Português não pode ser única língua nas instituições públicas – Linguista Gregório Firmino, da UEM, sobre a importância das línguas moçambicanas para o funcionamento do Estado
Maputo, Segunda-Feira, 23 de Novembro de 2009
Notícias
GREGÓRIO FIRMINO (GF) – Não corresponde à verdade que o linguista é aquele que percebe ou sabe falar muitas línguas. Embora o linguista possa perceber ou saber falar muitas línguas. A linguística é o estudo das línguas nos seus mais variados aspectos. É a análise das línguas. E nisso há vários aspectos que entram em linha de conta, porque analisar as línguas significa olhar para muitos aspectos. Mas assim, a grosso modo, analisar a língua pode significar por exemplo saber como a língua é estruturada, aquilo que para o cidadão comum seria a gramática; é saber quais são as funções da língua, quais são as palavras, como é que funcionam, como é que se juntam palavras para formar frases… Grosso modo, chamamos a isso estrutura da língua. Então, o linguista é habilitado a trabalhar sobre isso. Pode ser um fonólogo, o homem da sintaxe, da semântica, por aí fora. Mas analisar a língua também pode significar falar dos usos da língua, daquilo que as pessoas fazem com as línguas. Aí podemos analisar vários aspectos, que não têm a ver, necessariamente, com a história da língua, mas tem a ver com a forma como as línguas são usadas dentro da sociedade. Por exemplo, no nosso país, nós podemos analisar questões ligadas ao bilinguismo, pois somos um país onde é normal as pessoas falarem duas ou três línguas. Podemos também analisar a forma como as pessoas conhecem as línguas, como é que as línguas estão no nosso cérebro, que é o domínio da psicolinguística, que se ocupa também de questões como saber o que é preciso para o nosso cérebro fazer funcionar em nós uma língua; podemos falar de aspectos ligados à gestão de uma sociedade. Isso implica ocupar-se de questões sobre como é que as línguas se devem usar no país ou num país como o nosso, que língua posso usar quando vou falar com o Presidente da República, quando vou a uma instituição pública. Às vezes, quando dou aulas, brinco com um exemplo muito simples que é o seguinte: quando formos ao banco, vemos sempre os cestos de lixo, cheios de talões ou outros papéis. Isso é reflexo de que grande parte das pessoas que vão ao banco não consegue lidar facilmente com aqueles papéis. Se calhar aquilo tem a ver com o domínio da língua. Portanto, estes aspectos ligados à gestão da sociedade também podem ser tratados dentro da linguística. A linguística também se preocupa com a aprendizagem das línguas, como é que elas são aprendidas e como é são ensinadas. Portanto, devo realçar que a linguística não é saber falar muitas línguas, mas analisar vários fenómenos à volta das línguas.
NOT – E qual é a aplicação da linguística e dos cursos de linguística no nosso país?
GF – É vasta a aplicação da linguística. Por exemplo, quando queremos fazer a gestão da coisa pública há uma área que se chama política linguística, precisamos de alguém que tem conhecimentos suficientes sobre a área, sobre linguística, para podermos tomar decisões sobre isso. Hoje há um grande debate em Moçambique, mas que está a ser ultrapassado gradualmente, que é sobre em que língua é que nós podemos ensinar as nossas crianças. Será que todas podem ser ensinadas em português ou podemos usar outras línguas? Quais línguas? O que é que nós podemos fazer para que as pessoas sejam ensinadas em outras línguas? Precisamos de fazer gramáticas? Precisamos de fazer dicionários? Esta é uma área muito importante, em que a linguística tem um papel relevante. Nós precisamos de ensinar e pôr as pessoas a falar línguas; a linguística pode dar subsídios sobre isso. A língua, para além de ser um instrumento usado para efeitos de comunicação também é um património cultural. Por isso, nós precisamos de saber o que é que as línguas significam para nós. E a linguística pode dar subsídios sobre isso. Nós precisamos de saber como é que são as nossas manifestações culturais, aquelas que são feitas com base na língua. Estou a falar de contos, provérbios, etc. Portanto, há um campo muito vasto. Nós poderíamos ver isso pelo trabalho de algumas instituições que existem no nosso país, casos de escolas ou outras, como o ARPAC (Instituto de Investigação Sociocultural), INDE (Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação), etc.
NOT – Mas essas são áreas, digamos, óbvias de aplicação da linguística. Não haverá outras, menos visíveis, em que a linguística é importante?
GF – Digamos que estas são, sim, as áreas óbvias. Há outras menos óbvias mas igualmente importantes. Eu acho que o linguista tem alguma coisa a dizer mesmo no tratamento médico. Será que nós não podemos ter um papel a desempenhar na comunicação entre um paciente e o médico? Quantas vezes, imagino eu, deve haver aqui mal-entendidos, justamente por causa da barreira linguística? Se o médico tiver um pouco de formação em linguística se calhar efectuaria esta comunicação sem muitos problemas, já que o diagnóstico se baseia principalmente no diálogo. A linguística também faculta um conjunto de habilidades analíticas que permitem a sua aplicação mesmo em outras áreas que à partida não têm nada a ver com ela. Por exemplo, nós temos estudantes nossos que estão a trabalhar por exemplo em bancos, nas Alfândegas, etc., onde à partida não fazem o trabalho de linguística, mas usam as habilidades que aprenderam na área para fazerem o seu trabalho lá. Esses são apenas poucos dos vários exemplos que se pode dar. Nós em Moçambique não sabemos muito bem que línguas são faladas, onde e por quem. Quem pode dar estas respostas? É o linguista.
NOT – Então o problema é a falta de divulgação da importância da linguista e do linguista para esse desconhecimento sobre a aplicação desta área?
GF – Sim, o problema é mesmo a divulgação, é o desconhecimento. Como disse no princípio, muitas pessoas pensam que a linguística ocupa-se de falar muitas línguas, mas não é isso. É, acima de tudo, oferecer ferramentas para as pessoas analisarem o fenómeno linguístico partindo da língua. É basicamente isso. E a linguística serve para muita coisa. Também estamos numa época em que se valoriza muito aquilo que se poderá chamar de habilidades muito práticas. As pessoas facilmente se relacionam com um engenheiro, pelo que sabe e faz, do que com o linguista. Basicamente o linguista é um investigador. Para a gente poder ver o produto de um linguista muitas vezes leva-se anos. Para eu poder, por exemplo, descrever uma língua levo um ou dois anos. O que acontece é que as pessoas querem coisas imediatas ou outras que dão rendimentos imediatamente e os rendimentos que a linguística dá são aparentemente secundários, não são imediatos. Eu penso que não se pode medir a utilidade da linguística com questões como fizemos um investimento “x” e esperamos um rendimento “y”. Não é bem assim. E as consequências dessa forma de ver as coisas são tão amplas que não se pode quantificar. E as pessoas agora querem quantificar. O outro problema que eu sinto é que como há mal-entendidos em muitas pessoas não há acolhimento de pessoas formadas nesta área.
NOT – Mas considera que os cursos que a Universidade Eduardo Mondlane oferece nesta área têm aceitação no mercado? Estou a falar dos cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento.
GF – Sim! A avaliar pelas admissões que nós temos sim. Mas para ser sincero, há aí muitas variáveis a ter em conta. Reparem que a demanda dos nossos cursos na UEM é muito maior em relação à oferta. Por exemplo, podemos ter cerca de 20 mil candidatos para cerca de cinco mil vagas. O que acontece é que os que concorrem para os cursos de Linguística são uma mistura daqueles que realmente estão interessados na área e aqueles que estão lá por alternativa, por não terem conseguido ingressar nos cursos de primeira referência para si. Mas nos níveis mais avançados, nos de mestrado e doutoramento, noto que de facto as pessoas estão lá por vontade, porque realmente querem seguir a área. Agora, licenciatura, as pessoas que estão e vêem utilidade são algumas, casos de professores, pessoas que trabalham no INDE, ARPAC, Rádio Moçambique, etc. Os outros vão conhecendo o curso estando lá. Uns acabam gostando, acabam por apaixonar-se pela área, outros acabam se conformando em fazer porque é onde podem. Mesmo com todos esses dados, se olharmos friamente para os números, podemos assumir que temos uma grande demanda também. Por exemplo, dou uma cadeira do primeiro ano em que dividimos os estudantes em dois grupos que enchem um anfiteatro. Isso é uma prova da demanda que temos.
NOT. – Quais são os cursos que a UEM oferece na área de linguística nos níveis de pós-graduação?
