quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Almeida Santos. ​“Não há condições para mudar o poder político dominante em Angola"

10 Nov, 2015 - 09:47 • Dina SoaresMal leu o texto que os movimento de libertação de Angola produziram para servir de base ao Acordo de Alvor, António Almeida Santos percebeu que não iria haver paz na antiga colónia. Quarenta anos depois, o então ministro da Coordenação Interterritorial partilha a memória desse tempo numa entrevista à Renascença.
Entrevista a Almeida Santos


António Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial nos quatro primeiros governos provisórios, integrava a delegação portuguesa que assinou, com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola, o Acordo de Alvor, mas, assim que viu o documento, soube de imediato que não ia haver paz em Angola.

Quarenta anos depois, Almeida Santos continua convencido de que, se tivesse sido Portugal a estabelecer as regras do acordo de independência, Angola teria deposto as armas muito mais cedo. Hoje em dia, não vê, na sociedade angolana, alternativa real ao MPLA nem condições para acabar com o regime de partido único. Espera apenas que, com um governo de Esquerda, Portugal tenha outra autoridade para dar conselhos a Angola.


Veja também a reportagem multimédia: "A costela africana dos filhos dos retornados"


Foi um dos signatários dos Acordos de Alvor, que ditaram a independência de Angola. Quando partiu para esse processo, quais eram as suas expectativas?

Não eram grandes as expectativas. Em relação a todos os acordos de descolonização, tive um papel predominante na preparação da solução, redigindo o próprio acordo ou redigindo o essencial do acordo. Fui sempre o escriba dos acordos de descolonização. No caso de Angola, não pôde ser assim porque os movimentos de libertação puseram-se de acordo - apesar de andarem aos tiros - no sentido de serem eles a apresentarem uma proposta de acordo. Nós ficámos muito felizes, mas a proposta que veio não era muito geradora de expectativas positivas, pelo contrário. Apesar de tudo, mudámos muito a redacção, eu alterei muito o texto e acabei por redigir a versão final, mas percebi que, quando nós fossemos para casa, os tiros recomeçavam, como recomeçaram.

Portanto, a ideia de partilha de poder entre os três movimentos pareceu-lhe, desde logo, condenada ao fracasso...

Eles não se entendiam. Só se entenderam para nos imporem um texto da sua autoria. Nós alteramos o que conseguimos, mas o texto que ficou não nos dava, à partida, garantias de paz. Eu não vim de lá convencido de que ia haver paz e é claro que, pouco depois, estavam aos tiros outra vez. Aquele período a seguir foi doloroso, porque a paz ficou cada vez mais distante, morreu cada vez mais gente, os vários movimentos lutavam uns contra os outros. O MPLA, nessa altura, não tinha uma posição muito sólida, o Savimbi era um indivíduo que não merecia confiança a nenhum dos outros movimentos e a nós também não. Houve uma trégua momentânea, mas, pouco depois, começaram os tiros, cada vez com mais violência. Portanto, o texto que nós aprovámos foi um texto que valeu muito pouco, ou mesmo quase nada.

Na conjuntura internacional que se vivia, em plena guerra fria, seria possível ter sido de outra forma?

Podia ter sido de outra forma, sobretudo, se fossemos nós a organizar um texto como ponto de partida.

Só que, em Angola, já havia grandes interesses em jogo, não é verdade?

Em Angola, havia muitos partidos. De um lado, o partido do Savimbi (UNITA), que dominava um bairro grande. Por outro, o Holden Roberto (líder da FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola), que tinha o melhor exército, o mais poderoso. Nós tínhamos medo que ele pudesse dominar a situação. Eu consegui chegar à fala com ele, tive algumas reuniões com ele para o travar e, felizmente, ele não cometeu nenhum disparate. Mas iam-se matando uns aos outros, até que se chegou a uma situação em que o conflito era, sobretudo, entre o Agostinho Neto (MPLA) e o Holden Roberto. Receava-se que, se houvesse um conflito final, o Agostinho Neto perdesse, porque tinha menos gente e menos forças. Só que o Agostinho Neto conseguiu entrar em contacto com Cuba e os cubanos mandaram-lhe um belíssimo exército que, juntamente com as forças do MPLA, conseguiu vencer o ataque perpetrado pela FNLA. Os cubanos venceram e o Agostinho Neto ficou com o poder em Angola. A partir daí, a própria União Soviética ajudou muito mais do que tinha feito até aí. Foi assim que Angola se tornou independente.

Mas a paz tardou. Dezasseis anos depois, foram assinados os Acordos de Bicesse e a guerra continuou e só em 2002, com a morte de Savimbi, é que a guerra acabou...

A UNITA transformou-se apenas num pequeno exército, não tinha grandes forças para poder impor uma solução, mas criava problemas. Só quando o Savimbi foi morto é que houve uma relativa paz final.

