Viver-se-ia, então,
uma aparente paz durante as semanas que se seguiram a expulsão de
Nkavandame pelo
Comité Executivo.
Até que a morte do
presidente veio a semear o vendaval final. Mas antes, nos fins de Janeiro de
1969, consolidada que estava a vitória da batalha iniciada em M’twara
contra Nkavandame, Gwengere e os numerosos grupos de combatentes que os
apoiavam, Mondlane estava apostado a lavar sua imagem perante seu parceiro e
camarada na
presidência.
- “Mondlane já
estava disposto a mudar tudo. Já falava de moçambicanos do Rovuma ao Maputo
olhando de facto para o mapa de Moçambique. Trabalhou discretamente para não
espantar os seus camaradas (da ala regionalista do sul e
aliados) que já estranhavam os constantes contactos do presidente com
Uria Simango.
Procurando pôr cobro
às atrocidades programadas do
Departamento de
Defesa, razão principal que enfurecia Simango e muitos, o presidente ensaia,
então, uma forma de desfazer-se da ala regionalista do sul e
afastar Machel da chefia do Departamento da Defesa substituindo-o por Raul Ribeiro,
então Comissário Político Nacional e número dois na hierarquia do Departamento
de Defesa. A medida estendia-se até ao desmantelamento da sede provisória da Frelimo
em Dar es-Salam,
passando esta a
funcionar no campo político-militar de Nachingwea com a presença física e
permanente naquele local da dupla da presidência, ficando Dar es-Salam apenas
com uma pequena representação protocolar para assuntos pontuais. Para o efeito,
e de acordo com Z. Maurício, terá sido nos finais da primeira quinzena de Janeiro
de 1969 que Mondlane procurou, para desagrado da maioria dos membros da ala
regionalista e aliados, aproximar-se do Reverendo Simango para ele
discutir as medidas que pretendia tomar”. De recordar que já antes, em 1964,
Mondlane andava insatisfeito com Marcelino dos Santos. Numa carta a Janet Mondlane
datada de Agosto daquele ano, o presidente da Frelimo manifestava o interesse em afastar Marcelino
dos Santos do cargo de secretário da organização no interior, deixando-o apenas
com o de secretário das relações exteriores. Todavia, os olhos de Mondlane,
removido que foi do cargo, Marcelino não se emendava. Em 1967, o presidente havia-se
apercebido de que o Marcelino dos Santos era profundamente pró-comunista e homem
moldado para jogar nos bastidores. A sua manutenção na chefia do Departamento
das Relações Exteriores, trazia-lhe alguns dissabores dadas as constantes viagens e contactos que o cargo lhe proporcionava.
Desse
modo, afastou-o também desse, passando o vice-presidente Uria Simango a ficar à
testa do referido departamento coadjuvado por Miguel Murupa, A decisão de se
afastar Marcelino dos Santos, como diria na altura Simango, visava reduzir o
espaço de manobras comunistas na organização.
“Mas
Simango era ele mesmo pró-comunista. Embora aceitasse o pluralismo de ideias, o
homem agia às vezes como Mao Tsé Tung. Lia muito Mao Tsé Tung, e quando fosse
para o interior, sobretudo no Niassa onde faz muito frio, usava indumentária à Mão
Tsé Tung. Punha um sobretudo por cima do fardamento e um boné característico.
Penso que
Mondlane enganou-se ao julgar apenas Marcelino como comunista. Para mim, a
diferença entre Marcelino e Simango, quanto a ideologia, era apenas que um era comunista
radical, do género de Staline, e outro, moderando”.
Mas, para
além do problema ideológico, um outro problema se levantava, preocupando
sobremaneira alguns dirigentes da Frelimo. Nos últimos anos da sua vida,
Mondlane via Marcelino dos Santos um homem que promovia nos bastidores
diplomáticos um outro tipo de mal estar. Segundo ainda testemunhas, Marcelino e
alguns do grupo dos aliados não se cansavam de propalar no estrangeiro
que ele (Marcelino) e o grupo dos moçambicanos de origem asiática e europeia
eram os que asseguravam a Frelimo, pois, os outros, eram
maioritariamente
semi-analfabetos e incompetentes. Perante os círculos diplomáticos, Marcelino
era igualmente acusado de estar a minar a imagem do presidente e do
vice-presidente por ambos não terem pertencido a escola da internacional
Comunista.
De modo
que, até a morte de Eduardo Mondlane, a situação de Marcelino dos Santos no
interior da Frelimo estava pouco indefinida. Acantonado num cosmético
Departamento Político entretanto se criara e “aparentemente” Marcelino passara
a chefiar, o homem, aborrecido com indefinição da sua situação e com as excessivas
obrigações e patéticas subordinações que novo cargo sujeitava, aborrecia-se
ainda mais sempre que lembrava situação de alguns dos seus amigos que, sob
pressão de vários membros da Frelimo, no auge dos conflitos de Maio de 1968, se
viram forçados a abandonar o território tanzaniano.
Portanto,
como se dizia acima, a partir de 3 de Janeiro de 1969 – data em que Mondlane endereça
uma carta/expulsão à Nkavandame – o par da presidência passou a colaborar de
forma estranha aos olhos de alguns membros da ala regionalista do sul e aliados.
