Perceba porque é que as ideias económicas do primeiro-ministro Erdogan podem ser bem mais perigosas para a Turquia do que as sanções que a Rússia acaba de impor.
No mesmo dia em que a Turquia abateu um avião russo na semana passada também formou um novo governo. Tal facto não teve muito destaque nos media estrangeiros, devido ao foco no choque Rússia-NATO, mas pode ser tão importante como qualquer das sanções económicas que a Rússia está a impor como retaliação pela sua perda.
O novo gabinete ministerial turco ajuda a responder a duas questões que têm estado em aberto desde que o partido de Recep Tayyip Erdogan recuperou a maioria absoluta nas eleições de novembro. Irá Erdogan subverter o sistema parlamentar da Turquia para comandar ele próprio a economia de $800 mil milhões? E irá ele impor as suas por vezes excêntricas teorias nas políticas económicas e monetárias?
A primeira resposta é: sim. A nova equipa é constituída principalmente por elementos por elementos próximos do presidente, em alguns casos até de forma embaraçosa. O novo ministro para a energia e recursos naturais será o genro de Erdogan, Berat Albayrak. A Turquia planeia investir $125 mil milhões no setor energético até 2023, por isso esse é um papel importante.
A resposta à segunda questão – quem irá determinar a política económica – é mais ambígua. O vice-primeiro-ministro Ali Babacan, que guiou a política económica da Turquia desde que o partido de Erdogan, Partido da Justiça e Desenvolvimento, chegou ao poder em 2002, acaba de sair. Mehmet Simsek, que fora economista da Merrill Lynch e ministro das finanças desde 2009, tem sido apontado como o sucessor de Babacan. As empresas confiam em ambos, e esperam que Simsek possa providenciar o mesmo peso político que Babacan, pois ele servia de muralha contra aquilo que por vezes é chamado de “Erdoganomia” – as ideias pouco convencionais de Erdogan sobre a economia.
Uma das teorias de Erdogan é que taxas de juro mais altas causam inflação, o oposto do que os fundamentos da economia (e dados empíricos) sugerem. Ele também afirmou, em linha com as suas crenças religiosas e preferência pela produção em vez das finanças, que as taxas de juro reais deveriam ser mantidas a zero. Acusou aqueles que estão em desacordo com ele como sendo parte de uma conspiração, o chamado “lobby das taxas de juro”, que tenta ganhar dinheiro com a subida das taxas.
Nem Babacan nem Simsek concordaram e o governador do banco central, Erdem Basci, foi capaz de resistir à pressão política para fazer baixar as taxas de juro para níveis potencialmente perigosos. Basci perdeu agora um dos seus protetores, e o seu mandato termina em abril. Quem o substituir ao leme do banco central terá um impacto decisivo numa economia emergente que parece ter perdido direção.
“O desafio é encontrar alguém com as credenciais académias certas que seja também do agrado do presidente,” diz Emre Delivei, um economista e consultor baseado em Istambul. “Se alguém próximo de Erdogan e sem as credenciais indicadas for escolhido, a independência do banco central está perdida.”
Outra característica da Erdoganomia é injetar dinheiro na indústria da construção como o motor principal de crescimento da economia. Esta é uma razão por que Erdogan tem desenvolvido aquilo que ele uma vez chamou de projetos “loucos” para transformar o ambiente físico da Turquia até 2023, o aniversário da república por Mustafa Kemal Ataturk. Esses projetos incluem uma terceira ponte e autoestrada sobre o Bósforo, um terceiro aeroporto para Istambul, que teria a maior capacidade para passageiros da Europa, uma nova cidade e um canal para retirar o tráfego marítimo do Bósforo.
Binali Yildirim, um dos aliados mais próximos de Erdogan, regressa à posição que tinha ocupado desde 2007 – ministro dos transportes, do mar e das comunicações – para dirigir esses projetos. O ministro das finanças Naci Agbal é um tecnocrata originário do próprio ministério (de tendência positiva) enquanto o novo ministro da economia – na realidade ministro do comércio – é um político leal a Erdogan.
Finalmente, será uma tarefa de Simsek e do primeiro-ministro Ahmet Davutoglu defender a economia de mercado da Turquia. Davutoglu planeia estar ao comando “mini-ministérios” da economia, de acordo com a Bloomberg News, o que é prometedor, e um sinal de que ele entende o desafio. E o programa que o mesmo revelou na passada quarta-feira inclui alguns planos encorajadores – por exemplo, a criação de um mercado de trabalho mais flexível – assim como outros que não o eram, tais como o apoio a uma “presidência executiva” na Turquia, que iria aumentar o poder de Erdogan.
O perigo é quem em termos de política pura, a Erdoganomia faz sentido. Uma economia caracterizada por baixas taxas de juro e construção rápida é uma economia em que Erdogan tem boas probabilidades de atingir o seu subentendido objetivo para 2023: refundar a Turquia como uma nação moderadamente islamista em que os conservadores religiosos tomam o lugar das grandes famílias empresariais seculares como força económica dominante. Ou seja, Erdogan torna-se um novo Ataturk, fundador de uma nova Turquia.
