólar," disse Abu Omar.

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