quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O principal perigo para a Turquia é a “Erdoganomia”

REUTERS/Murad Sezer
Per­ceba porque é que as ideias eco­nó­micas do pri­meiro-mi­nistro Er­dogan podem ser bem mais pe­ri­gosas para a Tur­quia do que as san­ções que a Rússia acaba de impor.
No mesmo dia em que a Tur­quia abateu um avião russo na se­mana pas­sada também formou um novo go­verno. Tal facto não teve muito des­taque nos media es­tran­geiros, de­vido ao foco no choque Rússia-NATO, mas pode ser tão im­por­tante como qual­quer das san­ções eco­nó­micas que a Rússia está a impor como re­ta­li­ação pela sua perda.
O novo ga­bi­nete mi­nis­te­rial turco ajuda a res­ponder a duas ques­tões que têm es­tado em aberto desde que o par­tido de Recep Tayyip Er­dogan re­cu­perou a mai­oria ab­so­luta nas elei­ções de no­vembro. Irá Er­dogan sub­verter o sis­tema par­la­mentar da Tur­quia para co­mandar ele pró­prio a eco­nomia de $800 mil mi­lhões? E irá ele impor as suas por vezes ex­cên­tricas te­o­rias nas po­lí­ticas eco­nó­micas e mo­ne­tá­rias?
A pri­meira res­posta é: sim. A nova equipa é cons­ti­tuída prin­ci­pal­mente por ele­mentos por ele­mentos pró­ximos do pre­si­dente, em al­guns casos até de forma em­ba­ra­çosa. O novo mi­nistro para a energia e re­cursos na­tu­rais será o genro de Er­dogan, Berat Al­bayrak. A Tur­quia pla­neia in­vestir $125 mil mi­lhões no setor ener­gé­tico até 2023, por isso esse é um papel im­por­tante.
A res­posta à se­gunda questão – quem irá de­ter­minar a po­lí­tica eco­nó­mica – é mais am­bígua. O vice-pri­meiro-mi­nistro Ali Ba­bacan, que guiou a po­lí­tica eco­nó­mica da Tur­quia desde que o par­tido de Er­dogan, Par­tido da Jus­tiça e De­sen­vol­vi­mento, chegou ao poder em 2002, acaba de sair. Mehmet Simsek, que fora eco­no­mista da Mer­rill Lynch e mi­nistro das fi­nanças desde 2009, tem sido apon­tado como o su­cessor de Ba­bacan. As em­presas con­fiam em ambos, e es­peram que Simsek possa pro­vi­den­ciar o mesmo peso po­lí­tico que Ba­bacan, pois ele servia de mu­ralha contra aquilo que por vezes é cha­mado de “Er­do­ga­nomia” – as ideias pouco con­ven­ci­o­nais de Er­dogan sobre a eco­nomia.
Uma das te­o­rias de Er­dogan é que taxas de juro mais altas causam in­flação, o oposto do que os fun­da­mentos da eco­nomia (e dados em­pí­ricos) su­gerem. Ele também afirmou, em linha com as suas crenças re­li­gi­osas e pre­fe­rência pela pro­dução em vez das fi­nanças, que as taxas de juro reais de­ve­riam ser man­tidas a zero. Acusou aqueles que estão em de­sa­cordo com ele como sendo parte de uma cons­pi­ração, o cha­mado “lobby das taxas de juro”, que tenta ga­nhar di­nheiro com a su­bida das taxas.
Nem Ba­bacan nem Simsek con­cor­daram e o go­ver­nador do banco cen­tral, Erdem Basci, foi capaz de re­sistir à pressão po­lí­tica para fazer baixar as taxas de juro para ní­veis po­ten­ci­al­mente pe­ri­gosos. Basci perdeu agora um dos seus pro­te­tores, e o seu man­dato ter­mina em abril. Quem o subs­ti­tuir ao leme do banco cen­tral terá um im­pacto de­ci­sivo numa eco­nomia emer­gente que pa­rece ter per­dido di­reção.
“O de­safio é en­con­trar al­guém com as cre­den­ciais aca­dé­mias certas que seja também do agrado do pre­si­dente,” diz Emre De­livei, um eco­no­mista e con­sultor ba­seado em Is­tambul. “Se al­guém pró­ximo de Er­dogan e sem as cre­den­ciais in­di­cadas for es­co­lhido, a in­de­pen­dência do banco cen­tral está per­dida.”
Outra ca­rac­te­rís­tica da Er­do­ga­nomia é in­jetar di­nheiro na in­dús­tria da cons­trução como o motor prin­cipal de cres­ci­mento da eco­nomia. Esta é uma razão por que Er­dogan tem de­sen­vol­vido aquilo que ele uma vez chamou de pro­jetos “loucos” para trans­formar o am­bi­ente fí­sico da Tur­quia até 2023, o ani­ver­sário da re­pú­blica por Mus­tafa Kemal Ata­turk. Esses pro­jetos in­cluem uma ter­ceira ponte e au­to­es­trada sobre o Bós­foro, um ter­ceiro ae­ro­porto para Is­tambul, que teria a maior ca­pa­ci­dade para pas­sa­geiros da Eu­ropa, uma nova ci­dade e um canal para re­tirar o trá­fego ma­rí­timo do Bós­foro.
Bi­nali Yil­dirim, um dos ali­ados mais pró­ximos de Er­dogan, re­gressa à po­sição que tinha ocu­pado desde 2007 – mi­nistro dos trans­portes, do mar e das co­mu­ni­ca­ções – para di­rigir esses pro­jetos. O mi­nistro das fi­nanças Naci Agbal é um tec­no­crata ori­gi­nário do pró­prio mi­nis­tério (de ten­dência po­si­tiva) en­quanto o novo mi­nistro da eco­nomia – na re­a­li­dade mi­nistro do co­mércio – é um po­lí­tico leal a Er­dogan.
