Canal de Opinião
Afinal cada um cuida dos seus problemas
Beira (Canalmoz) – A morte de doze pessoas, vítimas de um ataque perpetrado por “terroristas” islamizados está a merecer um destaque que até nem é surpreendente.
Cada vez que se regista um sequestro ou decapitação de um cidadão ocidental nas mãos de radicais islâmicos na Síria ou Iraque, isso recebe todo o tipo de atenção e tratamento VIP.
Ninguém está contra isso, e esse deve ser o caminho a seguir, sempre que alguma morte ou violência gratuita se registe em qualquer lugar do mundo.
O fundamentalismo religioso ou político constitui um perigo real para a paz e convivência pacífica de milhões de pessoas no mundo inteiro.
Um ciclo de violência sectária está-se expandindo pelo mundo, e os Governos não estão encontrando uma resposta à altura do problema.
Ambiguidade e relutância em tratar do “dossier” israelo-árabe de maneira definitiva está tendo consequências funestas e inaceitáveis, ao colocarem a civilização mundial em perigo.
Somos cidadãos de um espaço comum chamado Terra, e a vida não é possível sem coexistência e respeito escrupuloso pela cultura, língua, religião e opções políticas dos outros.
É de todo inaceitável que, quando morrem africanos às centenas, em travessias trágicas do Mediterrâneo, procurando refúgio ou estabilidade económica, pouco ou nada se diga. Os jornais e televisões de maior circulação mundial não consideram notícia consumível e que venda jornais.
Quando eclodem, quase todos os dias, conflitos sangrentos em algum país de África, isso passa despercebido, até que algum cidadão oriental ou ocidental seja capturado ou morto.
Moçambique teve dezoito meses de hostilidades militares com mortos, feridos e danos materiais de vulto. Seguindo atentamente a CNN, tive oportunidade de verificar que quase nunca houve menção a tal conflito. Mesmo a imprensa da antiga potência colonizadora de Moçambique pouco disse sobre o assunto.
Compreende-se que a exposição de um assunto tem relação directa com o grupo-alvo e que dificilmente se pode vender jornais, revistas ou ganhar audiência televisiva relatando conflitos de baixa intensidade de um país quase desconhecido pelos consumidores das capitais ocidentais. Foi uma guerra esquecida e distorcida que aconteceu e terminou sem que o mundo soubesse.
A mediatização e a solidariedade que se regista aos trágicos acontecimentos de Paris são uma resposta humana importante e acções com repercussões em vários domínios. As declarações de governantes de vários países são muito importantes. Embora se possa dizer que a reacção tem o valor, convém que ninguém se esqueça de que, sem acções proactivas, não se terá a solução dos problemas globais que afectam relações entre países e pessoas.
Enquanto os líderes mundiais se distraem em jogos de poder, com tentativas de demonstrar que são potências hegemónicas ou de importância vital para o mundo, os focos de terrorismo e extremismo não param de crescer.
A condenação e repúdio de um acto terrorista como o de Paris, por mais que seja desde Londres até Teerão, jamais substituirão as vidas ceifadas. Também é facto que não tem havido concertação de acções entre os Governos envolvidos, no sentido de se encontrar consensos quanto ao tratamento dos assuntos em disputa.
Sem um engajamento construtivo, que elimine do vocabulário entre os Estados palavras como Estado-pária, os extremistas continuarão a ter esconderijos e campos de treino.
Urge encontrar saídas airosas, inteligentes e estratégicas para o mundo inteiro.
Doutrinas de segurança nacional, considerações estratégicas de validade e utilidade duvidosas, apetência por hegemonia constituem elementos de risco para a convivência internacional.
A dualidade de critérios prevalecente e uma cultura baseada em complexos de superioridade civilizacional devem merecer atenção dos políticos e da sociedade em geral.
Nos solidarizamos incondicionalmente com as vítimas do extremismo e do terrorismo em Paris. Não esperamos nada em troca.
Mas lamentamos que, nesta era de civilização e desenvolvimento, ainda se continue a não prestar atenção aos mortos dos outros.
A discussão sobre migração e terrorismo no mundo, sobre liberdade religiosa e política, sobre clima ou qualquer conflito entre países deve ser encarada como momento importantes de avançar uma agenda mundial envolvente, consensual, sem cargas de racismo primário.
Neste momento de dor e luto em Paris, mas também no Paquistão, Síria, Iraque, RDC, Moçambique, Angola, Zimbabwe, importa que se colham e retirem as lições que servirão para aproximar pessoas e Governos, para aquilo que afinal é do interesse de todos.
Desmascarar considerações alegadamente de segurança nacional, quando se trata da migração no mundo, é atacar o alvo certo. A extrema-direita na Europa vai aproveitar o atentado de Paris para prosseguir a sua marcha pelo poder na Europa.
Esse é outro perigo à espreita. (Noé Nhantumbo)
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