quarta-feira, 10 de junho de 2015

Sobre a Fundação da Renamo


Do autor de "Mozambique: The Tortuous Road to Democracy", João M. Cabrita, recebemos mais este esclarecimente sobre a posição de Maximo Dias, em relação à fundação da RENAMO:

Sobre a Fundação da Renamo
As declarações de Máximo Dias ao jornal Notícias de que teria sido, conjuntamente com André Matsangaice, o fundador da Resistência Nacional Moçambicana, não coincidem com os factos. 
Máximo Dias não diz em que mês de 1976 terá fundado a Renamo, na Beira. Pelo menos em Setembro desse ano, Matsangaice encontrava-se detido no campo de reeducação de Cudzo*, na região da Gorongosa. Conseguiu fugir nesse mês para a Rodésia, onde vem a conhecer Orlando Cristina. Até então não se falava - por não existir - na Resistência Nacional Moçambicana. Foi somente depois da chegada de Matsangaice à Rodésia que a ideia de uma Resistência Nacional Moçambicana começou a ganhar contornos, e foi em nome dela que Matsangaice regressou a Moçambique em Dezembro de 1976 para lançar um golpe de mão contra o campo de Cudzo, libertando os prisioneiros que lá se encontravam e que formariam o núcleo do movimento armado.
Acontece que o golpe, marcado para as vésperas de Natal (24.12.1976) fracassou, tendo Matsangaice voltado a ser preso pelas autoridades do campo por "se ter ausentado sem autorização". Conseguiu, no entanto, escapar de novo para a Rodésia e foi em Maio de 1977 que voltou a lançar um ataque a Cudzo, desta vez bem-sucedido, conseguindo levar para a Rodésia algumas dezenas de prisioneiros que lá se encontravam, enquanto outros dispersaram-se pelas matas, regressando a suas casas, em Moçambique. 
O ataque foi atribuído, pela Voz da África Livre, à Resistência Nacional Moçambicana. Em Lisboa, na mesma altura, a Fumo reclamava a autoria pelo sucedido. E Matsangaice identificava-se perante os detidos em Cudzo como sendo da "África Livre", a única organização conhecida na altura, isto é, a emissora com o mesmo nome. O actual comandante do exército moçambicano, Olímpio Cambona, poderá confirmar este pormenor pois encontrava-se em Cudzo no dia do ataque, tendo integrado o grupo que acompanhou Matsangaice até à Rodésia.
Tudo isto para demonstrar que não era possível Máximo Dias ter fundado na Beira, em data incerta de 1976, a Resistência Nacional Moçambicana, pese embora o facto de naquela cidade terem surgido, espontaneamente, núcleos opostos à Frelimo e com ramificações nas hostes do próprio regime, incluindo o sector da segurança (Snasp). Refira-se, por exemplo, o caso de Zeca Ruço, inspector da PIC na Beira, e um dos primeiros a colaborar com a Voz da África Livre/Renamo.
A propósito, refira-se que o nome "Resistência" surgiu antes da chegada de Matsangaice à Rodésia, tendo sido utilizado amiúde nas emissões da Voz da África Livre como que a simbolizar o que se idealizava ser a revolta dos moçambicanos contra o novo regime, e organizada em moldes semelhantes à Resistência Francesa. Esse nome foi retirado da carta/s de um ouvinte da Voz da África Livre, que assinava com o nome de "Vasco da Gama" e que aparentemente residia em Maputo, ou arredores, dado que o teor das suas breves missivas relacionavam-se com nomes e pessoas da capital moçambicana. Este ouvinte tinha a particularidade de terminar as suas cartas com o slogan, "Viva a Resistência". Situando no tempo essas cartas, elas só poderiam ter sido escritas entre Agosto e Outubro de 1976, dado que o endereço postal da Voz da África Livre só foi anunciado, pela primeira vez, naquele mês, ou seja, em Agosto. Por volta de Novembro de 1976, quando Orlando Cristina estava ciente de que Matsangaice se propunha iniciar acções armadas contra o regime da Frelimo, a Voz da África Livre começou então por se referir a um movimento armado de oposição à Frelimo como "Resistência Nacional Moçambicana".
Máximo Dias visitou a Rodésia, mas já muito depois, nomeadamente em Maio de 1979, não se tendo reunido com Matsangaice. Tentou uma nova aproximação à Renamo em Dezembro de 1980, desta feita na África do Sul. Tal como da primeira vez, não se encontrou com o líder da Renamo, que na altura era Afonso Dhlakama. 
Ao longo da sua carreira política Máximo Dias demonstrou ser pessoa incoerente, ambígua, a resvalar para a fantasia, atributos comuns entre os que têm da vida uma perspectiva egocêntrica. 
PS.: O que acima expus foi retirado aleatoriamente do meu estudo publicado pela Macmillan/Palgrave em 2000, sob o título, "Mozambique: The Tortuous Road to Democracy".
* Este campo de reeducação é também conhecido por Sacudzo. Trata-se de um nome formado pela aglutinação da abreviatura de Serra ( Sª) e do topónimo Cudzo.

19/04/2012


Comments

1
umBhalane said...
"Eu desafio aqui a trazerem os factos, as datas, os locais e as vítimas das ofensivas armadas (ataques) dos “homens armados da Renamo”, nestes 20 anos após a assinatura dos Acordos Gerais de Paz!!
Quantos viriam aqui pôr o guiso ao gato??"
"Seria, portanto, muita burrice da parte da Renamo, “expôr-se de mãos a abanar”, a gente com ADN intoxicado por "usos, costumes e práticas de extermínio de adversários políticos".
Seria muito burrice mesmo, de jeito mal maneira.
A LUTA É CONTÍNUA

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