Grande Entrevista com Prof. Jaime Macuane
“Detractores internos de Guebuza são incompetentes”
“A Frelimo precisa de ter um líder que entenda que os mais de 20 milhões de moçambicanos não são militantes do partido Frelimo. Que o partido só tem três milhões e qualquer coisa de membros. Há mais de 19 milhões de cidadãos que não são do partido Frelimo. E estes mais de 19 milhões precisam de encontrar respostas para as suas necessidades e precisam de se sentir cidadãos de um País independente, em que os seus filhos derramaram sangue para liberta-lo” Dr. Jaime Macuane.
O partido no poder, a Frelimo é um partido maduro o suficiente para entender que os níveis de contestação popular a que chegou, mostra que a sua forma de fazer política é desajustada ao actual contexto. As greves constantes quer de populares e de classes profissionais mostra que o Governo já não está a ser capaz de satisfazer as necessidades das pessoas.
Esta é convicção do Prof. e ex-Director do curso de Mestrado em Governação e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Jaime Macuane que aceitou conceder-nos uma longa entrevista para medirmos o pulsar sócio político do País. Macuane que é de resto, um dos mais reputados analistas políticos da praça intelectual nacional, também falou do actual nervosismo que se vive dentro do partido Frelimo para encontrar o candidato ideal às eleições presidenciais. E para aquele académico, a razão para o actual clima de mistério em torno do candidato da Frelimo é resultado da forma como Guebuza combateu as pessoas com algum capital político para fazer diferença dentro do próprio partido. Em nenhum momento nos pediu para desligar os gravadores para não registarmos declarações “polémicas” nem pediu que o enviássemos a entrevista antes de publicada. Tudo que disse registamos e reproduzimos aqui no clássico pergunta e resposta. O aconselhável mesmo é o estimado leitor investir o seu precioso tempo nesta Grande Entrevista até ao fim, que valerá a pena!
Canal de Moçambique (Canal): Dr., o ano que começa com a greve dos médicos. Fechou com a greve dos funcionários da LAM e com a greve geral nas cidades de Maputo e Matola por causa dos transportes. Se olharmos para o mandato do actual presidente há mais duas greves gerais no seu palmarés. O que se passa com o mandato de Guebuza, Dr.? Que análise política se pode fazer?
Jaime Macuane (Dr. Macuane): A minha impressão em relação a estas greves, ou fenómenos reivindicativos, é que estamos entrar num nova fase em que a organização dos interesses na esfera pública, passa a ser mais decisiva. Uma fase em que a política deixou de ser uma simples adesão de muito ideias abstractas de desenvolvimento, planos, projectos nacionais, e passa a estruturar por interesses específicos identificados. Fico com a impressão de que depois de mais de trinta anos de uma adesão tácita dos cidadãos a ideias abstractas de desenvolvimento, a ideias e objectivos colectivos abstractos, as pessoas começam a ter uma preocupação muito mais específica dos seus interesses. Elas estão a se dar conta que essas ideias gerais não conseguem abarcar aquilo que são os seus próprios interesses. E a política em si, particularmente os políticos, não estão a ter a capacidade de captar esses interesses específicos e transforma-los em projectos concretos de acção, e terem conta que a par de um interesse nacional há interesses específicos de grupo. Os cidadãos começam a se dar conta que na política passiva não conseguem encontrar essas respostas. Já é importante que eles comecem a se organizar e no meu entender estas greves todas que estão a haver, movimento reivindicativos, manifestações, é uma certa ineficiência da política e dos políticos de conseguirem captar aquilo que são os seus interesses e dar sai devida resposta.
Canal: Dr. A sua resposta leva-me a fazer seguinte pergunta: as reivindicações são mais pela ineficiência da política ou pela emancipação dos próprios cidadãos que, digamos, calha com Guebuza no poder?
