Thursday, August 9, 2012

A MORTE DE SAMORA MACHEL EM MBUZINI

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Estudo revela “estratégia de desinformação” montada pela União Soviética
• AIM desempenhou papel preponderant
“Três semanas após o acidente de Mbuzini surgiram informações segundo as quais reinava a irritação e insatisfação entre certos membros do Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP) pela forma como os soviéticos estavam a manipular a situação”, Yvonne Clayburn, autora do estudo “Logo que tomou posse, Joaquim Chissano recusou-se a voar em aviões russos tripulados por soviéticos. Em vez disso, insistiu na utilização de um Boeing-737 para voos de curta distância, e para voos de longo curso deu preferência a um DC-10 alugado às linhas aéreas francesas, UTA.”, lê-se no estudo
Um trabalho de investigação publicado pelo Instituto de Estudos Africanos e Internacionais com sede em Munique, refere que logo a seguir ao acidente de Mbuzini, em que perdeu a vida o Presidente Samora Machel, a União Soviética “utilizou uma panóplia de técnicas de desinformação” que incluíram a “propaganda dissimulada, manipulação de órgãos de comunicação social e disseminação de boatos”, entre outros. Da autoria de Yvonne Clayburn, o trabalho de investigação refere que no dia a seguir ao desastre, “o Comando Supremo Soviético (STAVKA) ordenou o envio imediato de assessores não uniformizados para Moçambique”, dos quais constava “uma equipa especializada em técnicas de desinformação” que tinha como missão “culpar a África do Sul pelo sucedido e desviar as atenções do facto de que a aeronave de fabrico soviético em que seguia Samora Machel ser tripulada por russos”. A equipa tinha ainda como objectivo “contrariar as conclusões da investigação oficial sobre as causas do acidente”.

