Sob o sol forte e sem abrigo do campo de algodão, a produtividade era mínima quando assumi o comando da numerosa turma feminina, com idade média, suponho, de uns 15 anos. Tagarelice contínua, risadas sem fim, cantigas típicas, na rotineira alegria africana. Muteko, trabalho mesmo, nada. Eu, o Mukunha, me achando o grande chefe branco resolvi colocar em prática meus dotes de comando com vigilância cerrada e exigência de produtividade mínima; quem não cumpria as metas voltava ao campo e continuava até completar o peso que estipulara. Não era fácil para as pobres meninas, que contavam os minutos para retornar à liberdade numa idade tão indócil. Mais indócil ainda era eu, que não conseguia entender e ser flexível e logo o trabalho penoso para elas se tornou mais triste, mais suado, sem risos e canções.
Mas a produtividade rapidamente subiu e ultrapassou qualquer média anterior e orgulhoso apresentava para o superior da missão meus dados diários. Os que contestavam que estava sendo duro demais acabaram se calando quando a alegria e as cantigas paulatinamente voltaram ao campo.
Me considerava um líder severo mas amado, pois as meninas eram todas gentis comigo -compreenderam que eu era justo, pensei- e principalmente na hora da pesagem quando decidia quem voltaria ao campo, elas me cercavam alegres e comemoravam os resultados -agora sempre superiores ao mínimo estabelecido- com aplausos e danças. E o grande chefe branco sorria junto, entusiasmado com sua própria capacidade de liderança, até que finda a colheita chegou a hora de ensacar o produto a granel amontoado no canto do grande armazém, para ser vendido.
Minha arrogância e confiança desceram abaixo do mínimo que eu estabelecera quando a “produtividade recorde” se transformou em um amontoado de pedras e grandes torrões de terra misturados ao algodão que, espertamente, haviam sido escondidos pelas meninas dentro dos sacos de colheita para completar com folga o peso mínimo! Toda a festa que faziam à minha volta na pesagem era para me distrair, enquanto outras subiam até o topo do monte para despejar os sacos recheados longe de minha vista...
Hoje sorrio ao recordar e fico feliz que as engenhosas meninas não se tenham deixado amargurar num período tão precioso da adolescência vivida em grupo,longe das famílias. Um grande, apertado abraço do Mukunha brasileiro a vocês, meninas do Marrere, que -merecidamente- fizeram-me de bobo!
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