Wednesday, August 8, 2012

Moçambique: Entrevista exclusiva com Fernando Mazanga


2012-08-07 16:07:01
Maputo – Em entrevista exclusiva à PNN, esta terça-feira, o porta-voz e vogal do Conselho Nacional da Renamo, Fernando Mazanga, falou sobre a participação do seu partido nas eleições autárquicas de 2013.
PNN – Quais são as expectativas da Renamo para as eleições autárquicas de 2013?

Fernando Mazanga (FM) – Estas serão as terceiras eleições autárquicas que a Renamo vai tomar parte. As primeiras nós boicotámos e situaram-se nos 15% de participação em 1997. Quando um partido existe, o seu principal objectivo é concorrer às eleições, ganhar e exercer da melhor forma o poder. A Renamo é como qualquer outro partido em Moçambique: quer o poder.

Nas eleições já chegámos a conquistar cinco municípios, nomeadamente Beira, Marromeu, Nacala Porto, Ilha de Moçambique e Angoche. A nossa forma de governar naquele período foi satisfatória porque conseguimos mostrar ao mundo que temos quadros capazes de governar e mostrámos a nossa aplicação e a não interferência, tanto que ao nível central na questão de gestão dos municípios damos liberdade de governação para que localmente os municípios encontrassem mecanismos locais de governação participativa. E por causa disso, fomos referência nos municípios, sobretudo na cidade da Beira e Nacala Porto, Ilha de Moçambique, situação que agradou o povo e a própria comunidade internacional.

Tudo o que fizemos visou servir melhor os municípios. A preocupação principal da Renamo foi aproximar o poder de decisão junto dos municípios porque o epicentro da democracia é entregar o poder ao povo, é fazer com que o povo participe directamente na governação, este foi um desejo da própria Renamo.

Depois da assinatura do acordo Geral da Paz e da realização das primeiras eleições gerais, a Renamo viu que não era suficiente governar ao nível central (mandar recados para a base), era preciso que a base começasse a exercer o poder, a participar no poder e avançámos para a autarquização das cidades e vilas. Depois de se ter conseguido essa descentralização, os desafios seguintes já eram conquistar o poder e exercê-lo com base no modelo da governação participativa.

Verificou-se um crescimento do nível de insatisfação na cidade da Beira depois que a Renamo deixou de governar e o nível de desenvolvimento também diminuiu porque a Renamo, apesar do edil ser o mesmo, naquela altura, governava com a filosofia do nosso partido. Agora como não se governa com as politicas da Renamo já se nota um certo esvaziamento e divórcio entre o Presidente e os municípios. Isto pode indicar que há mais preocupação em atender as questões partidárias do que as questões dos municípios, portanto, isto é o que nós temos como referências e como passado para podermos conquistar o futuro.

Devo dizer que tivemos o azar de sermos roubados nas eleições autárquicas em todos os nossos cinco municípios, que nos foram arrancados a sangue frio e, por causa disso, neste momento, não estamos a governar nenhum município. Mas apraza-nos saber que os municípios têm saudades da nossa governação, gostariam de experimentar de novo a nossa governação e, é por isso, que estamos a preparar-nos para as próximas eleições. Nesse sentido, na nossa reunião do Conselho Nacional, realizada em Nampula, a questão da participação nas eleições autárquicas foi um dos pontos debatidos e discutido através das contribuições dos membros. Existiu ainda orientações técnicas sobre a forma como nos iremos apresentar, como devemos fazer a selecção dos nossos candidatos e como deve ser feito o envolvimento dos futuros candidatos autarcas junto das populações. O Conselho Nacional foi unânime em afirmar que há necessidade de maior envolvimento e de resgatar os nossos municípios, conquistar mais outros e a expectativa nesse sentido é maior.