Era preciso que um dos contendores fosse derrotado para vir a paz?

O Savimbi tinha que ser liquidado fisicamente, devido à sua capacidade de resistência e de inteligência. Não era só um guerreiro, era um indivíduo capaz de criar problemas políticos ao MPLA.

“Não é fácil substituir o MPLA”



Acha que Angola é um país que já se reconciliou consigo próprio?

Angola tem um governo que domina a situação política interna. Depois, com muito petróleo e a preços muito elevados, Angola pode brilhar economicamente e tornar-se verdadeiramente independente, também do ponto de vista económico e não apenas politicamente. Agora, debate-se com uma situação contrária porque o preço do petróleo caiu e Angola, que era muito rica, deixou de ser de um momento para o outro e tem grandes dificuldades em equilibrar as suas contas.

A actual crise económica poderá permitir que outras forças ganhem novo fôlego para combater o regime de partido único?

Não creio. Sinceramente, não creio. Acho que o MPLA ainda tem o domínio político da situação e não é fácil substituí-lo.

Como é que vê as relações entre Portugal e Angola?

Neste momento, tem havido entendimento entre o governo português e o governo angolano.

Temos assistido a momentos de grande tensão. Acha que é uma relação assim tão madura e tão amistosa?

Problemas há sempre, mas eu acho que Angola já passou o pior momento. Agora, está a recuperar e não há ainda ninguém que possa competir com as actuais autoridades angolanas para mudar o domínio do poder. Neste momento, não há condições para isso.

Do ponto de vista dos direitos humanos, Angola está longe de ser um país exemplar. Como é que está a acompanhar este caso de Luaty Beirão?

Se ele morrer, isso pode trazer problemas sérios às autoridades angolanas. Mas penso que isso não vai acontecer. Angola não tem, neste momento, um outro poder potencial a surgir.

E relativamente a esta questão, como é que Portugal se deve posicionar?

Portugal só pode dar conselhos, não pode exigir, não manda em Angola. E os conselhos, se forem bons, podem dar boas soluções. Até aqui, Portugal tem tido um governo de Direita, que não tem as melhores condições para dar conselhos a um país africano. Mas estou convencido que um governo de Esquerda terá algumas vantagens acrescidas no auxílio a prestar a Angola.

Era possível ter feito uma descolonização diferente naquela altura?

Era, claro que era. Mas não se esqueça que a descolonização foi feita ao fim de 12 anos de guerra. Eles mataram-nos a nós e nós matámo-los a eles. Isso criou inimizades terríveis.
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COMENTÁRIOS