Dr. Macuane: Olha, a política faz-se com pessoas, e essas pessoas relacionam-se num certo contexto. Essas pessoas têm interesses, necessidades, e cabe a política encontrar resposta. Então se as pessoas que estão envolvidas na política, e que estão revestidas de um mandato para dirigir em nome da colectividade não conseguem não conseguem captar a essência do momento, é evidente que há-de haver algum desequilíbrio. A minha impressão é que os políticos em altura de entender o nível das necessidades e interesses que existem na sociedade. Os processos normais e institucionais normais já não conseguem dar respostas as necessidades das pessoas. É por isso que há manifestações que em certo momento até chegam a sair do quadro institucional.
Canal: E porquê essas greves não aconteceram no consulado de Chissano?
Dr Macuane: Eu acho que são duas coisas. É preciso entendermos o contexto em que a Governação do presidente Chissano acontece. É o aumento da democratização, da liberalização política que está a iniciar quase com ele e que culmina com a nova constituição e depois temos as eleições de 1994. A cultura política das pessoas, no período pós independência e ética pública em si eram diferentes. Estávamos numa fase em que esse espírito colectivista era muito mais forte. As pessoas tinham aderido em massa a esta ideia de que nós temos que fazer um esforço colectivo e temos um projecto nacional e a ética dos dirigentes públicos estava em linha com isto. O presidente Chissano quando assumiu o poder, ele encontra uma esfera pública sem cultura reivindicativa, mas a isso junta-se também a sua forma de ser. O seu histórico de diplomata: mais pelo diálogo e negociação. As pessoas também amadureceram politicamente. Vemos hoje que se fajã e da redução de espaço para a crítica, mas as pessoas criticam mesmo com obstáculos. As pessoas amadureceram politicamente.
Canal: Disse que no reinado de Chissano houve uma espécie de projecto nacional em que as pessoas se concentraram e empenharam. Pergunto-lhe se agora os cidadãos olham o País com um certo projecto colectivo em que se podem empenhar e contribuir para sua prossecução positiva? Ou nem sequer existe?
Dr Macuane: Há projectos nacionais. Mas conforme nós sabemos, grande parte das estratégias de desenvolvimento que estão em curso neste momento com especial enfoque para estratégias de luta contra a pobreza, têm falhado. A par disso, penso que a esfera económica, ainda é muito restrita. Ora se as soluções não vêm das políticas públicas, dos projectos governamentais a alternativa só pode ser o mercado. Só que não só a intervenção governamental não atinge a eficácia que se espera, mas também a esfera alternativa que é o mercado não está não está democratizada o suficiente. Não tem instituições não está organizado para que as pessoas encontrem soluções por esta via. Resultado: temos uma ineficácia das estratégias governamentais, aliado a um mercado incipiente e extremamente restrito e consequentemente as pessoas não encontram respostas para os seus problemas.
Canal: Dr, quem fala de greves fala de cidadania, emancipação, o que está muitas das vezes ligado a instrução e a liberdade de pensamento. Como é que olha para o papel das instituições de ensino, principalmente superior. Há quem diga que a mesma está ao serviço do regime? Partilha dessa opinião?
Dr Macuane: Primeiro temos que ter clareza sobre o que é a comunidade científica ou academia. O que é hoje a academia? Eu acho que há um grande equívoco em relação àquilo que consideramos como academia. Um indivíduo pode ter um grau de Doutor, PhD e não ser académico. E muitas das vezes confundimos o grau de escolaridade com a essência académica. São coisas diferentes. Ser académico implica uma certa postura, uma certa prática profissional: estar envolvido em investigação, em ensino, produção cientifica e também ter uma postura profissional deontológica. O que acontece no nosso contexto é que temos muitas pessoas com curso superior e outras até a dar aulas na universidade. Mas dar aulas na universidade não faz de ninguém um académico. E são essas pessoas que estão a ser confundidas como parte de uma certa comunidade académica. Enquanto são pessoas que chegam nas faculdades dão aulas e vão-se embora. E são essas pessoas que depois aparecem na esfera pública a defenderem posições de pouca cientificidade com o rótulo de académico. Uma pessoa não pode aparecer a defender coisas sem fundamentos e ainda querer ser chamado de académico. É isso que faz com que haja ideia de que a academia está ao serviço do regime.