GF – Temos o doutoramento em linguística e vários cursos de mestrado. Temos mestrados em linguística, em ensino da língua portuguesa como língua segunda, em governação e administração pública, em sociologia e gestão do desenvolvimento e em população e desenvolvimento. Brevemente poderão surgir mais alguns, que não posso adiantar quais são agora, porque ainda estão a ser pensados.
NOT – A UEM já lançou para o mercado de trabalho alguns graduados nesta área ou ainda estão no princípio?
GF – Já! Os cursos de mestrado em população e desenvolvimento é que já graduaram muitos, porque foi o primeiro que a faculdade abriu. Os outros começarão a ter graduados com o nível de mestrado agora, havendo outros cursos, como sociologia, ensino de língua portuguesa ou governação são cursos que acabam de começar, pelo que só a partir do próximo ano, em princípio, teremos graduados. A nível de doutoramento em princípio teremos os primeiros graduados este ano.
Gregório Firmino dialoga com a nossa Reportagem
Moçambique é um país multilingue e para o estado funcionar adoptou o português como a língua oficial. No entanto, este idioma não é de domínio de todos. Nem da maioria dos moçambicanos. Na opinião de Gregório Firmino, isso cria uma certa barreira no acesso aos bens e serviços providenciados pelo estado aos cidadãos. Para que esses benefícios não excluam aqueles que não têm o domínio da língua oficial – advoga – as instituições públicas podiam usar, para além do português, línguas bantu nacionais.
NOT – Peguemos no exemplo que deu, o das dificuldades de interpretação que as pessoas têm quando vão ao banco, por os impressos estarem escritos apenas em português, em que disse que se esses documentos estivessem escritos também noutras línguas ajudaria. A questão é: o que pensa que está a ser ou devia ser feito com as línguas moçambicanas?
GF – Como toda a gente sabe, o nosso país é multilingue. Tem vários recursos linguísticos e a sua distribuição não é uniforme, o que significa que todos os moçambicanos não conhecem todas as línguas. Então, para um estado funcionar também precisa de fazer alguma racionalização, porque não pode funcionar com todas as línguas. É por aí que os países escolhem a sua língua oficial e para o caso do nosso país a língua escolhida foi a portuguesa. Quando fazemos isso há algumas implicações, algumas delas eu considero negativas, apesar de ter também aspectos positivos. Eu penso que a noção de unidade nacional, por exemplo, fica muito reforçada quando recorremos à língua portuguesa. Só que para o pleno acesso aos bens oferecidos pelo Estado limitar esse acesso ao uso da língua portuguesa acaba criando problemas em alguns dos nossos concidadãos. Penso, por isso, que a língua portuguesa é relevante, mas de alguma forma as línguas moçambicanas ficam subalternizadas, na medida em que não permitem o acesso a algumas instituições do Estado. Sob esse ponto de vista eu penso que alguma coisa poderia ser feita, que aliás já começou a ser feita a nível da Educação. Se a língua oficial é o português e muitas crianças que vão à escola não sabem falar português associa-se a isso um conjunto de problemas. Portanto, já se está a alterar (com o ensino bilingue). Eu penso que tem que se avançar para outros sectores, sem pôr em causa a língua portuguesa. Podíamos permitir o uso em instituições públicas de outras línguas que não seja só o português. Penso que as nossas línguas bantu têm espaço também nas instituições públicas moçambicanas. Outro exemplo: eu não sei como é que é legalmente, mas se eu for julgado, o juiz pode dizer que a língua que eu devo usar em tribunal é o português. Penso que legalmente ele está protegido, porque essa é que é a língua oficial. Mas quanto é que não podem estar a ser prejudicados por não poderem usar a sua própria língua em sua própria defesa, que é um direito constitucional, ou na defesa dos seus interesses? O juiz até pode autorizar o uso da sua língua, caso esta não seja o português, mas de repente o réu quer ver a lei para defender-se, só que esta está apenas em português e essa pode continuar a ser uma barreira. Penso que estes são exemplos de situações que podem ser revistas, organizadamente, pois não seria bom criarmos uma situação de Torre de Babel.
NOT – Na sua opinião, então, podia-se usar nas instituições a língua portuguesa e a língua ou as línguas nacionais?
GF – Sim, mas temos que ver como fazer isso. Eu estou a falar em termos de princípio. Penso que em termos de aplicação é necessário estudar como operacionalizar essa possibilidade. Na minha opinião ser justa para aqueles que, com todos os direitos que nos são consagrados como cidadãos, não dominam a língua oficial. Por exemplo, a Assembleia Municipal de Maputo deliberou que o ronga pode ser usado como língua de trabalho. À partida trata-se de uma muito boa ideia. Mas isso cria outros problemas. Primeiro é preciso garantir condições para que isso aconteça. Por acaso tive dois estudantes que trabalharam sobre isso. E constataram que apesar de haver essa resolução ninguém usa a língua. Depois, Maputo é uma cidade heterogénea. Então, qual é a legitimidade de se estipular o ronga como língua de trabalho? No caso concreto da cidade capital do país, se o ronga é, outras línguas também poderiam ser línguas de trabalho. Então, nós temos que ter o cuidado de tomar decisões ponderadas, que até nem dependem do linguista, dependem mais dos políticos do que dos linguistas. O linguista apenas assessora, mas em última instância não é ele quem decide, é o político, em função da conveniência política.
NOT – Talvez não se use as nossas línguas, ao exemplo do ronga na Assembleia Municipal, porque no nosso meio social as pessoas continuam a ter uma tendência de sentir vergonha de falar as suas próprias línguas…
GF – Eu penso que esse é um problema, sim. No trabalho que um dos meus estudantes fez sobre o ronga na Assembleia Municipal, notou que durante as sessões de trabalho ninguém usa essa língua, mas nos corredores, durante os intervalos ou mesmo à saída da Assembleia, as pessoas falam a língua, não para conversar, mas para se saudarem. Estas línguas, apesar de as pessoas terem assim um olhar de esguelha, são muito importantes em termos de identidade. É uma das formas que eu uso para dizer quem eu sou. Então, muitas vezes, as interacções que as pessoas fazem baseiam-se nisso. Na Assembleia Municipal é preciso fazer alianças, fazer “lobbies” e saber quem é quem e eu penso que o ronga é usado basicamente como isso, como símbolo para saber com quem eu devo contar e com quem eu posso partilhar coisas, quem deve estar dentro do meu circuito, quem deve estar fora. Nesse aspecto a língua assume um papel muito importante, não assumindo, conforme estão as coisas, na afirmação e valorização pessoal. Porquê? Porque o português é aliado à escolarização, em que se pensa que se a pessoa não sabe português não é escolarizada e saber português é a prova de ser pessoa escolarizada.
DEVIDO a aspectos históricos, demográficos e culturais, por exemplo, a interacção entre as línguas existentes no país nem sempre foi salutar. Por exemplo, a assimilação, que foi parte da submissão cultural que os portugueses impuseram aos moçambicanos, subalternizou as línguas bantu. Com a independência chegou a pairar o receio de o português, adoptado como a língua oficial, vir a ser “engolido”, por exemplo, pelo inglês, dado Moçambique ter vizinhos anglófonos. Para o nosso entrevistado tanto este medo como a subalternização das línguas bantu, que ainda não é algo apenas do passado, não devem existir, pois “todas as línguas existentes em Moçambique, incluindo o português, são importantes”.
NOT – A introdução, ainda recente, do ensino bilingue nas escolas moçambicanas não será um primeiro passo para a promoção das línguas bantu moçambicanas e, também, para acabar com formas de pensar como a que falou anteriormente? E poderemos, a partir de acções como esta, vir a ter uma ou algumas línguas bantu como línguas oficiais no nosso país?
GF – Não me posso comprometer a dizer se isso vai acontecer ou não, porque aí há vários aspectos a ter em conta. Para mim, o que me parece importante, em função do contexto onde nós estamos, é estabelecer a melhor estratégia para obter melhores resultados. Neste caso concreto, penso que é claro que se continuássemos com a estratégia que nós tínhamos no ensino haveria muito desperdício escolar. As taxas de repetência eram muito elevadas. Parece-me que a medida tomada vai resolver a situação. Digo parece porque não sei se essas taxas se devem à questão linguística ou se há outros factores. Se calhar as pessoas reprovavam porque não tinham cadernos, ou porque os professores não eram bons. Reparem que muitas gerações foram à escola assim. Mas alguns conseguiram tornar-se estudantes geniais e hoje quadros de qualidade para o país. Então, a gente não sabe muito bem, estamos a experimentar. Em todo o caso, se esta é uma experiência para ver se o problema está ou não na língua, ela tem que ser feita. Para mim, todas as línguas que há em Moçambique são valiosas, incluindo o português. É por isso que quando se diz língua moçambicana e se exclui o português eu tenho reservas. O português é símbolo de unidade nacional e por isso ela é e deve ser uma língua nacional. Ainda podemos dizer que é uma língua nacionalizada ou em processo de nacionalização, mas é uma língua do nosso contexto linguístico. Todas as línguas na minha opinião são importantes por aquilo que podem trazer para o benefício do bem comum. Existe a ideia de que algumas línguas são mais importantes que as outras, acho que não é bem assim. Cada uma à sua maneira é importante. O português é importante em alguns contextos, mas o ronga também pode ser importante em outros contextos.
