domingo, 18 de novembro de 2012

Carta resposta do Bispo de Tete ao Cardeal Alfrink, Presidente Internacional do Movimento Católico Pax Christi para a Paz do Mundo

Fonte: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/12/massacres-na-guerra-colonial-tete-um-exemplo-das-edi%C3%A7%C3%B5es-ulmeiro-1976.html

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jb.34-73

A sua Eminência Mon. Bernard Cardinal Alfrink, président international du mouvement catholique Pax Christi pour la paix du monde - Utrech - Holanda

Excelência,

Venho agradecer a carta que teve a gen­tileza de me mandar e o gesto de solidarie­dade cristã que, a nível de Igreja, foi o primeiro.

A solicitude apostólica de V.a Eminência pelos problemas da paz e da justiça são mundialmente conhecidos e apreciados pelo Bispo de Tete (Moçambique) que humilde­mente aceitou das mãos da Igreja o encargo pastoral desta Diocese. E posso afirmar-lhe, para consolação espiritual de V.a Eminên­cia, que partilho dos mesmos sentimentos quanto à doutrina sobre a autodetermina­ção dos povos. É um direito decorrente de outros direitos estruturados sobre a pessoa humana e relacionado com a justiça e a liberdade. O que poderia eu pôr em causa, na aplicação concreta que V.a  Eminência pretende insinuar, era a noção do povo ou pedir à Igreja que me esclarecesse sobre quanto me confiou. Pois esforço-me cada dia por servir fielmente este povo e arrisco por ele a minha vida frequentemente.

Os direitos da justiça surgem-me dia a dia no caminho que piso e defendo-a quanto posso, não sem incómodo, e do modo que me parece mais eficaz. Disto são testemunhas os missionários, penso, e Deus é-o certa­mente. Mas são testemunhas também de que me recuso a gritar na praça pública ou a alimentar especulação jornalística com interesses bem diversos dos interesses da Igreja.

O caso do jovem "António" conheci-o como V.a Eminência através dos jornais. E fiz ontem uma caminhada com transtorno para o meu trabalho pastoral, a fim de me informar dos riscos que a vida do mesmo António corria.

Ainda bem que V.a Eminência, Senhor Cardeal, se lembrou de interrogar o Bispo, recordando-lhe simultaneamente os direi­tos de justiça que são para ele deveres. Pois até este momento ninguém, havia sen­tido esta necessidade.

O António vivia numa aldeia cercana, a 7 km da cidade. E um sacerdote da IEME prontificou-se a trazê-lo â presença do jornalista do Times na sua motorizada. Foi buscá-lo uma segunda vez para depor diante dum correspondente do "Famiglia Cristiana".

De tudo isto fui informado e sei que as autoridades tiveram conhecimento de todos estes passos e não só os não impediram como não intentaram qualquer represália contra o António.

Neste momento, alertando o mundo para o caso, as autoridades buscam o rapaz, temendo que no meio deste misterioso re­ceio lhe aconteça qualquer coisa e tenham de responsabilizar o referido sacerdote pela situação de fuga ou sequestro criada no António.

Por minha parte, posso garantir quanto das autoridades ouvi e exigi: que não só não fariam mal ao rapaz mas até o deixariam sob a tutela de qualquer Missão, se assim o desejasse.

É do conhecimento de V.a Eminência que dois sacerdotes desta Diocese estão presos á espera de julgamento. Foi um processo anterior à minha chegada e tudo se tem feito para os defender. O Vaticano sabe disso e tem tomado parte activa. Ninguém, nem o Governo, o podem levar a mal.

Entretanto, Moçambique está a ser jul­gado no palco do mundo por interesses eco­nómicos e políticos muito desencontrados.

E o mundo cristão parece empenhado em comprometer a Igreja Diocesana de Tete pondo-a ao serviço de qualquer desses inte­resses.

Buscando o bem dos Padres e amando-os até ao fim, vou defendendo a justiça cada dia consoante as minhas posses. Sirvo a unidade da Igreja com humildade e o meu povo com risco.

Mas não entendo como possa embarcar pastoralmente na especulação feita através dos jornais nem como ao zelo da Igreja convenha o mesmo critério de apreciação.

Renovando os agradecimentos do começo, peço a V.a Eminência se digne aceitar os meus sentimentos de sincera admiração e respeito. E que este meu modo de amar a Igreja e o povo que a mesma me confiou, contribua para iluminar e servir o Movi­mento Católico Pax Christi a que V.a Emi­nência tão dignamente preside.

Tete, 16 de Agosto de 1973

Augusto César bispo de Tete

P.S.: Desta carta tomo a liberdade de en­viar cópia à Secretaria de Estado (Vaticano) e à Nunciatura Apostólica.

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