Canal: Agora, com esse equívoco de conceitos e parâmetros, assistimos nos dias que correm, a proliferação de universidades em todos os cantos. Estará a academia nacional preparada para emancipar o moçambicano sob todas as vertentes?
Dr Macuane: Eu acho que a academia tem ainda muitos desafios para chegar a nível desejado, devido a estas razões que aqui levantei. Se um académico parece em público a defender posicionamentos que não tem uma base científica sólida, que exemplo estará a dar aos seus estudantes. É um mau exemplo. Torna a academia ao serviço de qualquer expediente político ditado pelas conveniências pessoais. Neste sentido penso que ainda estamos muito longe. Mas é preciso ter em conta que existem círculos que existem pessoas que estão verdadeiramente comprometidas com a academia e estão a contribuir substancialmente para que possamos criar uma massa crítica neste País de forma independente e consciente estão a contribuir para uma sociedade melhor.
Canal: Dr, deixemos a academia e voltemos a política. O X Congresso da Frelimo tinha sido visto como uma oportunidade para dissipar de uma vez por todas as dúvidas em relação ao espírito de medo que alegadamente reina dentro do partido, mas teve episódios que acabaram por fazer crescer essa apreciação. É na sua opinião a Frelimo um partido aberto a auto crítica? E porquê?
Dr Macuane: Eu acho que as vésperas, durante e pós congresso foram extremamente interessantes para nós entendermos qual é o nível de participação de reflexão, e de independência política em que nós estamos. Nos todos vimos no encontro do Comité Central em que havia claramente um conjunto de posições divergentes, inclusive alguns membros seniores contestaram a ideia de poder existir um presidente do partido que não fosse Presidente da República. E havia indicações de que existe uma massa crítica que não estava alinhada com aquilo que eram as ideias da direcção do partido. Mas quando chegamos ao Congresso, tudo isso se esfumou. E parece que de repente existem consensos. Mas ao mesmo tempo, continuamos a ouvir críticas.
Parece me que alguns militantes da Frelimo não sabem bem o que eles querem
Canal: Então o que aconteceu???
Dr Macuane: Parece me que alguns militantes da Frelimo não sabem bem o que eles querem. Porque há um momento em que fazem críticas em relação a um certo estado de coisas, e há um momento em que parece eu estão todos de acordo. E o único argumento que eles têm é de que deixem a Frelimo trabalhar, porque só ela é que sabe o que é melhor para ela. Eu acho que as coisas não são bem assim. A Frelimo é o partido que neste momento dirige o País, é da sua liderança que os nossos destinos dependem. Nós temos situações como estas em que parece que haverá uma discussão profunda dos assuntos, em que os vários posicionamentos que existem, e que pelos menos cá fora de repente se esfuma, começamos a pensar que temos um sério problema de liderança pelo menos aquela eu está no intermédio abaixo de Armando Guebuza. Parece que há um défice de check-and-balance de tal modo que indivíduos que têm uma história política, quando chegam momentos de discutir assuntos do partido, não o fazem. Eu acho que o presidente Guebuza como líder e como político fez a sua parte. Mas os seus detractores internos foram incompetentes. E não tiveram a coragem suficiente, e nem tiveram a ética de respeitar a sua história política de explicitarem os posicionamentos e lutarem por eles.
Canal: A que nos leva tal situação de incompetência dos detractores internos?