Existiu um acréscimo das autarquias: mais vilas foram para a autarquização, portanto, temos maior campo de actuação e, neste momento, cada província, cada cidade, está a identificar potenciais quadros para concorrer ao cargo de Presidente dos municípios. Estamos igualmente a identificar os problemas que têm de ser atacados em primeiro lugar depois de serem eleitos. Na cidade de Maputo, Matola e em todas as autarquias, a Renamo está presente para conquistar o poder em 2013.

PNN – O que falhou para a Renamo perder os cinco municípios?

FM – Falhou o sistema eleitoral. O sistema eleitoral em Moçambique está viciado, isto é igual aquela situação do polícia e do ladrão, enquanto que a polícia apura os seus mecanismos de desencorajar o roubo, o ladrão vai apurando a sua actuação para ludibriar o polícia. É o que está acontecer, nós fomos vítimas duma cabala organizada pelos organismos eleitorais. A Comissão Nacional das Eleições está composta basicamente por aquilo a que nós chamávamos de sociedade civil, mas que no fundo, quando observamos de forma microscópica concluímos que por detrás existe a mão do partido Frelimo. É provável que as pessoas até sejam da sociedade civil, mas são da sociedade civil que já está moldada de modo a poder servir os interesses do partido que está no poder. É um tentáculo das organizações do partido no poder desde a sua implantação aqui em Moçambique, comprometendo a existência da OTM, Central Sindical, que vem do sistema monopartidário.

Por outro lado, temos a situação da composição do órgão do Secretariado de Administração Eleitoral (STAE) que está composto por elementos oriundos do partido Frelimo. Nas primeiras eleições autárquicas o STAE central era composto por 50 elementos, dos quais 25 eram oriundos da Frelimo e governo, os restantes da Renamo, outros partidos da oposição e outras organizações. Quando terminou em 1995 o seu processo, os 25 saíram do STAE e ficaram apenas aqueles que vieram da Frelimo e são considerados como constituintes do quadro base do STAE e, como tal, podemos encontrar a promiscuidade entre aqueles que foram indicados para representar aquele órgão eleitoral.

Mas seja como for, em geral, o sistema eleitoral em Moçambique não está a permitir que possamos, de algum modo, ter eleições livres, justas e transparentes. É por isso que, nós estamos sempre a falar no artigo 85 do pacote eleitoral. Este artigo quando fala da questão da divergência entre eleitores, que se apresentam na mesa de voto, dá primazia aos votos que estão na urna, mesmo que tenham votado cinco elementos e sido encontrados 25 votos, são validos os encontrados na urna. Isso facilita que as constatações de fraude feitas pelas organizações da sociedade civil compostas por observadores, partidos políticos concorrentes, não sejam consideradas. Foram essas manobras que fizeram com que nos fosse tirado o poder de fiscalização do processo eleitoral e também o uso da força policial. A polícia de Moçambique é cúmplice nas manobras perpetuadas pelo partido no poder nos pleitos eleitorais, na medida em que há regras claras, pré-estabelecidas, sobre quando é que a mesma deve intervir, a distância a que se deve situar, mas a polícia age violando essas regras; usa carros blindados quando vasculha cidades e vila com objectivo de intimidar os eleitores. Portanto, são questões marginais que fizeram com que nós não pudéssemos reconquistar os cinco municípios nas últimas eleições autárquicas de 2009. Não quer dizer que houve insatisfação dos municípios. É por isso que estou a afirmar categoricamente que existem cidadãos que têm saudades e outros ainda querem experimentar de novo a governação da Renamo.

PNN – Quais são as acções em curso para inverterem esta situação?

FM – Em primeiro lugar as eleições são uma competição. Ao serem uma competição devem existir regras pré-estabelecidas e tudo têm que ser claro e no domínio público é preciso um nível de aceitação por parte de todos. A primeira medida que nós tomámos como partido é o debate e revisão do pacote eleitoral e mudança da própria lei. Estamos neste momento a trabalhar ao nível da Assembleia da República através da nossa bancada parlamentar para a revisão do pacote eleitoral. A revisão deste pacote vai permitir que possamos tirar os entraves que imperam no decurso normal do processo eleitoral.