NOT – Quando vamos ao Zimbabwe, em Harare, vemos que as pessoas falam inglês e shona. E quando vamos à zona da Matabelalândia, como Bulawayo, encontramos pessoas a falarem inglês e ndebele. Mesmo em instituições públicas. Nós não conseguiríamos ter um grupo de línguas a serem usadas paralelamente ao português?
GF – Nós temos uma história diferente. O problema é que o português, aqui, em função do tipo de colonização que escolheu pôr em prática, assumiu um certo papel em termos culturais, que era diferente da colonização inglesa. Os ingleses não se preocuparam muito em assimilar as pessoas. Cada um ficava e podia viver dentro das suas tradições. O que está a acontecer entre nós é consequência disso. Se bem que eu note que o não falar é aparente, porque as pessoas falam as línguas bantu mesmo fora de casa, no seu ambiente profissional, académico, de lazer, etc. aqui mesmo, na UEM, posso ir à secretaria e encontrar os funcionários a falarem ronga. Mas comigo, mesmo sabendo que eu falo ronga, falam em português.
NOT – Em relação ao português chegou a haver o receio, expresso muitas vezes pelos portugueses, de que esta língua desapareceria em Moçambique porque o país estava cercado de vizinhos anglófonos e a língua de afirmação a nível internacional é o inglês. É possível que isso aconteça? Quando é que uma língua desaparece?
GF – Há línguas que desaparecem, que morrem. Mas não é um processo linear nem algo que acontece de um dia para o outro. É preciso que haja um conjunto de factores que conduzam a isso. Por exemplo, o latim já não existe. Mas não sei se ele morreu de facto. Isto é, sofreu transformações. O português que conhecemos hoje vem do latim. As línguas podem desaparecer num contexto similar a este. Mas pode acontecer, principalmente em línguas como o português, que haja políticas que conduzam ao seu desaparecimento. Mesmo assim, não é algo que acontece de um dia para o outro. Um exemplo: o Togo foi uma colónia alemã. Houve uma altura em que havia falantes de alemão naquele país. Mas depois passou para colónia francesa (no contexto das consequências da I Guerra Mundial). Com as políticas que os franceses aplicaram lá, o alemão foi perdendo terreno. Mas hoje ainda existem pessoas que falam alemão lá. Existem, só que estão a diminuir. Isso explica que a língua pode desaparecer, mas isso leva muito tempo…
NOT – (…) Então o português não corre o risco de desaparecer entre nós…
GF – Nós estamos a falar de um país em que 40 porcento da população dizem que fala português. É o que dizem os censos. Para fazer desaparecer o português daqui, implicaria inventar uma catástrofe. O que pode acontecer é que o português perca preponderância, em função de políticas ou planos que tenham como consequência isso. Nas Filipinas, por exemplo, durante muito tempo o espanhol foi forte, mas hoje em dia é o inglês. Há casos de línguas desaparecidas sim, como algumas que eram faladas pelos índios. Mas desapareceram porque os índios foram exterminados.
A LÍNGUA portuguesa está em processo de revisão, no que à sua grafia diz respeito. É um processo que vem seguindo caminhos sinuosos, na medida em que nem todos os utilizadores deste idioma nos três continentes em que o português é falado vêem importância neste projecto. Por exemplo, enquanto o Brasil e Portugal se digladiam por aspectos que no fundo se resumem à procura de preponderância – com declarações sarcásticas à mistura, principalmente da classe intelectual lusa –, Moçambique nem sequer se pronunciou sobre o projecto. Pelo menos oficialmente. Abordámos a questão com o linguista Firmino, que vê o Acordo Ortográfico como mais um instrumento de afirmação política do que propriamente de linguística.
NOT – Voltando ao português, o debate que está a acontecer de momento está à volta do Acordo Ortográfico. Na sua opinião a revisão e a criação de um acordo para a grafia de uma língua é algo salutar?
GF – Para mim sim, porque qualquer língua precisa de uma padronização. Se cada um escrevesse à sua maneira podia chegar um momento em que não nos entenderíamos. Tanto é que mesmo nas nossas línguas estamos a fazer isso. Penso, portanto, que isso é uma etapa necessária. Agora, a língua portuguesa já vem sendo escrita há muito tempo. Tem ortografia e tem uma certa história. Penso que os debates que surgem têm a ver com isso. Basicamente é um debate que mete dois intervenientes, Portugal e Brasil. Os outros países que falam português acabam entrando porque esta é a sua língua oficial, mas toda a gente sabe que, no fundo, o debate é entre aqueles dois. Se repararem, a forma como a questão está a ser tratada é mais uma questão política do que de linguistas. Até porque muitas vezes os intervenientes principais nem são linguistas.
NOT – Então é um acordo diplomático, de relações políticas entre estados, e não de co-existência cultural por via de uma língua que se diz comum…
GF – Acaba sendo, sim. É uma coisa que tem a ver com a relação entre estados, com aspectos diplomáticos. E é a esse nível que o assunto está girar. A diplomacia também tem essa parte de cada um querer mostrar aos outros que é alguma coisa. Isso é aplicável em relação à forma como estão a decorrer as abordagens sobre o Acordo Ortográfico. Agora, eu penso que em Moçambique, para as pessoas que se deviam ocupar deste assunto este, não é um assunto. Ainda não vi grandes discussões à volta disso. O Acordo Ortográfico não tem mexido nas pessoas como mexeu em Portugal ou no Brasil.
NOT – Mas pelo que é o texto do Acordo, pelas alterações que ele preconiza, na sua opinião ele aborda o que se devia debater e alterar na actual grafia do acordo?
GF – Eu conheço mais ou menos o Acordo Ortográfico e sei os aspectos que ele preconiza; aliás conheço este processo desde o início. O que me parece é que pelo menos alguns aspectos que eu considero essenciais não estão abordados no acordo. Vou dar um exemplo muito simples: no nosso país muita gente aprende português confrontando-se com ele na questão da escrita, na escola, à medida que vamos vendo palavras escritas. É fundamental que a ortografia não seja ambígua. Ora a ortografia portuguesa é ambígua em muitos aspectos. Por exemplo, o som “s” em português é representado de várias formas. Isso confunde, porque eu posso usar dois “s”, posso usar o “x”, posso usar o “c” com cedilha, etc. Ou o contrário, o mesmo símbolo a representar vários sons. Eu penso que isso não é bom e deveria ser abordado no âmbito do acordo. Penso que Moçambique, Angola, etc. se interessariam mais por aspectos como este. Penso que isso seria muito mais interessante que discutir se se tira o “p” de Baptista, etc. Acho que o Acordo evita aspectos essenciais que têm a ver com a situação da língua portuguesa em contextos como os nossos.
NOT – E qual é a aplicação da linguística e dos cursos de linguística no nosso país?
GF – É vasta a aplicação da linguística. Por exemplo, quando queremos fazer a gestão da coisa pública há uma área que se chama política linguística, precisamos de alguém que tem conhecimentos suficientes sobre a área, sobre linguística, para podermos tomar decisões sobre isso. Hoje há um grande debate em Moçambique, mas que está a ser ultrapassado gradualmente, que é sobre em que língua é que nós podemos ensinar as nossas crianças. Será que todas podem ser ensinadas em português ou podemos usar outras línguas? Quais línguas? O que é que nós podemos fazer para que as pessoas sejam ensinadas em outras línguas? Precisamos de fazer gramáticas? Precisamos de fazer dicionários? Esta é uma área muito importante, em que a linguística tem um papel relevante. Nós precisamos de ensinar e pôr as pessoas a falar línguas; a linguística pode dar subsídios sobre isso. A língua, para além de ser um instrumento usado para efeitos de comunicação também é um património cultural. Por isso, nós precisamos de saber o que é que as línguas significam para nós. E a linguística pode dar subsídios sobre isso. Nós precisamos de saber como é que são as nossas manifestações culturais, aquelas que são feitas com base na língua. Estou a falar de contos, provérbios, etc. Portanto, há um campo muito vasto. Nós poderíamos ver isso pelo trabalho de algumas instituições que existem no nosso país, casos de escolas ou outras, como o ARPAC (Instituto de Investigação Sociocultural), INDE (Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação), etc.