Dr Macuane: Isso nos leva a uma situação de que neste momento, retirando o topo, sob ponto de vista da sua competência política de exercício da política, não temos liderança nenhuma. Temos o topo, e não temos mais ninguém. E isto é crítico sob ponto de vista da estabilidade de um País, tendo em conta que a Frelimo está no poder. Quando começamos a notar que afinal, não surge liderança alternativa ao presidente Guebuza, credível. É dentro do partido que se deveriam mostrar.
Canal: E qual é a implicação desse tipo de organização a médio e longo prazo?
Dr Macuane: A médio e longo prazo a implicação é que a sucessão vai ser instável. Se estás numa situação em que não se abre espaço para que líderes possam emergir e se fortalecer a partir da prática política, o partido Frelimo ao indicar um candidato não vai ser suficiente para que este líder possa ser sufragado, pela população. E mesmo que ele seja eleito não faz dele um líder competente para governar este país. Temos aqui um problema muito sério de preparação de liderança. Veja o caso do ANC (partido no poder na RSA). O ANC abre espaço para quem quiser concorrer para a direcção do partido concorra. Aqui as pessoas insinuam-se e quando chega o momento retiram-se. O que acontece neste momento é que retirando Guebuza só ficam gestores. O próprio primeiro-ministro neste momento, não é um líder político. É um gestor. Este vazio sob ponto de vista de liderança política, no intermédio é muito crítico para as sucessões.
Canal: Será este vazio político na intermediária que faz com que por exemplo, até hoje a Frelimo não tenha candidato e vive com medo de indica-lo publicamente?
Dr Macuane: (risos) …Certamente que deve ser por isso. Porque neste momento depois do esvaziamento de potenciais líderes que poderiam concorrer para a sucessão e a sua descapitalização política no congresso, neste momento nós não sabemos quem poderá vir a ser o próximo candidato. E falta quase um ano e meio para as próximas eleições. E governar este País, acredito que não seja algo fácil. E acho que essa forma de escolher futuras lideranças não parece que seja uma forma segura. As pessoas têm que ter oportunidade para construir o seu capital político. A esfera partidária deve dar espaço para emergir novas lideranças e ideias para exactamente resolver a questão da incapacidade de a política resolver questões do novo contexto. Quando os processos de substituição são extremamente controlados limita a veia criativa que a política deve ter.
Guebuza sempre promoveu pessoas da sua família
Canal: Como é que olha para entrada de Valentina Guebuza, filha do actual Chefe do Estado para a Comité Central da Frelimo? Qual é a leitura que faz? Que sinal quis Guebuza e seus aliados e detractores internos?
Dr Macuane: A primeira impressão que eu tive é que, há claramente uma necessidade que Guebuza sempre teve de criar algum capital político para promover as pessoas da sua família, refiro-me a sua esposa, sobre todo aquele debate do limite d sua acção, e agora vem a filha. Mas penso que a entrada da senhora Velentina Guebuza, tem acima de tudo um fundo económico. Criou-se um sector específico para assuntos económicos no partido. Eu acho que neste sentido, além claramente da continuação da estratégia do presidente Guebuza de criar dentro da sua família, pessoas com algum capital político, agrega-se também questões de ordem económica, porque no contexto actual com a restrição nas condições de mercado não é possível neste país alguém suceder economicamente sem ligações políticas. Por isso, apesar do sucesso económico que a senhor Valentina Guebuza tem ela no futuro dificilmente poderá assegura-lo, sem ter forte capital político.
Canal: Mas Dr, se do lado da filha é por questões de segurança do seu império económico, qual é a motivação no investimento do capital político da esposa?
Dr Macuane: (risos) …A esposa do presidente é uma questão do presente. A filha é uma questão do futuro. Sendo a filha a principal gestora dos negócios da família, é evidente que tem um longo futuro e numa situação em que estamos num País em que quem não está ligado a Frelimo não tem ganhos económicos é importantíssimo que ela tenha esse capital.
Canal: A pouco falávamos do PM e da ausência de capital político nele. Depois do congresso de Pemba vimos Alberto Vaquina a ser PM. Estava nas suas leituras tal ascensão?
