Canal de Opinião
Parece mais miopia auto-infectada do que outra coisa
Beira (Canalmoz) – Mesmo quando se configura para a rotura ou descarrilamento do processo negocial em Maputo, os temas que são eleitos como base para comentários e análises tocam tudo menos o que mais interessa neste momento.
Se, da parte do Governo e do seu partido de suporte, não admira que a escolha seja fingir que não há problemas e prosseguir com simbolismos protocolares, outra coisa seria de esperar da parte dos comunicadores sociais.
Redes sociais, jornais, rádio e televisões surgem, todos os dias, com tudo, menos o debate do que põe em perigo a paz, estabilidade e integridade territorial deste país até aqui chamado de Moçambique.
Se nas redes sociais o assunto é tocado por alguns, isso não chega a ser ou a ter aquela visibilidade e impactos que os grandes meios de comunicação social conferem.
É frustrante que os “cães de guarda da democracia e da liberdade” estejam encolhidos e sob ordens de quem não está interessado em concretizar o projecto de democratização efectiva do país.
Quando se diz que existe autocensura, o que se deve ler é que os órgãos de comunicação social públicos e alguns privados estão sendo efectivamente tomados e controlados pelo poder do dia.
O que é notícia é ignorado, e preterido em nome das mais esfarrapadas justificações.
“Incitação à violência” parece ser a palavra de eleição neste momento, que trava e impede que os órgãos de comunicação social façam o seu trabalho.
Como se pode entender e aceitar que, nos noticiários televisivos, quase não se faça menção ao último comício do presidente da Renamo na Beira?
Anunciar a possibilidade iminente de declaração de secessão ou de uma região autónoma no país não é notícia? Aqui não se trata de linha editorial, mas fuga à verdade e mau serviço ao público.
Quando uma estação televisiva gasta ou utiliza tempo precioso a mostrar a sala da Assembleia da República onde tomarão posse os deputados de um processo contestado, é notícia de primeira página.
Falar das mortes em Paris está na moda, e as nossas televisões colocam-se na vanguarda das que apresentam as manifestações de repúdio. Até aí nada de mal. Mas o Boko Haram acaba de chacinar mais de mil pessoas no Norte da Nigéria e isso não é notícia entre nós.
Na África do Sul, acontecem coisas de impacto na região, e nada é apresentado na comunicação social moçambicana. Haverá revolução agrária na RAS como houve no Zimbabwe. Isso terá efeitos internos e externos, mas é ignorado em Moçambique.
Entre nós, a tendência é ceder milhares de hectares a corporações internacionais envolvidas no agro-negócio, eminentemente de exportação.
Nos territórios urbanos, a prioridade é ceder espaços para empresas interessadas em projectos de construção de hotéis, condomínios e armazéns. O que era apresentado como razão histórica da pobreza e miséria de africanos virou a moeda de troca política. Quando se pretende manter o poder, esgrime-se o argumento da terra. Quando a intenção é aumentar fortunas pessoais, também se esgrime a terra, esquecendo a legislação atinente, que de proíbe a venda de terras. Mas claro que isso não é notícia, quando toca a gente da elite política local. Só quando é algum membro da oposição apanhado nas malhas dos vendedores de terra rural ou urbana é que surge no noticiário e com destaque.
Este “mar muito encrespado” presta-se a todo o tipo de manobras e de ginásticas.
Jornalistas de muito bom senso comportam-se como guardas do executivo, que, afinal, até paga deslocações ao estrangeiro e paga facilidades.
Obama e John Kerry não foram a Paris por ocasião da marcha de rua de repúdio ao ataque terrorista recente. Claro que o facto, em si, já é notícia internacional, pela positiva e pela negativa. Mas os seguidistas de Maputo e Beira parecem ter que esperar por ordens para que algo seja notícia.
Entre nós, é estranhamente perigoso que se vejam órgãos de comunicação de massas ignorando o que é perfeitamente visível e de impacto nacional. Alguém com superpoderes está matando a democracia e promovendo a fraude.
Quando proeminentes actores se furtam daquilo que enformaria um país forte, democrático e justo, há motivos para os cidadãos ficarem satisfeitos.
O nível de debate político, de comentários e de análise subiu no país, mas urge que se ultrapasse a “vestimenta”, e se aborde aquilo que todos sabemos que é vital.
As réstias do partido único não podem continuar amarrando pessoas como se fossem propriedade privada de tal partido.
Há que informar e educar, como algo de importância estratégica. É tão importante como o pão e o combustível.
O atraso, subdesenvolvimento, guerras intestinas, conflitos e desequilíbrios que se registam e se verificam são, em última análise, movidos por posturas cerceadoras da informação genuína.
Alguém falava de relação simbiótica, mas, infelizmente, não temos tal relação entre os poderes democráticos em Moçambique.
Pompa e circunstância pela tomada de posse dos deputados é conspurcada pela ausência de outros deputados, mas já é notícia de directo televisivo. Dizem uns que a vida no país não pode parar, e depois também dirão coisas bem diferentes. Depois, podem ser parte dos mesmos que irão organizar marchas de repúdio disto ou daquilo.
Em política, a ingenuidade paga-se, e aqueles que raptaram a transparência e instalaram a fraude como modo de vida e de procedimento geralmente colocam os seus ovos em vários ninhos. Para os “mercenários”, muitas vezes não costuma haver “helicóptero de recolha”, depois de uma acção no terreno.
Quem se presta a esconder a verdade aos seus concidadãos, deveria abraçar outra profissão e não a comunicação social.
Estamos entrando para uma situação puramente desconhecida, só porque um “pacote de ordens” determinou que não se olhasse a meios para vencer as eleições e homologá-las.
Compatriotas, a fraude não prescreve. (Noé Nhantumbo)
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