NOT – Mas essas são áreas, digamos, óbvias de aplicação da linguística. Não haverá outras, menos visíveis, em que a linguística é importante?
GF – Digamos que estas são, sim, as áreas óbvias. Há outras menos óbvias mas igualmente importantes. Eu acho que o linguista tem alguma coisa a dizer mesmo no tratamento médico. Será que nós não podemos ter um papel a desempenhar na comunicação entre um paciente e o médico? Quantas vezes, imagino eu, deve haver aqui mal-entendidos, justamente por causa da barreira linguística? Se o médico tiver um pouco de formação em linguística se calhar efectuaria esta comunicação sem muitos problemas, já que o diagnóstico se baseia principalmente no diálogo. A linguística também faculta um conjunto de habilidades analíticas que permitem a sua aplicação mesmo em outras áreas que à partida não têm nada a ver com ela. Por exemplo, nós temos estudantes nossos que estão a trabalhar por exemplo em bancos, nas Alfândegas, etc., onde à partida não fazem o trabalho de linguística, mas usam as habilidades que aprenderam na área para fazerem o seu trabalho lá. Esses são apenas poucos dos vários exemplos que se pode dar. Nós em Moçambique não sabemos muito bem que línguas são faladas, onde e por quem. Quem pode dar estas respostas? É o linguista.
NOT – Então o problema é a falta de divulgação da importância da linguista e do linguista para esse desconhecimento sobre a aplicação desta área?
GF – Sim, o problema é mesmo a divulgação, é o desconhecimento. Como disse no princípio, muitas pessoas pensam que a linguística ocupa-se de falar muitas línguas, mas não é isso. É, acima de tudo, oferecer ferramentas para as pessoas analisarem o fenómeno linguístico partindo da língua. É basicamente isso. E a linguística serve para muita coisa. Também estamos numa época em que se valoriza muito aquilo que se poderá chamar de habilidades muito práticas. As pessoas facilmente se relacionam com um engenheiro, pelo que sabe e faz, do que com o linguista. Basicamente o linguista é um investigador. Para a gente poder ver o produto de um linguista muitas vezes leva-se anos. Para eu poder, por exemplo, descrever uma língua levo um ou dois anos. O que acontece é que as pessoas querem coisas imediatas ou outras que dão rendimentos imediatamente e os rendimentos que a linguística dá são aparentemente secundários, não são imediatos. Eu penso que não se pode medir a utilidade da linguística com questões como fizemos um investimento “x” e esperamos um rendimento “y”. Não é bem assim. E as consequências dessa forma de ver as coisas são tão amplas que não se pode quantificar. E as pessoas agora querem quantificar. O outro problema que eu sinto é que como há mal-entendidos em muitas pessoas não há acolhimento de pessoas formadas nesta área.
NOT – Mas considera que os cursos que a Universidade Eduardo Mondlane oferece nesta área têm aceitação no mercado? Estou a falar dos cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento.
GF – Sim! A avaliar pelas admissões que nós temos sim. Mas para ser sincero, há aí muitas variáveis a ter em conta. Reparem que a demanda dos nossos cursos na UEM é muito maior em relação à oferta. Por exemplo, podemos ter cerca de 20 mil candidatos para cerca de cinco mil vagas. O que acontece é que os que concorrem para os cursos de Linguística são uma mistura daqueles que realmente estão interessados na área e aqueles que estão lá por alternativa, por não terem conseguido ingressar nos cursos de primeira referência para si. Mas nos níveis mais avançados, nos de mestrado e doutoramento, noto que de facto as pessoas estão lá por vontade, porque realmente querem seguir a área. Agora, licenciatura, as pessoas que estão e vêem utilidade são algumas, casos de professores, pessoas que trabalham no INDE, ARPAC, Rádio Moçambique, etc. Os outros vão conhecendo o curso estando lá. Uns acabam gostando, acabam por apaixonar-se pela área, outros acabam se conformando em fazer porque é onde podem. Mesmo com todos esses dados, se olharmos friamente para os números, podemos assumir que temos uma grande demanda também. Por exemplo, dou uma cadeira do primeiro ano em que dividimos os estudantes em dois grupos que enchem um anfiteatro. Isso é uma prova da demanda que temos.
NOT. – Quais são os cursos que a UEM oferece na área de linguística nos níveis de pós-graduação?
GF – Temos o doutoramento em linguística e vários cursos de mestrado. Temos mestrados em linguística, em ensino da língua portuguesa como língua segunda, em governação e administração pública, em sociologia e gestão do desenvolvimento e em população e desenvolvimento. Brevemente poderão surgir mais alguns, que não posso adiantar quais são agora, porque ainda estão a ser pensados.
NOT – A UEM já lançou para o mercado de trabalho alguns graduados nesta área ou ainda estão no princípio?
GF – Já! Os cursos de mestrado em população e desenvolvimento é que já graduaram muitos, porque foi o primeiro que a faculdade abriu. Os outros começarão a ter graduados com o nível de mestrado agora, havendo outros cursos, como sociologia, ensino de língua portuguesa ou governação são cursos que acabam de começar, pelo que só a partir do próximo ano, em princípio, teremos graduados. A nível de doutoramento em princípio teremos os primeiros graduados este ano.
USO (APENAS) DO PORTUGUÊS LIMITA ACESSO AOS BENEFÍCIOS
Maputo, Segunda-Feira, 23 de Novembro de 2009
Notícias NOT – Peguemos no exemplo que deu, o das dificuldades de interpretação que as pessoas têm quando vão ao banco, por os impressos estarem escritos apenas em português, em que disse que se esses documentos estivessem escritos também noutras línguas ajudaria. A questão é: o que pensa que está a ser ou devia ser feito com as línguas moçambicanas?
GF – Como toda a gente sabe, o nosso país é multilingue. Tem vários recursos linguísticos e a sua distribuição não é uniforme, o que significa que todos os moçambicanos não conhecem todas as línguas. Então, para um estado funcionar também precisa de fazer alguma racionalização, porque não pode funcionar com todas as línguas. É por aí que os países escolhem a sua língua oficial e para o caso do nosso país a língua escolhida foi a portuguesa. Quando fazemos isso há algumas implicações, algumas delas eu considero negativas, apesar de ter também aspectos positivos. Eu penso que a noção de unidade nacional, por exemplo, fica muito reforçada quando recorremos à língua portuguesa. Só que para o pleno acesso aos bens oferecidos pelo Estado limitar esse acesso ao uso da língua portuguesa acaba criando problemas em alguns dos nossos concidadãos. Penso, por isso, que a língua portuguesa é relevante, mas de alguma forma as línguas moçambicanas ficam subalternizadas, na medida em que não permitem o acesso a algumas instituições do Estado. Sob esse ponto de vista eu penso que alguma coisa poderia ser feita, que aliás já começou a ser feita a nível da Educação. Se a língua oficial é o português e muitas crianças que vão à escola não sabem falar português associa-se a isso um conjunto de problemas. Portanto, já se está a alterar (com o ensino bilingue). Eu penso que tem que se avançar para outros sectores, sem pôr em causa a língua portuguesa. Podíamos permitir o uso em instituições públicas de outras línguas que não seja só o português. Penso que as nossas línguas bantu têm espaço também nas instituições públicas moçambicanas. Outro exemplo: eu não sei como é que é legalmente, mas se eu for julgado, o juiz pode dizer que a língua que eu devo usar em tribunal é o português. Penso que legalmente ele está protegido, porque essa é que é a língua oficial. Mas quanto é que não podem estar a ser prejudicados por não poderem usar a sua própria língua em sua própria defesa, que é um direito constitucional, ou na defesa dos seus interesses? O juiz até pode autorizar o uso da sua língua, caso esta não seja o português, mas de repente o réu quer ver a lei para defender-se, só que esta está apenas em português e essa pode continuar a ser uma barreira. Penso que estes são exemplos de situações que podem ser revistas, organizadamente, pois não seria bom criarmos uma situação de Torre de Babel.
NOT – Na sua opinião, então, podia-se usar nas instituições a língua portuguesa e a língua ou as línguas nacionais?
