28/06/2015 - 08:24
Um ano chegou para confirmar que vinham ao que diziam. Os novos líderes da jihad global são eficientes e sabem que basta continuarem activos para vencerem. Agora, é mais difícil duvidar das suas ameaças.
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Quando, a 29 de Junho de 2014, um grupo conhecido até então por diferentes siglas decidiu que passaria a chamar-se apenas Estado Islâmico e proclamou a criação de um califado, o seu porta-voz, Abu Mohammed al-Adnani, anunciou o nascimento de “uma nova era da jihad internacional”. Era o primeiro dia do Ramadão e o “califado” incluía províncias na Síria e no Iraque.
Um ano depois, os jihadistas já reclamam como parte do seu território zonas da Líbia, Iémen, Argélia, Nigéria, Afeganistão, Paquistão, Afeganistão, Egipto e Arábia Saudita. Entretanto, massacram dezenas de milhares de sírios e iraquianos, decapitados, queimados, afogados… Orquestraram ou inspiraram atentados de Paris a Sydney, da Líbia à Malásia. E somaram o apoio de grupos extremistas antes ligados à Al-Qaeda no Iémen, Afeganistão, Paquistão, no Egipto ou na Somália.
Agora, num só dia, uma semana depois do início do mês sagrado do jejum dos muçulmanos, três ataques em três continentes planeados para acontecerem em simultâneo (na tradição da Al-Qaeda) ou não, mostram até que ponto o grupo a que muitos demoraram a dar importância está decidido a “criar o caos no mundo, para assim poder expandir-se e tentar incitar uma guerra apocalíptica global”, diz ao New York Times Harleen Gambhir, do Institute for the Study of War.
Os líderes do Estado Islâmico são terroristas, criminosos, comandantes militares, governadores de cidades, directores de hospitais ou escolas; não são um bando de loucos que age por impulso. Mas tudo o que fazem se baseia na crença de que essa guerra, a que oporá os verdadeiros crentes a todos os outros, vai mesmo acontecer. Apressá-la ou não depende das circunstâncias.
Acossado dentro do seu território original, expulso de várias localidades por milícias curdas sírias, bombardeado por uma coligação anti-jihadista no Iraque, o grupo que se alimenta do choque provocado pelas suas acções sabe que tem de estar permanentemente a inovar. Nunca soma muitas derrotas sem ripostar, como fez na última semana em Kobani, no Norte da Síria. E nunca está muito tempo sem produzir uma barbaridade nova que obrigue o mundo a falar de si.
No início, a prioridade era conquistar território – quem oferece uma opção total de vida tem de ter onde receber os seus seguidores. Quando conseguiu que os Estados Unidos juntassem dezenas de países para bombardear as suas posições, passou a fazer sentido continuar a combater por território enquanto se incentivavam ataques a esses inimigos nos seus próprios países.
É a consciência de que não pode parar de chocar e a máquina de propaganda que criou para comunicar em permanência a sua mensagem na era das redes sociais que faz deste um movimento “formidável, mais eficaz do que qualquer outro grupo jihadista na história”, diz J.M. Berger, co-autor de Estado Islâmico – Estado de Terror (Vogais), numa entrevista recente ao PÚBLICO. Trata-se de “um grupo apocalíptico, fanático, e as pessoas que atrai e que nele se envolvem têm uma enorme tolerância à mensagem”, sublinha o investigador.
A seguir, têm de decidir se agem ou não em função da mensagem, se partem para a Síria, se atacam a redacção de um jornal satírico, um café onde se debate a liberdade de expressão, uma praia de um país muçulmano que tenta estabelecer-se como uma democracia depois de décadas de ditadura. Ou uma mesquita onde centenas de xiitas rezam num pequeno estado inimigo no Golfo, o Kuwait, um alvo fácil num país pouco habituado a atentados, e uma forma simples de atiçar mais ainda o conflito sectário entre sunitas e xiitas.
Infiéis e seguidores
Para este Ramadão, o primeiro pós-califado, Adnani pedira aos seguidores “um mês de calamidades para os kuffar”, os infiéis, todos os que não partilham da sua visão do mundo e do islão.
Uma das grandes diferenças entre a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, para além da preferência da primeira por ataques espectaculares que podiam levar anos a planear, é que os novos jihadistas são bem mais radicais na sua definição do que são infiéis. Não declararam só guerra aos cruzados e sionistas, querem apagar da face da terra o presente, o passado e o futuro de todos os que não cumpram exactamente o seu ideal de islão. Mesmo que isso signifique executar alguns dos seus próprios membros.