Nos
últimos dias de Janeiro, Mondlane e Simango ausentaram-se de Dar es-Salam para
algumas capitais africanas, deixando para o regresso a remodelação que se pretendia
fazer nas esferas decisivas do movimento. Todavia, Mondlane não iria a tempo de
pôr em prática o seu plano de purga. Morreria vítima de uma bomba armadilhada
num livro nos principio de Fevereiro de 1969.
Este
facto, ditaria uma dança macabra no interior da Frelimo que importa acompanhar.
A luta
pela sobrevivência: “Kremlin” impõe os ditames da sua escola
A morte
de Mondlane ocorre um dia depois do seu regresso de uma viagem e três depois do
regresso de Uria Simango à Dar es-Salam. Ao regressar na sexta-feira dia 31 de
Janeiro, Uria Simango procura inteirar-se do desenvolvimento das coisas no terreno.
A 1 de Fevereiro, dirige-se ao escritório/sede do movimento onde, entre várias
coisas, manuseia a correspondência chegada na sua ausência e na ausência do seu
parceiro Eduardo Mondlane. De entre a correspondência estava um livro, de uma
série de cinco volumes da obra de Georgy Plekhanov, que mataria Mondlane.
Segundo
informações da polícia tanzaniana, Simango não caiu vítima desta bomba apenas
por sorte, pois, por curiosidade, desfez a sua cobertura para ver do que se
tratava. Ao reparar que se tratava de um livro escrito em Francês, (língua que
não dominava) tornou a cobri-lo e empilhou-o junto a outra correspondência
dirigida à Eduardo
Mondlane.
Na manhã da segunda-feira dia três de Fevereiro, Mondlane recebeu a sua correspondência
das mãos de uma funcionária da Frelimo e dirigiu-se Oyster Bay
onde morreria cerca das 9:00 horas na casa da americana Betty King.
Feito
todos os trâmites para exéquias fúnebres do presidente no dia 6 de Fevereiro,
Simango encabeça com dignidade toda cerimónia. No seu semblante, bem como no
dos seus companheiros, estava patente a dor pela perda dum camarada que, embora
nos
últimos anos
da sua vida colidisse em termos de procedimentos, nunca pensou na sua morte
como a solução dos problemas que o movimento enfrentava.
Na
altura, como escrevia um jornalista Francês, ninguém acusou ninguém. Os
resultados das investigações tanto da polícia tanzaniana como da Interpol e da
Soctland Yard, ilibariam Simango de qualquer envolvimento no crime. Contra
todas as expectativas, as
autoridades
tanzanianas, imediatamente detiveram para averiguações Marcelino dos
Santos e sua esposa Pamela dos Santos. Seguir-se-iam, horas
depois, as detenções de Joaquim Chissano, Raimundo Simango e Betty
King. Mas, mais tarde, a Frelimo de Machel e a de dos Santos, na procura de
espaço de sobrevivência, encetaria uma campanha denegrindo a imagem do
Reverendo Simango, indo ao ponto de menciona-lo como o suspeito
principal na morte de Mondlane. A acusação, feita em
moldes caluniosos e de forma discreta junto a algumas personalidades
políticas tanzanianas e combatentes em Nachingweia e no interior
de Moçambique, viria a estender-se a Silvério Nungu (pessoa a
quem nem se quer a polícia tanzaniana chegou a deter no
acto da investigação) e a Leo Milas, então a viver na Etiópia.
“A casa da Betty king
em Oyester Bay
era uma casa/restaurante com cerca
de doze empregados.
Era o local onde o presidente Mondlane passava seus
momentos de laser em
convívios com amigos. Curiosamente, o local que normalmente estava movimentado por
causa do restaurante, na hora da morte de Mondlane estava deserto.
Nem Betty king, nem a
maioria dos empregados estavam presentes.
Apenas estava lá o
cozinheiro que serviu um chá a Mondlane e de seguida se retirou. Sei disso
porque uma vez e outra eu ia lá levar recados. Depois da
explosão da bomba, de
todos na Frelimo, fui a única pessoa que a polícia tanzaniana levou ao local do
crime para identificar o corpo e ajudar na sua
remoção”- Raimundo Simango.
Quanto à tentativa de
ligar Simango no conluio contra Mondlane, o que é curioso, como diria mais
tarde Lutero Simango, filho do Reverendo Uria Simango, “não faz sentido
consumar o assassinato de um líder para depois não assumir o
Poder”.
De facto, não deixa
de ser caricato que um indivíduo com coragem para destronar violentamente o que
imediatamente está acima dele, e ciente de que por essa via
toma o poder almejado
(tanto é que, para o caso de Simango, todos sabiam que era o
substituto imediato
de Mondlane) não encontre coragem de matar aqueles que tentarão impedi-lo de
assumir esse poder.
Para além de que tudo
indicava que Simango não estava envolvido na morte do seu colega, os dados
posteriores indicaram, duas semanas depois, que os assassinos de
Mondlane tinham a
intenção de decepar toda a direcção da Frelimo. Com efeito, a 11 de Fevereiro,
Simango recebeu também, através dos correios de Nachingweia, uma
encomenda-bomba que
novamente não o liquidaria pelo facto de, a partir do fatídico dia 3 de
Fevereiro, todos terem passado a desconfiar e estranhar encomendas volumosas
vindas de pessoas que mal conheciam. Informadas sobre a estranha encomenda, a
17 de Fevereiro, as autoridades policiais tanzanianas desactivaram secretamente
o engenho.
Extraído do Livro “Uria Simango, Um homem, uma Causa”, da autoria de Barnabé
Lucas Ncomo.
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