GF – Sim, mas temos que ver como fazer isso. Eu estou a falar em termos de princípio. Penso que em termos de aplicação é necessário estudar como operacionalizar essa possibilidade. Na minha opinião ser justa para aqueles que, com todos os direitos que nos são consagrados como cidadãos, não dominam a língua oficial. Por exemplo, a Assembleia Municipal de Maputo deliberou que o ronga pode ser usado como língua de trabalho. À partida trata-se de uma muito boa ideia. Mas isso cria outros problemas. Primeiro é preciso garantir condições para que isso aconteça. Por acaso tive dois estudantes que trabalharam sobre isso. E constataram que apesar de haver essa resolução ninguém usa a língua. Depois, Maputo é uma cidade heterogénea. Então, qual é a legitimidade de se estipular o ronga como língua de trabalho? No caso concreto da cidade capital do país, se o ronga é, outras línguas também poderiam ser línguas de trabalho. Então, nós temos que ter o cuidado de tomar decisões ponderadas, que até nem dependem do linguista, dependem mais dos políticos do que dos linguistas. O linguista apenas assessora, mas em última instância não é ele quem decide, é o político, em função da conveniência política.
NOT – Talvez não se use as nossas línguas, ao exemplo do ronga na Assembleia Municipal, porque no nosso meio social as pessoas continuam a ter uma tendência de sentir vergonha de falar as suas próprias línguas…
GF – Eu penso que esse é um problema, sim. No trabalho que um dos meus estudantes fez sobre o ronga na Assembleia Municipal, notou que durante as sessões de trabalho ninguém usa essa língua, mas nos corredores, durante os intervalos ou mesmo à saída da Assembleia, as pessoas falam a língua, não para conversar, mas para se saudarem. Estas línguas, apesar de as pessoas terem assim um olhar de esguelha, são muito importantes em termos de identidade. É uma das formas que eu uso para dizer quem eu sou. Então, muitas vezes, as interacções que as pessoas fazem baseiam-se nisso. Na Assembleia Municipal é preciso fazer alianças, fazer “lobbies” e saber quem é quem e eu penso que o ronga é usado basicamente como isso, como símbolo para saber com quem eu devo contar e com quem eu posso partilhar coisas, quem deve estar dentro do meu circuito, quem deve estar fora. Nesse aspecto a língua assume um papel muito importante, não assumindo, conforme estão as coisas, na afirmação e valorização pessoal. Porquê? Porque o português é aliado à escolarização, em que se pensa que se a pessoa não sabe português não é escolarizada e saber português é a prova de ser pessoa escolarizada.
TODAS AS LÍNGUAS SÃO IMPORTANTES
Maputo, Segunda-Feira, 23 de Novembro de 2009
Notícias NOT – A introdução, ainda recente, do ensino bilingue nas escolas moçambicanas não será um primeiro passo para a promoção das línguas bantu moçambicanas e, também, para acabar com formas de pensar como a que falou anteriormente? E poderemos, a partir de acções como esta, vir a ter uma ou algumas línguas bantu como línguas oficiais no nosso país?
GF – Não me posso comprometer a dizer se isso vai acontecer ou não, porque aí há vários aspectos a ter em conta. Para mim, o que me parece importante, em função do contexto onde nós estamos, é estabelecer a melhor estratégia para obter melhores resultados. Neste caso concreto, penso que é claro que se continuássemos com a estratégia que nós tínhamos no ensino haveria muito desperdício escolar. As taxas de repetência eram muito elevadas. Parece-me que a medida tomada vai resolver a situação. Digo parece porque não sei se essas taxas se devem à questão linguística ou se há outros factores. Se calhar as pessoas reprovavam porque não tinham cadernos, ou porque os professores não eram bons. Reparem que muitas gerações foram à escola assim. Mas alguns conseguiram tornar-se estudantes geniais e hoje quadros de qualidade para o país. Então, a gente não sabe muito bem, estamos a experimentar. Em todo o caso, se esta é uma experiência para ver se o problema está ou não na língua, ela tem que ser feita. Para mim, todas as línguas que há em Moçambique são valiosas, incluindo o português. É por isso que quando se diz língua moçambicana e se exclui o português eu tenho reservas. O português é símbolo de unidade nacional e por isso ela é e deve ser uma língua nacional. Ainda podemos dizer que é uma língua nacionalizada ou em processo de nacionalização, mas é uma língua do nosso contexto linguístico. Todas as línguas na minha opinião são importantes por aquilo que podem trazer para o benefício do bem comum. Existe a ideia de que algumas línguas são mais importantes que as outras, acho que não é bem assim. Cada uma à sua maneira é importante. O português é importante em alguns contextos, mas o ronga também pode ser importante em outros contextos.
NOT – Quando vamos ao Zimbabwe, em Harare, vemos que as pessoas falam inglês e shona. E quando vamos à zona da Matabelalândia, como Bulawayo, encontramos pessoas a falarem inglês e ndebele. Mesmo em instituições públicas. Nós não conseguiríamos ter um grupo de línguas a serem usadas paralelamente ao português?
GF – Nós temos uma história diferente. O problema é que o português, aqui, em função do tipo de colonização que escolheu pôr em prática, assumiu um certo papel em termos culturais, que era diferente da colonização inglesa. Os ingleses não se preocuparam muito em assimilar as pessoas. Cada um ficava e podia viver dentro das suas tradições. O que está a acontecer entre nós é consequência disso. Se bem que eu note que o não falar é aparente, porque as pessoas falam as línguas bantu mesmo fora de casa, no seu ambiente profissional, académico, de lazer, etc. aqui mesmo, na UEM, posso ir à secretaria e encontrar os funcionários a falarem ronga. Mas comigo, mesmo sabendo que eu falo ronga, falam em português.
NOT – Em relação ao português chegou a haver o receio, expresso muitas vezes pelos portugueses, de que esta língua desapareceria em Moçambique porque o país estava cercado de vizinhos anglófonos e a língua de afirmação a nível internacional é o inglês. É possível que isso aconteça? Quando é que uma língua desaparece?
GF – Há línguas que desaparecem, que morrem. Mas não é um processo linear nem algo que acontece de um dia para o outro. É preciso que haja um conjunto de factores que conduzam a isso. Por exemplo, o latim já não existe. Mas não sei se ele morreu de facto. Isto é, sofreu transformações. O português que conhecemos hoje vem do latim. As línguas podem desaparecer num contexto similar a este. Mas pode acontecer, principalmente em línguas como o português, que haja políticas que conduzam ao seu desaparecimento. Mesmo assim, não é algo que acontece de um dia para o outro. Um exemplo: o Togo foi uma colónia alemã. Houve uma altura em que havia falantes de alemão naquele país. Mas depois passou para colónia francesa (no contexto das consequências da I Guerra Mundial). Com as políticas que os franceses aplicaram lá, o alemão foi perdendo terreno. Mas hoje ainda existem pessoas que falam alemão lá. Existem, só que estão a diminuir. Isso explica que a língua pode desaparecer, mas isso leva muito tempo…
NOT – (…) Então o português não corre o risco de desaparecer entre nós…
GF – Nós estamos a falar de um país em que 40 porcento da população dizem que fala português. É o que dizem os censos. Para fazer desaparecer o português daqui, implicaria inventar uma catástrofe. O que pode acontecer é que o português perca preponderância, em função de políticas ou planos que tenham como consequência isso. Nas Filipinas, por exemplo, durante muito tempo o espanhol foi forte, mas hoje em dia é o inglês. Há casos de línguas desaparecidas sim, como algumas que eram faladas pelos índios. Mas desapareceram porque os índios foram exterminados.
ACORDO ORTOGRÁFICO É MAIS DE POLÍTICA QUE DE LINGUÍSTICA
Maputo, Segunda-Feira, 23 de Novembro de 2009
Notícias NOT – Voltando ao português, o debate que está a acontecer de momento está à volta do Acordo Ortográfico. Na sua opinião a revisão e a criação de um acordo para a grafia de uma língua é algo salutar?
GF – Para mim sim, porque qualquer língua precisa de uma padronização. Se cada um escrevesse à sua maneira podia chegar um momento em que não nos entenderíamos. Tanto é que mesmo nas nossas línguas estamos a fazer isso. Penso, portanto, que isso é uma etapa necessária. Agora, a língua portuguesa já vem sendo escrita há muito tempo. Tem ortografia e tem uma certa história. Penso que os debates que surgem têm a ver com isso. Basicamente é um debate que mete dois intervenientes, Portugal e Brasil. Os outros países que falam português acabam entrando porque esta é a sua língua oficial, mas toda a gente sabe que, no fundo, o debate é entre aqueles dois. Se repararem, a forma como a questão está a ser tratada é mais uma questão política do que de linguistas. Até porque muitas vezes os intervenientes principais nem são linguistas.