Fi­nal­mente, será uma ta­refa de Simsek e do pri­meiro-mi­nistro Ahmet Da­vu­toglu de­fender a eco­nomia de mer­cado da Tur­quia. Da­vu­toglu pla­neia estar ao co­mando “mini-mi­nis­té­rios” da eco­nomia, de acordo com a Blo­om­berg News, o que é pro­me­tedor, e um sinal de que ele en­tende o de­safio. E o pro­grama que o mesmo re­velou na pas­sada quarta-feira in­clui al­guns planos en­co­ra­ja­dores – por exemplo, a cri­ação de um mer­cado de tra­balho mais fle­xível – assim como ou­tros que não o eram, tais como o apoio a uma “pre­si­dência exe­cu­tiva” na Tur­quia, que iria au­mentar o poder de Er­dogan.
O pe­rigo é quem em termos de po­lí­tica pura, a Er­do­ga­nomia faz sen­tido. Uma eco­nomia ca­rac­te­ri­zada por baixas taxas de juro e cons­trução rá­pida é uma eco­nomia em que Er­dogan tem boas pro­ba­bi­li­dades de atingir o seu su­ben­ten­dido ob­je­tivo para 2023: re­fundar a Tur­quia como uma nação mo­de­ra­da­mente is­la­mista em que os con­ser­va­dores re­li­gi­osos tomam o lugar das grandes fa­mí­lias em­pre­sa­riais se­cu­lares como força eco­nó­mica do­mi­nante. Ou seja, Er­dogan torna-se um novo Ata­turk, fun­dador de uma nova Tur­quia.
As baixas taxas de juro man­te­riam o cres­ci­mento, e este pro­jeto, a bor­bu­lhar. Cons­trução go­ver­na­mental mas­siva e con­tratos de energia per­mi­ti­riam ao go­verno re­dis­tri­buir ri­queza na di­reção dos seus apoi­antes, mesmo com as ale­ga­ções de cor­rupção que Er­dogan tem aba­fado. Ins­pe­ções fis­cais se­le­tivas per­mi­ti­riam à nova elite da Tur­quia ani­quilar a ri­queza e poder da an­tiga elite. A di­fi­cul­dade, claro, seria o co­lapso da eco­nomia por ex­cesso de es­tí­mulos, o que po­deria con­denar a Tur­quia a per­ma­necer uma eco­nomia de ren­di­mento médio.
Muitas destas po­lí­ticas não são novas para a Tur­quia. Antes da che­gada de Er­dogan, o país já tinha um longo his­to­rial de cli­en­te­lismo (nessa al­tura a favor das em­presas se­cu­lares e das forças ar­madas) assim como po­lí­ticas mo­ne­tá­rias con­du­zidas por in­te­resses po­lí­ticos. O re­sul­tado foi uma in­flação vo­látil e baixas taxas de cres­ci­mento.
Simsek cer­ta­mente per­cebe o risco de re­gressar a essas po­lí­ticas. Ele e Da­vu­toglu podem con­se­guir re­sistir à onda de Er­do­ga­nomia sem Ba­bacan, e terão um clube de fãs de in­ves­ti­dores a de­se­jarem-lhes boa sorte. A saúde eco­nó­mica da Tur­quia no longo prazo de­pen­derá do seu su­cesso.
REUTERS/Umit Bektas
A Tur­quia acabou de re­forçar o seu papel de joker na guerra civil síria, sendo um ele­mento com o qual ambos os lados do con­flito têm de lidar.
De­pois de se tornar no pri­meiro país da NATO a abater um avião de com­bate russo em mais de cin­quenta anos, a Tur­quia di­rigiu a ali­ança a es­forçar-se para acalmar a tensão com Mos­covo, en­quanto o pre­si­dente Recep Tayyip Er­dogan pro­mete con­ti­nuar a pro­teger o es­paço aéreo do seu país. Esta foi uma lem­brança de como as pri­o­ri­dades turcas na Síria, o seu vi­zinho do Sul, per­ma­necem não sin­cro­ni­zadas com a dos ou­tros ini­migos do Es­tado Is­lâ­mico, en­quanto a sua opo­sição in­fle­xível aos se­pa­ra­tistas curdos e ao pre­si­dente da Síria Bashar al-Assad ofusca a luta contra os ter­ro­ristas.
Na quarta-feira Naz Mas­raff, o di­retor do de­par­ta­mento da Eu­ropa da em­presa con­sul­tora de riscos po­lí­ticos Eu­rasia Group, es­creveu:
"Os EUA e a União Eu­ro­peia vão re­agir com uma mis­tura de apoio à Tur­quia em pú­blico, mas pes­so­al­mente eles terão dú­vidas pro­fundas quanto à na­tu­reza ra­dical das ações de Er­dogan. O mo­vi­mento de Er­dogan será pro­va­vel­mente visto pela NATO como um erro de cál­culo."
Tendo o se­gundo maior exér­cito da NATO de­pois dos EUA, a Tur­quia afirma que se quer li­vrar de Assad e do Es­tado Is­lâ­mico, mas re­cusa-se a apoiar os curdos sí­rios para fazê-lo. En­tre­tanto, a União Eu­ro­peia pro­mete di­vidir o peso de 2,2 mi­lhões de re­fu­gi­ados sí­rios na Tur­quia, en­quanto Er­dogan pre­tende criar uma zona de ex­clusão aérea perto da fron­teira onde podem ser alo­cados os mi­grantes que fogem à guerra.