Dr Macuane: Existem aqui dois tipos de capital político. Há um capital político partidário interno, e há aquele que se ganha na sociedade. Há pessoas que podem ter um capital político muito alto dentro do partido mas não o ter na sociedade. Eu imagino que o Dr Vaquina na sua prática, ao menos a nível local, tenha ganho algum capital por lugares onde passou. Agora o capital político nacional, na sociedade mais ampla é evidente que ele não o tem. Pode ganha-lo no posto em que está, assim como não. Vai depender do espaço político que lhe vai ser dado para construir o seu próprio capital. Porque constitucionalmente e n prática o posto de PM não constrói capital político. Pascoal Mocumbi ficou por quase oito anos. Tudo depende do espaço dado pelo Presidente da República.
Canal: Há vozes que defendem que a recondução de Guebuza e o actual Secretário-Geral da Frelimo sem adversários e com muitos votos é uma espécie de conformismo que se instalou dentro do partido por parte de pessoas que podiam, se calhar concorrer com essas pessoas. Se bem que a pouco falávamos do vazio intermédio. Concorda?
Dr Macuane: Eu acho que há pessoas na Frelimo a este nível intermédio e com capital histórico que por alguma razão, abdicaram do seu papel de continuar com essa ideia de que dentro da Frelimo há checks and balance. Eu não estou convencido que o nível de consenso que foi transmitido e que muitos analistas escrevem a respeito disso, só funciona quando você não lê nem fala com as pessoas que estão dentro do próprio partido Frelimo. Eu não acredito que haja esse nível de consenso. Não acredito. Assumindo que as minhas crenças são plausíveis, quer dizer que alguma coisa falhou no nível intermédio e nível dos históricos e lideranças mais recentes. Esta abdicação do exercício de do seu poder institucional é que faz com que apareçam duas candidaturas que de forma quase unânime acabam sendo eleitas.
Há compromissos (ocultos) na forma como Guebuza é unanimemente reconduzido
Canal: Desde a ascensão de Guebuza ao poder, entrou na ordem do dia a debate das alas que para algumas vozes ficou nítida em Muxara. Acha que essa questão tem tido repercussão a nível de distribuição de poder e de relacionamento dentro do próprio partido?
Dr Macuane: Isto requer uma análise muito mais profunda sobre quem são essas alas. E eu acho que não tenho informação suficiente para essa análise. Mas a impressão que eu tenho em relação a isso, é que a despeito de se falar de uma certa concentração de poder nas mos do presidente Guebuza acho que olhando para história da Frelimo e daquilo que dizia antes não é possível encontrar-se esses tipos de consenso sem haver compromissos. Não estou a crer que o presidente Guebuza possa ter esse apoio sem que haja compromisso. Há alguma forma de acomodação.
Canal: A “queda” de figuras como Luísa Diogo da Comissão Política Frelimo é vista como parte de uma limpeza a ala “Chissaniana” numa altura em que era apontada como possível sucessora na presidência da Frelimo e por via disso candidata a PR. Como é que viu esse fenómeno, que era vista como uma figura capaz de ombrear com membros da actual liderança?
Dr Macuane: É um pouco daquilo que dissemos a pouco. A nossa política neste momento, ela tem uma dinâmica que embora tenha suas raízes históricas que desestimula a autopromoção de indivíduos ela acaba estando desenquadrada daquilo que é a dinâmica actual. Penso que existe a crença errada que alguns anos atrás fazia sentido que qualquer candidato que a Frelimo possa colocar as eleições já estavam ganhas. Acho que ainda existe essa crença. Mas isto é um risco muito grande. Isto funcionou até aqui. Não estou certo que funcionar por mais tempo. Devido a essa cultura política dentro da Frelimo, de que os indivíduos não podem mostrar ambições políticas. A ambição é vista como negativa enquanto do meu ponto de vista é importante que as pessoas exponham o seu capital, faz com que qualquer indivíduo que apareça fora dos interesses estratégicos das lideranças do momento seja vistos de forma negativa. Foram vistos como pessoas que terem quebrado uma espécie de código de conduta interno… (risos). E porque tem isso tem uma espécie de laços históricos mais ou menos rígidos Luísa Diogo sofreu pagou por isso, o que é muito mau. Ma também cometeu o erro de não se ter preparado o suficiente e arranjado apoio para no momento da verdade encontrar pessoas que aceitassem o seu projecto político. Foi uma grande ingenuidade para não dizer incompetência política.