NOT – Então é um acordo diplomático, de relações políticas entre estados, e não de co-existência cultural por via de uma língua que se diz comum…
GF – Acaba sendo, sim. É uma coisa que tem a ver com a relação entre estados, com aspectos diplomáticos. E é a esse nível que o assunto está girar. A diplomacia também tem essa parte de cada um querer mostrar aos outros que é alguma coisa. Isso é aplicável em relação à forma como estão a decorrer as abordagens sobre o Acordo Ortográfico. Agora, eu penso que em Moçambique, para as pessoas que se deviam ocupar deste assunto este, não é um assunto. Ainda não vi grandes discussões à volta disso. O Acordo Ortográfico não tem mexido nas pessoas como mexeu em Portugal ou no Brasil.
NOT – Mas pelo que é o texto do Acordo, pelas alterações que ele preconiza, na sua opinião ele aborda o que se devia debater e alterar na actual grafia do acordo?
GF – Eu conheço mais ou menos o Acordo Ortográfico e sei os aspectos que ele preconiza; aliás conheço este processo desde o início. O que me parece é que pelo menos alguns aspectos que eu considero essenciais não estão abordados no acordo. Vou dar um exemplo muito simples: no nosso país muita gente aprende português confrontando-se com ele na questão da escrita, na escola, à medida que vamos vendo palavras escritas. É fundamental que a ortografia não seja ambígua. Ora a ortografia portuguesa é ambígua em muitos aspectos. Por exemplo, o som “s” em português é representado de várias formas. Isso confunde, porque eu posso usar dois “s”, posso usar o “x”, posso usar o “c” com cedilha, etc. Ou o contrário, o mesmo símbolo a representar vários sons. Eu penso que isso não é bom e deveria ser abordado no âmbito do acordo. Penso que Moçambique, Angola, etc. se interessariam mais por aspectos como este. Penso que isso seria muito mais interessante que discutir se se tira o “p” de Baptista, etc. Acho que o Acordo evita aspectos essenciais que têm a ver com a situação da língua portuguesa em contextos como os nossos.
- Delfina Mugabe e Gil Filipe
Quem conhece Moçambique, conhecer de dormir no chão, comer mandioca, batata doce, chima com peixe seco, rato de campo, formiga branca quando voa (chuvas), e outros…
Não os que conhecem de férias, da internete, ou de ouvir falar, ou quando muito dos livros dos antropólogos ()europeus, maioria), e também agora das ONG’s…"
Ó compadre, mesmo em Maputo, por exemplo na Cristal, se peço sem olhar para a lista "quero tbone com xima e matapa" tem mesmo muidos/muidas a atender à mesa que me dizem que não tem "aí naõ tem costeleta grelhada?" digo eu "tem, mas quer mesmo xima? e com matapa?" responde o (mal)empregado/a ... "tem não tem? então trás lá, vá" aí já sorriem ... mas já não falo nem na cara que fazem as pessoas da mesa ao lado, ou mesmo na mesa em que estou ... "tu vais comer o que?" diz um... "ah, nao ligues é uma coisa que os moçambicanos gostam" responde o "parceiro local" expert nos apoios do costume ...
Concordo com seu ponto de vista sobretudo quando afirma que "Moçambique terá que decidir por uma única língua oficial ficando todas as demais como línguas culturais". Esse problema também existe na América Latina. No Brasil, os índios, nas escolas, ao lado do português aprendem a própria língua nativa (o que infelizmente não tem impedido o desaparecimento gradual de muitas línguas nativas) e na própria Europa. Na Itália os dialetos vão sumindo à medida que vão falecendo os falantes mais idosos, pois os jovens só falam o italiano oficial.
Voltando à decisão pela única língua oficial em Moçambique, a meu ver, seria mais interessante ir além das fronteiras e combinar a escolha com os países africanos mais próximos, de modo a todos falarem a mesma língua. O Swahili (ou Kiswahili) por exemplo, já é falado por boa parte dos países da Africa Oriental o que poderá favorecer a união politica entre eles.
É bem verdade que certos artigos que aqui foram publicados há algum tempo atrás relativos a assuntos tais como "portugueses a cair de paraquedas", comentários de nativos a se queixar de serem preteridos na área do trabalho em favor de estrangeiros, "injustiças" praticadas por uma notória multinacional brazuca lá para as bandas de Tete, entre vários outros, ultimamente têm sido bem menos abordados e comentados. Mas será que foram já esquecidos?
Primeiro que tudo, meus cumprimentos.
Em respeito ao seu questionamento sobre o que opinei, esclareço que aquilo que postei foi como uma "provocação", para que os intervenientes notassem que as coisas não são tão simples assim, como numa "canetada" determinar que essa ou aquela língua fará parte da escrita diária em todas as repartições do país.
Há que ponderar sobre a escolha dessa língua, e se é justo que a língua de uma etnia se sobreponha às mais de 40 línguas faladas e usadas em Moçambique.
Como ficariam os falantes de outras línguas?
É sabido que, passados quase 200 anos do império de Shaka Zulu, os moçambicanos ainda guardam certas "diferenças" a acertar entre sí, em consequênciua das divisões tribais que resultaram nos massacres de velhos, mulheres, cianças, estupros, escravizações por aquele "zulu" que do nada resolveu por vingança criar um império no sul.
A África, seja Moçambique, seja Zimbabwe, seja Angola, seja mesmo a África do Sul, é por demais complexa e DESUNIDA nas suas etnias.
Digamaos que se escolha uma língua derivada do bantu, como língua oficial e obrigatória nos papéis oficiais. E as demais variantes do mesmo bantu?
Há que ponderar, E É ISSO QUE QUIS EU ESCLARECER, que Moçambique terá que decidir por uma única língua oficial, ficando TODAS as demais como línguas culturais, e como tal obrigatoriamente ensinadas nas escolas como parte do currículo escolar, SEGUNDO A ESCOLHA DO PRÓPRIO ALUNO PELA LINGUA QUE LÇHE DIZ RESPEITO. Até aí, teóricamente tudo certo.
Todavia, Moçambique apesar das riquesas do subsolo e do solo ainda precáriamente explorado, ainda é um país MUITO POBRE. Imaginemos então como o Estado iria conciliar os parcos recursos de que dispõe, inclusive os provenientes do estrangeiro, para promover esse aprendizado linguístico heterogênio em cada escola, segundo a língua mais usada em cada recanto do país? Seriam necessários não apenas intenções e palavras, como escreve o articulista, mas sim ESTRUTURA FÍSICA, ORGANIZACIONAL, LOGÍSTICA, PEDAGÓGICA, envolvendo a contratação de milhares de professores segundo a língua que a seu cargo ensinariam, dada a região, cidade, vila, aldeia, local do país.
Se o sistema educacional como está já é falho, incipiente, inadequado, imaginemos então como ficaria.
Uma língua não codificada como "oficial" não significa necessáriamente que não seja importante culturalmente, ou que seja relegada ao esquecimento.
Todavia, para uma língua ser codificada como "oficial", deve ela ser sobreposta a TODAS AS DEMAIS, não pelo VALOR LINGUÍSTICO, em sí, mas sim pelo PODER DE AGREGAÇÃO político-econômico-social de uma NAÇÃO, e que facilite a integração dessa nação no contexto das demais nações existentes no mundo.
Imaginemos que se escolha, por exemplo, o bitonga como segunda língua oficial de Moçambique. Podendo ainda ser escolhido o Emakhuwa ou outra língua qualquer. Como pensa Vossa Senhoria, caro Senhor Miguel, que ficariam os falantes das outras línguas, inclusive as "NÃO BANTUS" do centro e norte do país? Serem obrigados a relegaram sua própria língua para se expressarem numa língua de que seus falantes até históricamente dizimaram seus antepassados? Nesse caso, o português PODE E DEVE SER VISTO COMO LINGUA NEUTRA de inserção do moçambicano no mundo comercial-tecnológico-industrial-globalizado, enquanto que NO LAR, NA FAMÍLIA, NO CÍRCULO PESSOAL a língua a ser expressada deve ser a dos pais e avós.
Daí a justificativa para a escolha única do português como língua oficial, desde que não seria viável em nenhum aspecto a nominação de TODAS AS LÍNGUAS FALADAS EM MOÇAMBIQUE SEGUNDO AS ETNIAS DESDE BANTUS A ZULUS E DERIVAÇÕES OUTRAS, pois a escolha de uma só delas não seria de justiça com todas as demais, configurando discriminação e até caracterizando desrespeito à igualdade étnico-tribal que constituiu a nação moçambicana.