As baixas taxas de juro manteriam o crescimento, e este projeto, a borbulhar. Construção governamental massiva e contratos de energia permitiriam ao governo redistribuir riqueza na direção dos seus apoiantes, mesmo com as alegações de corrupção que Erdogan tem abafado. Inspeções fiscais seletivas permitiriam à nova elite da Turquia aniquilar a riqueza e poder da antiga elite. A dificuldade, claro, seria o colapso da economia por excesso de estímulos, o que poderia condenar a Turquia a permanecer uma economia de rendimento médio.
Muitas destas políticas não são novas para a Turquia. Antes da chegada de Erdogan, o país já tinha um longo historial de clientelismo (nessa altura a favor das empresas seculares e das forças armadas) assim como políticas monetárias conduzidas por interesses políticos. O resultado foi uma inflação volátil e baixas taxas de crescimento.
Simsek certamente percebe o risco de regressar a essas políticas. Ele e Davutoglu podem conseguir resistir à onda de Erdoganomia sem Babacan, e terão um clube de fãs de investidores a desejarem-lhes boa sorte. A saúde económica da Turquia no longo prazo dependerá do seu sucesso.
A Turquia acabou de reforçar o seu papel de joker na guerra civil síria, sendo um elemento com o qual ambos os lados do conflito têm de lidar.
Depois de se tornar no primeiro país da NATO a abater um avião de combate russo em mais de cinquenta anos, a Turquia dirigiu a aliança a esforçar-se para acalmar a tensão com Moscovo, enquanto o presidente Recep Tayyip Erdogan promete continuar a proteger o espaço aéreo do seu país. Esta foi uma lembrança de como as prioridades turcas na Síria, o seu vizinho do Sul, permanecem não sincronizadas com a dos outros inimigos do Estado Islâmico, enquanto a sua oposição inflexível aos separatistas curdos e ao presidente da Síria Bashar al-Assad ofusca a luta contra os terroristas.
Na quarta-feira Naz Masraff, o diretor do departamento da Europa da empresa consultora de riscos políticos Eurasia Group, escreveu:
"Os EUA e a União Europeia vão reagir com uma mistura de apoio à Turquia em público, mas pessoalmente eles terão dúvidas profundas quanto à natureza radical das ações de Erdogan. O movimento de Erdogan será provavelmente visto pela NATO como um erro de cálculo."
Tendo o segundo maior exército da NATO depois dos EUA, a Turquia afirma que se quer livrar de Assad e do Estado Islâmico, mas recusa-se a apoiar os curdos sírios para fazê-lo. Entretanto, a União Europeia promete dividir o peso de 2,2 milhões de refugiados sírios na Turquia, enquanto Erdogan pretende criar uma zona de exclusão aérea perto da fronteira onde podem ser alocados os migrantes que fogem à guerra.
Planos divergentes
A Turquia, a ponte histórica entre a Europa e o Médio Oriente, tem a fronteira mais longa com a Síria. É a chave para a resolução do conflito e também para concluir os esforços da chanceler alemã Angela Merkel de deter o fluxo migratório para a UE. No entanto, os eventos não resultaram num plano para o governo de Ankara.
A Rússia surpreendeu os EUA no final de setembro ao começar bombardeamentos na Síria, alegadamente para atacar grupos terroristas, mas também para apoiar o seu aliado Assad. A Turquia criticou a intervenção e alertou a Rússia sobre as invasões do seu espaço aéreo, enquanto a NATO disse que não tinha a intenção de coordenar a sua própria campanha aérea contra o Estado Islâmico com os russos.
Os bombistas suicidas do EI mataram mais de cem pessoas em Ankara no dia 10 de outubro, quando a Turquia centrou o seu esforço militar para reprimir o grupo separatista curdo PKK. Esta ainda é a "prioridade número um", segundo Sami Nader, o diretor do Instituto do Levante para Estudos Estratégicos em Beirute. Nadir disse:
"Se a Turquia tiver que escolher entre conter o Estado Islâmico e conter o PKK, o país vai escolher conter o PKK porque é uma ameaça direta à segurança nacional."
Putin e Erdogan
O envolvimento dos caças F-16 nesta semana para interceptar o avião russo SU-24 ocorreu um pouco mais de uma semana depois de Erdogan ter acolhido a cimeira do Grupo dos Vinte dominada pelas negociações sobre a guerra na Síria e o Estado Islâmico na sequência dos ataques terroristas de Paris. Depois da reunião com a sua contraparte turca, o presidente russo Vladimir Putin considerou-o "uma pessoa direta e aberta", embora também um "negociador difícil" que quer atingir uma solução política para a Síria.
Ambos os países estão agora a assumir posturas mais divergentes. A força aérea da Turquia intensificou a patrulha das fronteiras, enquanto o Ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov disse que suspeita que a derrubada do caça tenha sido planeada.
Será a Turquia que determinará o modo como a Síria irá emergir desta guerra, de acordo com Kamran Bokhari de Toronto, um docente de segurança nacional na Universidade Ottawa.
"A Turquia é o maior ator político no futuro da Síria," disse Bokhari. "Os EUA dependem da Turquia para manter o controlo da Síria a longo prazo. Embora a Turquia seja cética em relação ao seu papel de líder, a realidade vai fazer com que a o país desempenhe um papel muito mais importante com o passar do tempo."