Canal: Não se pode falar de Luísa Diogo sem falar de outras duas ilustres figuras. Há quem diga que figuras como Eneias Comiche e Eduardo Mulémbwè (os chamados sobreviventes do Congresso) podem jogar papel importante na luta pelo poder dentro do partido. Concorda?
Dr Macuane: Pareceu-me ser o tal arranjo de compromisso de que falei. O tal consenso não foi um consenso do tipo cheque em branco. É um consenso construído na base de compromissos. Mesmo que o presidente tenha tido um capital político pelo papel eu exerceu na revitalização da máquina, partidária não há como Guebuza Governar sem esses arranjos. Mesmo que Guebuza tenha sido o principal maestro do X Congresso esta vitória se fez na base de muito compromisso de pesos e contra pesos onde enquadro essas duas figuras.
Canal: vozes que vaticinam que Guebuza fará de tudo para não perder o controlo do poder dentro da Frelimo e chegam mesmo a aventar a hipótese de Guebuza ficar com o partido e lançar um candidato da sua confiança para disputaras eleições. Qual é sua opinião neste particular?
Dr Macuane: Olha, o poder conquista-se, ninguém dá o poder de bandeja. Quando se conquista deve ser exercido. O Presidente Guebuza encontrou um partido enfraquecido. Revitalizou e hoje é máquina que está ai. É o mérito da liderança dele. E chega ao X Congresso fortalecido, mesmo apesar das vozes discordantes. Fez com que parte substancial dos seus aliados se fizessem eleger aos órgãos do partido. Acha mesmo que ele vai deixar esse poder em mos alheias? Eu tenho sérias dúvidas.
Canal: Há coisa que muitos gostariam que acontecessem na Frelimo. Mas a Frelimo tem a sua própria dinâmica de grupo que é lhe é muito peculiar. Nessa ordem de ideias qual é a personalidade que pela lógica das dinâmicas internas da Frelimo será o candidato?
Dr Macuane: As vezes, caímos na tentação de fazer exercícios de futurologias. Eu não entrar nisso. Conforme eu disse antes, neste momento é muito complicado nós antevermos qual vai ser o candidato do partido Frelimo porque justamente esta parte intermédia está esvaziada. Agora eu acho que existem alguns elementos que são de extrema importância e que já há alguns sinais. Temos a questão regional, questão económica: o próximo presidente se não for ele pelos a sua equipa deve estar em condições de liderar um País com grandes perspectivas económicas, não sob ponto de vista nacional apenas, mas sob ponto de vista das elites políticas deste País. Tem que ser uma figura capaz de garantir os interesses económicos nacionais e das elites políticas. Tem que ser também alguém com a capacidade de uma liderança cada vez mais inclusiva. Porque apesar de se estar a dizer que há uma falta de diálogo a Frelimo é um partido maduro suficiente para entender que aos níveis de contestação, a que chegou, a sua forma de fazer política neste momento é desajustada. Precisa-se de um político que tenha a capacidade de negociar, capaz de incluir cada vez mais grupos. E precisa-se ter um político que entenda que os mais de 20 milhões de moçambicanos não são militantes do partido Frelimo. Que o partido só tem três milhões e qualquer coisa de membros. Há mais de 19 milhões de cidadãos que não são do partido Frelimo. E estes mais de 19 milhões precisa de encontrar respostas para as suas necessidades e precisam de se sentir cidadãos de um País independente, em que os seus filhos derramaram sangue para liberta-lo. Isso é crucial.
