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jb.34-73
A
sua Eminência Mon. Bernard Cardinal Alfrink,
président international du mouvement catholique Pax Christi pour la paix du
monde - Utrech - Holanda
Excelência,
Venho agradecer a carta que teve a gentileza
de me mandar e o gesto de solidariedade cristã que, a nível de Igreja, foi o
primeiro.
A
solicitude apostólica de V.a Eminência pelos problemas da paz e da
justiça são mundialmente conhecidos e apreciados pelo Bispo de Tete
(Moçambique) que humildemente aceitou das mãos da Igreja o encargo pastoral
desta Diocese. E posso afirmar-lhe, para consolação espiritual de V.a
Eminência, que partilho dos mesmos sentimentos quanto à doutrina sobre a
autodeterminação dos povos. É um direito decorrente de outros direitos
estruturados sobre a pessoa humana e relacionado com a justiça e a liberdade. O
que poderia eu pôr em causa, na aplicação concreta que V.a Eminência pretende insinuar, era a noção do
povo ou pedir à Igreja que me esclarecesse sobre quanto me confiou. Pois
esforço-me cada dia por servir fielmente este povo e arrisco por ele a minha
vida frequentemente.
Os direitos da justiça surgem-me dia a dia no
caminho que piso e defendo-a quanto posso, não sem incómodo, e do modo que me
parece mais eficaz. Disto são testemunhas os missionários, penso, e Deus é-o
certamente. Mas são testemunhas também de que me recuso a gritar na praça
pública ou a alimentar especulação jornalística com interesses bem diversos dos
interesses da Igreja.
O caso do jovem "António"
conheci-o como V.a Eminência através dos jornais. E fiz ontem uma
caminhada com transtorno para o meu trabalho pastoral, a fim de me informar dos
riscos que a vida do mesmo António corria.
Ainda bem que V.a Eminência,
Senhor Cardeal, se lembrou de interrogar o Bispo, recordando-lhe
simultaneamente os direitos de justiça que são para ele deveres. Pois até este
momento ninguém, havia sentido esta necessidade.
O
António vivia numa aldeia cercana, a 7 km da cidade. E um sacerdote da IEME
prontificou-se a trazê-lo â presença do jornalista do Times na sua motorizada.
Foi buscá-lo uma segunda vez para depor diante dum correspondente do
"Famiglia Cristiana".
De tudo isto fui informado e sei que as
autoridades tiveram conhecimento de todos estes passos e não só os não
impediram como não intentaram qualquer represália contra o António.
Neste momento, alertando o mundo para o caso,
as autoridades buscam o rapaz, temendo que no meio deste misterioso receio lhe
aconteça qualquer coisa e tenham de responsabilizar o referido sacerdote pela
situação de fuga ou sequestro criada no António.
Por minha parte, posso garantir quanto das
autoridades ouvi e exigi: que não só não fariam mal ao rapaz mas até o
deixariam sob a tutela de qualquer Missão, se assim o desejasse.
É do conhecimento de V.a
Eminência que dois sacerdotes desta Diocese estão presos á espera de
julgamento. Foi um processo anterior à minha chegada e tudo se tem feito para
os defender. O Vaticano sabe disso e tem tomado parte activa. Ninguém, nem o
Governo, o podem levar a mal.
Entretanto, Moçambique está a ser julgado no
palco do mundo por interesses económicos e políticos muito desencontrados.
E
o mundo cristão parece empenhado em comprometer a Igreja Diocesana de Tete
pondo-a ao serviço de qualquer desses interesses.
Buscando o bem dos Padres e amando-os
até ao fim, vou defendendo a justiça cada dia consoante as minhas posses. Sirvo
a unidade da Igreja com humildade e o meu povo com risco.
Mas não entendo como possa embarcar
pastoralmente na especulação feita através dos jornais nem como ao zelo da
Igreja convenha o mesmo critério de apreciação.
Renovando os agradecimentos do começo, peço a
V.a Eminência se digne aceitar os meus sentimentos de sincera
admiração e respeito. E que este meu modo de amar a Igreja e o povo que a mesma
me confiou, contribua para iluminar e servir o Movimento Católico Pax Christi
a que V.a Eminência tão dignamente preside.
Tete, 16 de Agosto de
1973
Augusto César bispo de Tete
P.S.: Desta carta tomo a liberdade de
enviar cópia à Secretaria de Estado (Vaticano) e à Nunciatura Apostólica.
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