Planos divergentes

A Tur­quia, a ponte his­tó­rica entre a Eu­ropa e o Médio Ori­ente, tem a fron­teira mais longa com a Síria. É a chave para a re­so­lução do con­flito e também para con­cluir os es­forços da chan­celer alemã An­gela Merkel de deter o fluxo mi­gra­tório para a UE. No en­tanto, os eventos não re­sul­taram num plano para o go­verno de An­kara.
A Rússia sur­pre­endeu os EUA no final de se­tembro ao co­meçar bom­bar­de­a­mentos na Síria, ale­ga­da­mente para atacar grupos ter­ro­ristas, mas também para apoiar o seu aliado Assad. A Tur­quia cri­ticou a in­ter­venção e alertou a Rússia sobre as in­va­sões do seu es­paço aéreo, en­quanto a NATO disse que não tinha a in­tenção de co­or­denar a sua pró­pria cam­panha aérea contra o Es­tado Is­lâ­mico com os russos.
Os bom­bistas sui­cidas do EI ma­taram mais de cem pes­soas em An­kara no dia 10 de ou­tubro, quando a Tur­quia cen­trou o seu es­forço mi­litar para re­primir o grupo se­pa­ra­tista curdo PKK. Esta ainda é a "pri­o­ri­dade nú­mero um", se­gundo Sami Nader, o di­retor do Ins­ti­tuto do Le­vante para Es­tudos Es­tra­té­gicos em Bei­rute. Nadir disse:
"Se a Tur­quia tiver que es­co­lher entre conter o Es­tado Is­lâ­mico e conter o PKK, o país vai es­co­lher conter o PKK porque é uma ameaça di­reta à se­gu­rança na­ci­onal."

Putin e Erdogan

O en­vol­vi­mento dos caças F-16 nesta se­mana para in­ter­ceptar o avião russo SU-24 ocorreu um pouco mais de uma se­mana de­pois de Er­dogan ter aco­lhido a ci­meira do Grupo dos Vinte do­mi­nada pelas ne­go­ci­a­ções sobre a guerra na Síria e o Es­tado Is­lâ­mico na sequência dos ata­ques ter­ro­ristas de Paris. De­pois da reu­nião com a sua con­tra­parte turca, o pre­si­dente russo Vla­dimir Putin con­si­derou-o "uma pessoa di­reta e aberta", em­bora também um "ne­go­ci­ador di­fícil" que quer atingir uma so­lução po­lí­tica para a Síria.
Ambos os países estão agora a as­sumir pos­turas mais di­ver­gentes. A força aérea da Tur­quia in­ten­si­ficou a pa­trulha das fron­teiras, en­quanto o Mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros Sergei La­vrov disse que sus­peita que a der­ru­bada do caça tenha sido pla­neada.
Será a Tur­quia que de­ter­mi­nará o modo como a Síria irá emergir desta guerra, de acordo com Kamran Bokhari de To­ronto, um do­cente de se­gu­rança na­ci­onal na Uni­ver­si­dade Ot­tawa.
"A Tur­quia é o maior ator po­lí­tico no fu­turo da Síria," disse Bokhari. "Os EUA de­pendem da Tur­quia para manter o con­trolo da Síria a longo prazo. Em­bora a Tur­quia seja cé­tica em re­lação ao seu papel de líder, a re­a­li­dade vai fazer com que a o país de­sem­penhe um papel muito mais im­por­tante com o passar do tempo."

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