Conforme se lê no estudo de Yvonne Clayburn, “três semanas após o acidente de Mbuzini surgiram informações segundo as quais reinava a irritação e insatisfação entre certos membros do Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP) pela forma como os soviéticos estavam a manipular a situação”. De facto, tal como o antigo ministro da Segurança (SNASP), Jacinto Veloso, veio a revelar em livro de memórias, funcionários da embaixada soviética em Maputo haviam tratado de evacuar para Moscovo, sem o conhecimento prévio da Comissão Nacional de Inquérito, o mecânico de bordo do Tupolev presidencial, Vladimir Novoselov, que se encontrava hospitalizado em Maputo. A evacuação de Novoselov foi possível graças às facilidades concedidas pelo então ministro da Segurança, Sérgio Vieira. Para além da ocultação dessa testemunha-chave (Novoselov foi impedido de prestar declarações às comissões de inquérito moçambicana e sul-africana), Sérgio Vieira colaborou igualmente com os técnicos de desinformação soviéticos que pretendiam extrair declarações falsas do comandante e co-piloto do voo TM 103 das Linhas Aéreas de Moçambique proveniente da Beira, a respeito do famigerado “VOR falso”.
O papel da AIM na campanha de desinformação
Impossibilitada de provar a existência do VOR falso, a União Soviética passou a centrar toda a sua acção de desinformação na propaganda oculta, no boato e na manipulação de órgãos de comunicação social. Yvonne Clayburn afirmou no estudo a que deu o título de “Estratégia de Desinformação Soviética Aplicada ao Desastre de Aviação de Samora Machel”, que uma “técnica favorita dos soviéticos consiste em reciclar desinformação deliberadamente colocada em jornais e estações emissoras não-soviéticas”. Isto, conforme salienta Clayburn no seu estudo, “permite que Moscovo ataque um país alvo sem que assuma responsabilidade por esse ataque”.
Yvonne Clayburn, que é formada em comunicação social, tendo-se especializado na pesquisa e investigação de questões de propaganda e desinformação, com particular ênfase na campanha soviética de desinformação a nível da África Austral, destaca o facto de que “aproximadamente 90% de todas as reportagens sobre Mbuzini tiveram origem em três agências de notícias, nomeadamente a AIM (Agência de Informação de Moçambique), a ZIANA (Zimbabwe Inter-Africa News Agency) e a APN/TASS da União Soviética.” Conforme diz Clayburn no seu estudo, “as agências noticiosas e jornais ocidentais passaram invariavelmente a citar as notícias divulgadas pelos órgãos de comunicação social atrás mencionados (AIM, ZINA e APN/TASS).” O jornal «The Citizen» de Joanesburgo é referido no estudo de Clayburn como tendo publicado a 13 de Novembro de 1986 uma extensa entrevista com o vice-ministro soviético da Aviação Civil, Ivan Vassin, em que este exclui enfaticamente erro da tripulação como causa do desastre de Mbuzini, sem que sequer tivessem sido ainda abertas as caixas negras do Tupolev presidencial. Na realidade, salienta Clayburn, a entrevista com Vassin foi conduzida por um agente da KGB que em tempos havia sido destacado para Maputo. Trata-se de I. Pilyatskin que na circunstância desempenhou as funções de “correspondente” do jornal soviético, Izvestia.
Yvonne Clayburn identifica seis temas que dominaram o teor das reportagens da AIM, ZIANA e APN/TASS, designadamente:
- A África do Sul planeou o desastre para se livrar de Samora Machel. Tratou-se do primeiro de uma série de assassinatos planeados pela África do Sul visando eliminar os dirigentes dos Países da Linha da Frente
- Os sobreviventes do desastre foram tratados de forma desumana pelos sul-africanos
- A África do Sul recusou-se a colaborar com as equipas de investigação russa e moçambicana
- A África do Sul representava uma ameaça para toda a região da África Austral
- A África do Sul tinha um farol móvel que era capaz de fazer com que os aviões se desviassem da rota estabelecida.
Clayburn afirma que por fim a campanha de desinformação soviética baseou-se no ponto VI. Por sinal, este continua a ser o tema preferido da AIM.
A terminar, o estudo de Yvonne Clayburn refere ser “razoável concluir que os soviéticos iniciaram, coordenaram e conduziram toda a operação de desinformação.” Acrescenta a autora: “Os soviéticos tiveram o necessário acesso à comunicação social de Moçambique e do Zimbabwe, mas estes dois países não possuíam o ‘know-how’ para dar início ou conduzir uma operação tão sofisticada em termos de desinformação”. Acrescenta a autora que “com origem da parte dos soviéticos, da AIM e da agência governamental de notícias do Zimbabwe, ZIANA, produziu-se um extraordinário volume de propaganda. O material disseminado por essas duas agências obteve uma considerável cobertura no seio da comunicação social do Ocidente, sem reservas nem interrogações. Na prática, o resultado foi que as teorias e acusações defendidas e feitas pela União Soviética dominaram toda a cobertura do acidente de aviação em que morreu Samora Machel, tendo-se atingido credibilidade pela forma volumosa e repetitiva como as mesmas foram disseminadas. Em todo o Mundo, milhões de ouvintes de estações radiofónicas, espectadores de programas de televisão e de leitores de jornais foram objecto de uma das mais hábeis campanhas de desinformação orquestradas pela máquina de propaganda soviética.”
Todavia, tal como salienta Yvonne Clayburn no fim do seu estudo, “apesar da quantidade incrível de desinformação iniciada e disseminada por várias fontes, incluindo a própria agência de notícias de Moçambique, AIM, aparentemente tal não foi o suficiente para convencer Joaquim Chissano, sucessor do Presidente Machel. Logo que tomou posse, Joaquim Chissano recusou-se a voar em aviões russos tripulados por soviéticos. Em vez disso, insistiu na utilização de um Boeing-737 para voos de curta distância, e para voos de longo curso deu preferência a um DC-10 alugado às linhas aéreas francesas, UTA.”
CANALMOZ - 21.01.2010

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