Existem outras prioridades a serem resolvidas, principalmente nas escolas, que não o embaralhamento da estabilidade no tocante à linguistica do país.
Carto Senhor Miguel,
A oficialização torna a obrigatoriedade. Imagine cada repartição ter que imprimir seus despachos em 40 línguas diferentes: Teria que haver nessa repartição, nesse departamento, UM TRADUTOR POLIGLOTA do português para as 42 línguas que enumerei em comentário anterior, ou então TER NESSA REPARTIÇÃO, EXTRAORDINARIAMENTE, AFORA OS DO EXPEDIENTE NORMAL, MAIS 42 FUNCIONÁRIOS CADA QUAL FALANTE, POR ISONOMIA, DE UMA DAS 42 LÍNGUAS JÁ AGORA OFICIALIZADAS E PORTANTO OBRIGATÓRIAS NAS EMISSÕES DE PAPÉIS OFICIAIS.
Moçambique precisa é ser DESCOMPLICADA!
Coloco minha opínião apenas por vontade de manifestar meu pensamento sobre um texto, seja ele relacionado à China, Conchinchina, Foz ou Oz. Nada tenho contra o que pensam os moçambicanos.
E assim entendido, considere (como também considero) o seu pensamento privilegiado sobre o meu, desde que é o Senhor um moçambicano ciente do seu papel e da sua contribuição razoável para o seu país, sua terra.
Abraço.
Infelizmente, esta destruição da nossa cultura não foi o único crime da Frelimo.
A Frelimo é uma aberração. É um partido que só serve para ser reciclado por ser lixo tóxico.
“…Nesse raciocínio, que fosse banida a língua exótica no caso o português dos odiados colonizadores e as escolas apenas ensinassem a língua de cada região, aldeia, cada povoado.
Teríamos então as seguintes línguas a DIVIDIR o que hoje é um país: …”
________________________
Meu comentário:
Banir a língua portuguesa como língua oficial? Quem está propondo esse banimento da língua portuguesa como língua oficial? Se é uma proposta, então ela é descabida, desarrazoada e mesquinha.
Outra pergunta: As línguas locais DIVIDEM o país? Não me parece. Durante os tempos dos portugueses essas línguas eram faladas e não me parece que nessa altura fossem um motivo de DIVISÃO de Portugal. A Rádio Clube de então tinha a chamada “hora nativa”, isto é um programa radiofónico em línguas locais. O próprio Governo Colonial Português tinha no quadro do pessoal do estado a categoria profissional de “INTÉRPRETE”, justamente para o indígena poder lidar com as autoridades coloniais sem precisar de falar em Português. Será que Portugal estava se dividindo ao OFICIALMENTE fazer essa provisão do “INTÉRPRETE OFICIAL”?
Por outro lado, ainda no tempo Colonial, tínhamos as instituições religiosas que faziam um uso pleno das línguas locais nos seus actos religiosos. Mesmo a Igreja Católica Romana (com uma ligação forte ao regime colonial) ensinava o seu catecismo aos indígenas nas suas línguas locais. Existem Bíblias (completa ou partes dela) em quase todas as línguas locais moçambicanas. Será que isso DIVIDIA o país colonial?
A maioria da população moçambicana fala, canta, reza, chora, ama, sonha, zanga, ralha, elogia, etc…, nessas línguas locais. Portanto, então qual seria o pecado de ensiná-las nas escolas? Vejamos o caso da África do Sul onde as línguas locais são valorizadas: o povo sul-africano em grandes centros urbanos como Johannesburg e Pretória (Gauteng) os sul-africanos são autênticos POLIGLOTAS – em vez de se sentirem DIVIDIDOS aprenderam a falar as línguas uns dos outros, pois essas línguas são usadas PROFUSAMENTE sem complexos nenhuns.
E na Europa não está lá a Espanha com as suas variadas línguas? Catalão, Galego, Basco, Castelhano, …? E a Suíça? Não tem lá o Francês, o Alemão, o Italiano,…? Será que os espanhóis e os suíços sentem que os seus países estão DIVIDIDOS por terem várias línguas nos seus países?
Mesmo Portugal, recentemente, não OFICIALIZOU o MIRANDÊS como 2ª. LÍNGUA OFICIAL de Portugal? Será que Portugal se sente DIVIDIDO por isso? (Mirandês: desde 17 de Setembro de 1998 aprovado, pela Assembleia da República Portuguesa, como SEGUNDA LÍNGUA DE PORTUGAL).
Em suma VALORIZAR as línguas locais não significa de NENHUMA MANEIRA, desvalorizar a língua portuguesa. VALORIZAR, pelo uso, pelo ensino e pela escrita, as línguas locais não leva necessariamente ao BANIMENTO da língua Portuguesa como língua oficial de Moçambique. Valorizar as línguas locais, significa valorizar a CULTURA MOÇAMBICANA, pois a língua é o FULCRO de qualquer CULTURA de qualquer povo. Por exemplo: Podemos falar da Cultura Portuguesa excluindo a Língua Portuguesa? Da mesma maneira, podemos falar da Cultura Francesa dissociando-a da Língua Francesa? Então, como podemos falar da Cultura Moçambicana pondo de lado as suas diversas línguas locais? Valorizar as línguas locais não significa que de noite para o dia obrigaremos todo o mundo a falar macua, changana, ronga, chuabo, lomwe, chope, ndau, sena, etc. – mas podemos ajudar o ndau a falar e a escrever o seu ndau da melhor maneira possível. Até, talvez, podemos imitar o regime colonial português por restaurar a figura do “INTÉRPRETE” onde isso se julgar necessário, para que o povo comum, principalmente aqueles que não dominam plenamente o português, se sintam à vontade para se exprimir na sua língua local nos seus distritos onde predomina essa língua. Quantas vezes um jornalista deixou de entrevistar um “popular” por não se entenderem? Quantas vezes um médico não diagnosticou correctamente uma doença num “popular” porque o “popular” não falava português? Etc… etc… etc…
Que viva a Lingua Portuguesa em Mocambique!
Que vivam as Linguas Locais Mocambicanas!
Miguel (o mocambicano indigena)
Acha mesmo o linguista Gregório Firmino, docente na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) que Moçambique deveria oficializar todas as línguas, e quando emitir um documento em repartições públicas, esse documento ser redigido em todas as línguas nativas.
Nesse raciocínio, que fosse banida a língua exótica no caso o português dos odiados colonizadores e as escolas apenas ensinassem a língua de cada região, aldeia, cada povoado.
Teríamos então as seguintes línguas a DIVIDIR o que hoje é um país:
O=Oficial C= Reconhecida pelo Centro de Estudos de Línguas Moçambicanas (NELIMO)4 E=Alistada no Ethnologue 5 6
C Bitonga
C Cibalke
C Cicopi
E Cidema
E Cikunda
C Cindau
C Cinsenga
C Cinyanja
C Cinyungwe
E Ciphimbi
C Cisena
E Citawara
E Citewe
C Citshwa
C Ciyao
E Echirima
C Echuwabo
E Ekokola
C Ekoti
E Elolo
C Elomwe
E Emaindo
C Emakhuwa
E Emanyawa
E Emanyika
E Emarenje
E Emarevoni
E Emeetto
E Emoniga
E Enathembo
E Esaaka
E Etakwane
C Isizulu
E Kimakwe
C Kimwani
C Kiswahili
E Língua de sinais de Moçambique
O Português
C Shimakonde
C Siswati
C Xingoni
C Xirhonga
C Xitsonga
Cada uma dessas línguas querendo prevalecer em "status" sobre as demais! Que maravilha seria!!!!
Porque então, como solução mais fácil, não dividir o país territorialmente em tribus independentes SEGUNDO A LÍNGUA FALADA?
Os descendentes de Sochangane (Sochangane Ngungunhane) instalados no sul, precisamente Maputo, iriam adorar a criação da sua pátria una e livre!!!
(…)
“E paro por aqui para não parecer provocação... “
_______________
Meu comentário:
Quanto a mim, o Sr. R.M. Soares NÃO PROVOCOU ninguém. Fez um resumo bem feito: sucinto, claro, pertinente e bem equilibrado – falou da importância da Língua Portuguesa em Moçambique assim como não desprezou o valor sócio-etno-cultural das línguas locais.