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HRT
16 NOV, 2015 AVEIRO 14:06
"Portanto, a ideia de partilha de poder entre os três movimentos pareceu-lhe, desde logo, condenada ao fracasso... Eles não se entendiam. Só se entenderam para nos imporem um texto da sua autoria. Nós alteramos o que conseguimos, mas o texto que ficou não nos dava, à partida, garantias de paz. Eu não vim de lá convencido de que ia haver paz e é claro que, pouco depois, estavam aos tiros outra vez." Ate aparece que o Doutor Almeida Santos esta' a falar da nossa situacao politica atual. Sao tres partidos que se uniram com um unico objetivo: impedir de governar a coligacao que ganhou as eleicoes. Depois vamos ver se nao voltam a guerrear-se!
VASCO
11 NOV, 2015 SANTARÉM 23:52
O senhor Almeida Santos é mais um dos que participou num acto precipitado e de vingança bem à boa maneira da esquerda portuguesa não venha agora com lágrimas de crocodilo, para aqueles que viram por lá brancos a mal tratar os negros não desminto que houvesse casos mas parece só terem visto um lado do filme, eu estive lá entre 1970 a 72 e nada disso observei e sei que caso acontece-se os infractores seriam castigados no entanto também devem estar esquecidos de que só a guerra entre angolanos depois da independência fez mais de meio milhão de mortes e mais de uma centena de milhar de deficientes, por outro lado o mediterrâneo está a ser diariamente atravessado por milhares de africanos arriscando a vida a fugirem à morte e à fome, será culpa de Portugal, Inglaterra, França Bélgica e Holanda? Porque razão em vez de fugirem para os braços dos maus da fita como muitos nos gostam de alcunhar não fogem para os braços dos amigos russos que os armaram e mentalizaram?
CARLOS ANDRE
10 NOV, 2015 PORTO 18:00
SR MANUEL DE OLIVEIRA GOSTEI DO SEU COMENTARIO AONDE SÓ DIS VERDADES ACREDITE EU EM 1961 QUANDO FUI CASSE PELA PIDE JÁ PAI fui treinado para ir matar para angola veja aos anos que foi ainda tenho tudo gravado na minha tola diz a minha mulher que quando regressei nunca fui até hoje o mesmo Carlos e já tenho bisnetos aquilo que o SR DISSE NÃO É PALAVRIADO BARATO É A VERDADE ..NADA TENHO CONTRA OS ANGOLANOS TODOS SOFREMOS NO CORPO ESSA MALDITA GUERRA
MANUEL OLIVEIRA
10 NOV, 2015 BRAGA 16:20
A descolonização foi a possível à altura. No entanto, esta deveria ter ocorrido pelo menos 20 anos antes. Porém, tal não era possível atento o regime político de extrema direita de Portugal e o regime comunista do principal movimento o MPLA. Com a descolonização Angola perdeu os técnicos portugueses que aí estavam. No entanto, também conseguiu limpar o seu país. Muitos colonos eram racistas e culpados pelo agravamento do relacionamento com os angolanos negros. Portugal e Angola são, contudo, países irmãos, que se devem ajudar reciprocamente sem complexos e em pé de igualdade. Ambos terão a ganhar deste relacionamento são. Portugal, porém, não pode intrometer-se nos assuntos internos de Angola, como Angola deverá eliminar aquele famoso "Jornal de Angola" dirigido por um tal José Ribeiro que só serve para envenenar as relações entre os dois países. Leio diariamente esse pasquim e chego à conclusão de que esse jornaleco só prejudica o relacionamento. Atenção, pois, ao Presidente Eduardo dos Santos para pôr cobro a esse órgão oficial.
FERNANDO MBULE
10 NOV, 2015 LUANDA 13:05
Escreva aqui o seu comentário...Eu sou Angolano,e me arrependo ter nascido em Angola
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CARLOS ANDRE
10 NOV, 2015 PORTO 12:33
EU FUI para ANGOLA EM 1961 já pai andava fugido da tropa fui casse pela pide e lá fui parar falar deste SR E DE MARIO SOARES ELES não tiveram culpa do que aconteceu quem como eu lá chegou ou seja fomos os primeiros lá a chegar é que vimos o que o BRANCO fazia ao PRETO AQUILO ERA AFRICA E ao brancos só sabiam roubar os pretos os pretos eram tratados pelos brancos a baixo de cão ANGOLA era dos ANGOLANOS E não do SALAZAR E COMPANHIA.......O CULPADO DISTO TUDO FOI A SEITA DO SALAZAR E DOS BRANCOS QUE ESTAVAM CONVENCIDOS QUE ANGOLA ERA NOSSA ESTE SR ALMEIDA SANTOS E MARIO SOARES TUDO FIZERAM PARA NADA DAQUILO ACONTECER FORAM MUITOS ANOS DE GUERRA MUITAS MORTES SÓ QUEM VIVEU AQUILO É QUE PODE FALAR FUI SEMPRE CONTRA A VINDA DOS RETRONADOS QUE SÓ SABIAM EXPELORAR O PRETO E DEPOIS VIERAM PARA CÁ MAMAR O QUE ERA NOSSO eu apesar de escrever mal ainda com esta idade tenho gravado na minha tola tudo o que vi oque passei e o que fui obrigado a fazer para hoje ainda estar vivo por causa de brancos que foram para ANGOLA roubar o que não era deles e nós fomos para lá para lhe safar as costas porca de vida
O
10 NOV, 2015 TUGALENSE 11:56
Estes srs que em 1975 tiveram o poder de decidir o destino a dar às então províncias ultramarinas de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor. Deveriam de ter vergonha de falar da porcaria que deixaram feita. Pois passados estes anos olhando para o que poderiam ter sido e o que agora são estes países, dá dó. Sr. Almeida Santos não lhe pesa a consciência do mal que fez? A mim pesava e muito!
ZAHIR SIDI
10 NOV, 2015 LUANDA 11:47
Por tenha bom censo e peça reforma. Só diz disparates está senil.
JE
10 NOV, 2015 CARCAVELOS 11:43
Apesar da urgência que se impunha naquela altura à "entrega" dos territórios ultramarinos, Portugal, que liderava apesar de tudo todo este processo, tinha tido condições para ter acautelado minimamente a salvaguarda mínima de bens e dinheiro que os concidadãos portugueses lá deixaram. Foi vergonhoso que tívessemos deixado as colónias como refugiados, de forma humilhante.
JOÃO MARCELINO
10 NOV, 2015 PEDRAS SALGADAS 11:01
Almeida Santos quando fala de descolonização, até dá vontade de rir. Este senhor juntamente com Mário Soares chamavam a Timor em 1974/75, "aquela ilhota indonésia" , querendo com isto dizer que Timor não devia ser independente, ou seja, devia ser integrado na Indonésia. Foi aquilo que os indonésios fizeram.

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