A segunda questão, essa não é exógena, mas sim endógena, diz respeito aquilo que nós temos que fazer dentro do partido. Estamos a posicionar-nos dentro do partido, em questões como travar o roubo de votos. A cada um de nós foi dada a missão de fiscalizar e proteger o nosso voto e existe a necessidade de envolver os eleitores no sentido de poderem também guarnecer aquilo que é o seu próprio voto. Estamos a sensibilizar os potências eleitores no sentido de continuarmos a ser vigilantes nas urnas e também mobilizar cada vez mais os municípios, através da demonstração daquilo que nós queremos fazer e somos capazes de realizar enquanto governantes das autarquias.

PNN – Como ultrapassar as intimidações perpetuadas pela polícia nos processos eleitorais?

FM – Nós estamos a trabalhar para o efeito. Houve um trabalho nesse sentido realizado pelo presidente da Renamo, no ano passado, quando visitou as províncias. Há um elemento fundamental que sempre transmitiu aos nossos quadros e simpatizantes e foi esse elemento que permitiu a criação da democracia multipartidária. Estou a falar dos desmobilizados de guerra, homens que entregaram a sua juventude e lutaram pela democracia e, naquele momento, eles estavam conformados com aquilo que foi o objectivo da guerra. Só que neste momento, estão a verificar que o objectivo pelo qual lutaram está ser violado, então, existe a necessidade de entrarem na segunda luta pela democracia que trouxeram para este país. E, é por isso, que em todas as reuniões que o Presidente Afonso Dhlakama manteve nas províncias com os desmobilizados, se mostraram disponíveis para mais uma vez lutarem em defesa da democracia. Isso quer dizer que na verdade todos os desmobilizados da Renamo e não só, mesmo os desmobilizados do lado do Governo, estão interessados num processo eleitoral livre e transparente. O que está acontecer é que as pessoas (eleitores) são amedrontadas e aceitam justamente porque não têm alguém que os possa defender. Desta vez a mobilização tem como objectivo principal acabar com intimidações no processo eleitoral. A arma não é nenhum instrumento desconhecido, não é um elemento que deve ser temido, o que faz mal é a pessoa e nós temos que trabalhar psicologicamente com a pessoa, daí que estamos a fazer uma preparação cuidadosa no sentido das pessoas não se deixarem amedrontar, mas sim mostrarem firmeza e determinação.

PNN – Pode revelar-nos as estratégias que o partido desenhou para se defender no processo eleitoral?

FM – Há questões de estratégias e há questões de táctica. E a estratégia é igual à fotografia, não se pode revelar à luz da vela, revela no escuro. Mas o que quero chamar a atenção é que as brincadeiras que o partido Frelimo têm vindo a fazer já não podem continuar a existir nos próximos pleitos eleitorais.

Queremos um pacote eleitoral que permita que o vencedor governe e o perdedor passe para a oposição. Queremos transparência e não queremos um pacote eleitoral que favoreça nem a Renamo nem a Frelimo. Que seja um pacote eleitoral que favoreça a própria democracia, dependendo da vontade popular.

PNN – A Renamo coloca a aprovação do pacote eleitoral como condição principal para participar nas próximas eleições eleitorais, quer comentar?

FM - Acabou essa coisa da Renamo não participar nas eleições. O que vai acontecer nos próximos pleitos eleitorais é que, se a Renamo não participar nas eleições, então, nenhum outro partido político irá participar nessas eleições. Isso deve ser bem entendido, nós não estamos a dizer que a Renamo não irá participar nas eleições, caso aconteça, nem o MDM, nem a Frelimo e nenhum outro partido irá participar nas eleições, não haverá eleições. Isso significa que, nós temos que trabalhar e ajudar na evolução da democracia, porque queremos que o processo democrático seja real. Resumindo, se a Renamo não participar por questões da lei, não haverá eleições em Moçambique.
(c) PNN Portuguese News Network

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