Canal: Pergunto-lhe se consegue ver dentro da Frelimo alguém com essas características que acabou de elencar?
Dr Macuane: (risos e longa pausa) …Não quero arriscar!
Dizer que o AGP está encerrado é enganarmos a nós mesmos
Falemos agora da oposição Dr. Recentemente o Governo esteve reunido num dos cafés da cidade com a Renamo para tratar da vida político-social do País. O governo chamou de audiência enquanto que a Renamo chamava de negociações. Porquê, essa concepção divergente em termos de nomenclatura do evento?
Dr Macuane: O governo e a Renamo não estão no mesmo diapasão. Enquanto a Renamo diz que é preciso renegociar os acordos gerais de paz, o Governo diz que não o acordo já está incluído no nosso quadro institucional. Um dos elementos fundamentais de uma negociação é o reconhecimento da legitimidade do outro e do ponto a negociar. Aceitando que é uma negociação seria um recuo do próprio governo em relação àquilo que tem dito. Chamando aquilo de audiência é importante sob ponto de vista de negação da necessidade de negociação do acordo.
Sem reconhecimento por parte do Governo e perante a insistência da Renamo conjugada com a divergência em termos do tipo de reuniões, ainda se pode esperar algo desses encontros?
Este assunto é extremamente importante. Todos estão conscientes disso apesar dessa oratória política segundo a qual não há nada para se negociar. Estão conscientes de que este assunto não está encerrado. Mas nós todos sabemos que o assuno em si, pelo menos como está a ser colocado no está encerrado. Seria um exercício dilatório e estaríamos a nos enganar a nós mesmos querer colocar uma pedra sobre esse assunto. Eu acho que essas negociações vão continuar e poderão produzir resultados. Não creio que as coisas terminem assim.
Está a querer dizer que são legítimas as questões levantadas pela Renamo?
Existem elementos mais do que claros de que a Renamo tem a sua razão. O que para mim fica envolto de muita política para mim é misturar reivindicações específicas com questões gerais e sociais. O acordo geral de paz tem questões exclusivas sobre a Renamo. Questões como a defesa e segurança são questões plasmadas no acordo e tem a ver directamente com a Renamo.
Eu acho que dentro de questões muito mais amplas como a questão da partidarização do Estado, que sabemos que é real e que é preciso acabar com ela por uma questão de justiça e desenvolvimento, é preciso que entrem mais actores. É importante que o Estado seja despartidarizado. Agora a forma como a Renamo elabora essa partidarização é que tira mérito às questões. A questão da despartidarização é um desafio para todos os actores sociais. Indivíduos que pagam impostos e têm cidadania moçambicana que cumpram com seus deveres, não devem ser condicionados a serem de um partido para terem acesso às oportunidades públicas. É uma questão fundamental sob ponto de vista da construção de um País e da nossa cidadania e consolidação da nossa independência como um País de iguais.
Depois do fenómeno “Manuel de Araújo” em Quelimane, e mais recentemente o Congresso do partido na Beira, vê-se alguma capacidade mobilização por parte do MDM principalmente na ala jovem. O que se pode esperar deste partido nos próximos pleitos?
O MDM é um partido que como vimos depois do seu congresso, foge daquilo a que estamos habituados a ver. É um partido com alguma organização e está a ter sucesso na sua experiencia Governativa que pelos visto é positiva. Acho que é um partido com grande potencial e sobretudo, um partido que no está preso à lógica em que a Renamo está de um confronto com a Frelimo. Isso faz com que tenha uma perspectiva mais ampla das coisas. Tem grandes perspectivas de crescer nas próximas eleições. (Matias Guente)
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