Outra, fruto da máquina de propaganda, é a capacidade de “procurar pessoas dispostas a morrer fazendo-o numa série de línguas em simultâneo”, escreve Jon B. Alterman, director do Programa para o Médio Oriente do think tankCenter for Strategic and International Studies (CSIS), de Washington. “Ao contrário da Al-Qaeda, que operava quase exclusivamente em árabe, o Estado Islâmico integra forças que falam árabe, inglês, francês, tchetcheno, russo, turco, e mais”, nota Alterman.
O novo rótulo
Para continuar a crescer e poder alcançar os seus propósitos, o Estado Islâmico precisa de estar permanente no centro mediático. Vídeos de decapitações já não servem? Queima-se um piloto jordano vivo dentro de uma jaula. Degolar crianças por não jejuarem é pouco? Executar cem curdos sírios num dia, como na quinta-feira, não interessa a muita gente? Que tal disparar uma Kalashnikov numa praia repleta de turistas europeus na Tunísia? Decapitar um homem em França?
“Entrámos numa nova era jihadista”, conclui um ano depois do aviso de Adnani, Lina Khatib, a directora do Centro para o Médio Oriente do instituto Carnegie, com sede em Beirute. Com aliados, admiradores e “células adormecidas” um pouco por todo o lado, o novo rótulo da jihad global pode atacar onde entender e assim fazer avançar os seus esforços de construção do "califado". “Tudo serve o objectivo de fortalecer o projecto do Estado Islâmico”.
O método não é novo, aterrorizar tudo e todos, em todo o lado. O que é diferente é a máquina de propaganda, que permite uma estratégia muito mais global do que a da Al-Qaeda, e a barbaridade sem limites.
Líderes e grupos
Berger lembra que os EUA sempre concentraram muitos esforços e recursos em tentar assassinar os líderes dos movimentos jihadistas. O jordano Abu Mussab al-Zarqawi, líder do grupo que deu origem ao Estado Islâmico, fundado no Iraque depois da invasão de 2003, foi morto com duas bombas de 500 toneladas. Osama bin Laden escondeu-se o tempo que pôde mas os norte-americanos conseguiram assassiná-lo, o mesmo aconteceu com sucessivos líderes da Al-Qaeda na Península Arábica.
Nos últimos tempos, Washington tem anunciado a morte de vários líderes terroristas, próximos do chefe máximo do Estado Islâmico, o iraquiano Abu Baqr al-Baghdadi. Já a meio deste mês, em dois dias sucessivos, a Casa Branca noticiou a morte de mais um chefe da Al-Qaeda no Iémen, o xeque Abu Basir Nasser al-Wuhaishi, num ataque com um drone; e um raide na Líbia contra um grupo ligado à Al-Qaeda e activo da Argélia – as autoridades líbias confirmaram que o seu líder, Mokhtar Belmokhtar, foi morto.
“Talvez não seja a melhor altura para matar [Ayman] Zawahiri”, sugere Berger. O ex-cirurgião egípcio que sucedeu a Bin Laden em 2011 é considerado fraco face aos líderes do Estado Islâmico. Quer continuar a jihad contra “o cruzado América e o seu servo, Israel, e quem os apoie”.
Zawahiri renegou Baghdadi, como Bin Laden tinha feito com Zarqawi. E de cada vez que um grupo que jurara fidelidade à Al-Qaeda fica sem líder o mais provável é que os seus membros se unam aos jihadistas do "califado", os tais que vêem inimigos em todo o lado e que, para além do paraíso, oferecem aos seguidores um estado enquanto a vida se fizer na terra.
Caos e dinamismo
Matar líderes não acaba com o jihadismo (aliás, tende a criar mártires), bombardear posições do grupo no terreno também não.
O que permitiu a emergência do Estado Islâmico foi o caos, primeiro no Iraque, depois na Síria. Enquanto esses dois países não se estabilizarem (ou transformarem noutra coisa qualquer), os jihadistas nunca perderão a sua capacidade de atracção. A expectativa é que isso aconteça antes que o "califado" se espalhe demasiado.
Para já, tudo lhes corre de feição. Apesar de perseguidos, “têm garantido a sua escala e aumentado a área e o alcance das suas operações”, numa prova de “dinamismo que é uma das chaves do seu sucesso”, escreve Alterman. “Outra é que é capaz de apresentar a sua mera sobrevivência como uma vitória contra todas as probabilidades. A cada dia que passa e o Estado Islâmico não perde, ganha.”
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