Só não entendi bem essa questão de “presença de forasteiros indesejáveis de outros países de expressão portuguesa”: - “Presença de forasteiros indesejáveis”, por quê?
Miguel (o moçambicano indígena)
1° - Unidade nacional, com a inibição de separatismos;
2° - Maiores possibilidades de intercâmbio com os restantes países de expressão portuguesa, seja de carácter comercial que cultural.
Desvantagens:
1° - Perda do património cultural-linguístico constituído pelas línguas nativas;
2° - Presença (acredito, indesejável) de forasteiros procedentes de outros países de expressão portuguesa.
E paro por aqui para não parecer provocação...
“….
No “mato”, sertão, interior, fora das urbes, a influência da língua portuguesa já era diminuta.
Quem conhece Moçambique, conhecer de dormir no chão, comer mandioca, batata doce, chima com peixe seco, rato de campo, formiga branca quando voa (chuvas), e outros…
Não os que conhecem de férias, da internete, ou de ouvir falar, ou quando muito dos livros dos antropólogos ()europeus, maioria), e também agora das ONG’s…
Esses, que conhecem, sabem que a percentagem das Mulheres que sabem e falam (exercitam) o Português, é diminuta…
Os homens, por razões profissionais, pelos contactos que assim eram “obrigados” a manter com os Colonos, normalmente sabiam e falavam (exercitavam) o Português…
Porque a cobertura do ensino, no interior, era/foi bastante deficitária, entregue a missões, e com Professores de médio/baixo nível.
….”
______
Meu comentário:
Bem falado Sr. umBhalane. Concordo com as suas afirmações acima citadas.
Se o governo colonial português negligenciou as línguas locais moçambicanas, o governo pós-independência piorou mais a situação quando priorizou a língua portuguesa, como língua de “unidade nacional” e deixou para o acaso a situação das línguas locais. Até posso dizer que o colonialismo português nesse aspecto foi um pouco “superior”, visto que tinha por exemplo, a figura de INTÉRPRETE nas administrações, nos comissariados, nos tribunais, etc. – o que o governo pós-independência pura e simplesmente ELIMINOU quando tomou o poder. No tempo colonial, um ÍNDIGENA como eu, NÃO ERA OBRIGADO A FALAR PORTUGUÊS nas administrações, comissariados, nos tribunais, etc. – pois havia lá um INTÉRPRETE para ele. Agora no período pós-independência mesmo o ÍNDIGENA tinha que falar português (já não tem intérprete). Parece que depois da independência TODOS NÓS (incluindo até nós indígenas) VIRÁMOS ASSIMILADOS – pois no tempo colonial o preto que era obrigado pela lei colonial a falar português era o ASSIMILADO (aos não assimilados não era oficialmente exigido falar português).
Mas, felizmente, as coisas estão mudando, embora com uma LENTIDÃO desconcertante: a Rádio Moçambique, na imprensa falada, toma a dianteira no uso das línguas locais. O Ministério da Educação também LENTAMENTE e a contra-gosto (parece que “obrigado” pelas circunstâncias) – começou a introduzir o ensino bilingue (português e língua local) em certas zonas fora dos centros urbanos. É pouco, mas já é animador.
____________
Miguel (o moçambicano indígena)
Decades ago, my university Library used to get "BRADO AFRICANO, VOZ AFRICANA, AND NOTICIAS" from Mozambique. Brado Africano of then Lourenco Marques had some pages written in african languages. I still have few copies of Brado Africano and Voz Africana de Beira now.
As comunidades lusófonas formam uma rede entrosada de afectos, de objectivos políticos e de interesses e que se alimenta das liberdades das nações, das pessoas e das instituições.
Quem disse que a língua portuguesa foi "a melhor coisa que os portugueses nos deixaram" foi Amílcar Cabral, bem como outros dirigentes dos movimentos de independência, aliás ensinados em escolas cristãs baptistas anglófonas. Quem está contra a lusofonia não percebeu o mundo político da globalização; quem está a favor, está sempre a tempo de fazer qualquer coisa.
Ainda em 11 de Setembro (2006) passado Eduardo dos Santos afirmou:
“Devemos ter a coragem de assumir que a Língua Portuguesa, adoptada desde a nossa Independência como a oficial do país e que é hoje materna de mais de um terço dos cidadãos angolanos, se afirma tendencialmente como uma língua de dimensão nacional em Angola.”
E acrescentou:
“Isso não significa de maneira nenhuma, bem pelo contrário, que se deva alhear da preservação e constante valorização das diferentes Línguas Africanas de Angola, até aqui designadas de “línguas nacionais”, talvez indevidamente, pois quase nunca ultrapassam o âmbito regional e muitas das vezes se estendem para além das nossas fronteiras.”
Fernando Gil
Eu penso que tem que se avançar para outros sectores, sem pôr em causa a língua portuguesa.
O português é símbolo de unidade nacional e por isso ela é e deve ser uma língua nacional.”
A entrevista é longa, e li-a na diagonal. Mas deu para extrair as frases acima. E eu gosto de pessoas que dizem – Eu penso…pessoas afirmativas.
Mas também há áreas cinzentas na entrevista, e compreende-se bem porquê – quem conhece o regime que vigora em Moçambique, que está instaurado, percebe.
Não venho aqui defender o Português, língua, porque não é necessário – ele é falado no Brasil, Portugal, Galiza, e é língua oficial em Angola, explicitamente assumida, já. Cabo Verde também, com concorrência do seu crioulo.
Os outros, o mais que têm é correr atrás do prejuízo (como dizem os Brasileiros), se quiserem…
Porque no caso de Moçambique, a alternativa será unicamente o Inglês, e não é preciso ser “académico”, para perceber imediatamente isso!
Voltando ao Português.
No “mato”, sertão, interior, fora das urbes, a influência da língua portuguesa já era diminuta.
Quem conhece Moçambique, conhecer de dormir no chão, comer mandioca, batata doce, chima com peixe seco, rato de campo, formiga branca quando voa (chuvas), e outros…
Não os que conhecem de férias, da internete, ou de ouvir falar, ou quando muito dos livros dos antropólogos ()europeus, maioria), e também agora das ONG’s…
Esses, que conhecem, sabem que a percentagem das Mulheres que sabem e falam (exercitam) o Português, é diminuta…
Os homens, por razões profissionais, pelos contactos que assim eram “obrigados” a manter com os Colonos, normalmente sabiam e falavam (exercitavam) o Português…
Porque a cobertura do ensino, no interior, era/foi bastante deficitária, entregue a missões, e com Professores de médio/baixo nível.
E depois de 1974, a pioração da situação, piorou de vez!!! A realidade andou para trasmente, enquanto a propaganda, as estatísticas andaram para a frentemente !
Sabemos, cansamos TODOS de saber.
Agora se Moçambique fosse:
1 – Um País civilizado;
2 – Que soubesse o que quer;
3 – Como quer;
4 – Tivesse um Governo interessado em desenvolver o País;
5 – Que esse País fosse desenvolvido por, e para todos;
Acredito que não faltariam a Moçambique TODOS os apoios necessários à alavancagem do seu sistema de educação, em meios humanos qualificados, e meios materiais dignos.
E seria tão fácil!
Mas não com estes (frelimo).
É impossível.
Os professores de hoje têm entre 18, 20, 25 anos. Eles chegam a "professores"(sem ofensa), com a 10ª classe!!..de hoje,..mais 3 meses de "capacitação"!!...tás ver né?
...ou seja, isto é uma pescadinha de rabo na boca: bonzinho outrora, mauzinho agora, uma catástrofe amanhã!!...é que, o dito professor, ele próprio, não sabe!, e quem jamais soube, jamais poderá ensinar!
Um abraço
De facto, "o português não é a língua original de Moçambique".Bem, indo mais longe, Moçambique também foi uma criação dos portugueses portanto, desfaça-se!
Indo mais além, tens razão, os americanos falam uma língua que não é a deles; os Australianos idem aspas,...e os brasucas devem estar a preparar uma língua só para eles, queres ver??
O Canadá, esses bandidos, usam duas línguas e nenhuma é dos gajos!! São uns tristes afinal, armados em ricos!!
A Áustria que se cuide com a conta da utilização da "língua dos outros"!!
Isto seria o mesmo que ignorar tudo o que a ciência descobriu e fazer tudo de novo!... qual exercício de sado-masoquismo civilizacional!!
Estou mesmo a ver um impresso bancário escrito em Landim e os nortenhos todos a partir a agência bancária por mero exercício de "patriotismo"
Vai em frente e vais ver quantos países terás da noite para o dia.