Esbirros de circunstância (3)
Oposição
A nossa oposição é fraca. Há três razões principais que explicam isso, mas só uma delas é que pode fazer a diferença para os partidos da oposição porque ela depende desses partidos, não de forças externas. A primeira razão é a dominação do estado pela Frelimo. Nas condições dum País como Moz o controlo do aparelho de Estado faz do jogo democrático um jogo de soma zero. Quem perde, perde tudo. Quem ganha, ganha tudo. A derrota eleitoral de 1994 que conferiu à Frelimo o acesso “legítimo” aos recursos do poder com o beneplácito dos doadores, os principais afiançadores do nosso Estado, determinou largamente a fraqueza da Renamo. É verdade que o malogrado líder da Renamo geriu muito mal os limitados recursos de que dispunha, mas fê-lo num jogo altamente viciado contra a oposição – e nada disto por maldade natural da Frelimo. Na verdade, é bem possível que a história tivesse sido a mesma se, por exemplo, a Renamo tivesse ganho. Teria sido o fim provável da Frelimo, algo que a gente vê duma ou doutra forma na Guiné e em Cabo Verde.
A segunda razão é o tipo de sociedade civil que temos. Ao contrário do que vem escrito nos manuais de ciência política, a sociedade civil em Moz não é uma instituição promotora da política. Ela é o que um antropólogo americano – falando do Banco Mundial no Lesoto – qualificou como uma máquina anti-política. Isto pode parecer estranho, sobretudo quando se tem em conta o facto de a sociedade civil estar fortemente presente na esfera pública e articular temas políticos (“Não pago as dívidas”). Só que não é. O discurso da chamada sociedade civil transforma problemas políticos em desafios técnicos.
Ela não tem como não fazer isto, pois ela é essencialmente uma resposta institucional, e em muitos casos oportunista, à existência de financiamentos de doadores cuja principal preocupação é justificar o dinheiro dos seus contribuintes. A indignação dos nossos compatriotas é, portanto, funcional à racionalização dos desaires de toda a ideia de desenvolvimento ao mesmo tempo que permite aos doadores “justificarem” as despesas que fazem com a “cooperação”. O problema, porém, não reside no facto de os nossos compatriotas estarem a ser usados. O problema reside no efeito que isso tem para a política no País, pois o que acontece efectivamente é que eles definham o espaço político. A sociedade civil, mais do que o partido no poder, é, institucionalmente, a pior inimiga dos partidos da oposição. Faz-lhes concorrência desleal e, sintomaticamente, cultiva a distância. Na verdade, a sociedade civil é uma faca de dois gumes. Por um lado, ela congrega todos aqueles que poderiam fazer a diferença no interior do partido no poder, mas não encontram espaço, e, por outro lado, também aqueles que poderiam fazer a diferença na oposição, mas não encontram incentivo (material). Há um núcleo duro, e antigo, de activistas da sociedade civil que fazem isso por vocação. O resto, e mais recente, tem algo de frustração política individual.
Nenhuma destas duas razões explica completamente a fraqueza da oposição. A terceira razão sim e consiste no facto de a oposição ser igual à Frelimo, mas em ponto menor. Com efeito, a oposição em Moz destaca-se pela sua cultura política autoritária e messiánica. Ela também, à semelhança da Frelimo, é hostil à crítica e fortemente comprometida com a ideia de que é suficiente falar em nome do povo para ter razão e considerar quem diverge como alguém contra o povo. Por esta razão, para fazer carreira na oposição o único que você precisa é de falar mal dos outros e não de formular um projecto alternativo de sociedade. Não interessa se você é doutor ou analfabeto. O autoritarismo político e o messianismo nivelam por baixo. Só na forma é que há diferenças entre a posição e a oposição. A posição fica contente com a eleição dum democrata e a oposição com a eleição dum republicano nos EUA, mas no conteúdo é tudo mesma coisa. Não se reconhece nos manifestos eleitorais da Renamo e do MDM um projecto económico diferente do da Frelimo.
Quando digo que esta razão é que inviabiliza a oposição o que quero dizer é que é neste aspecto que ela devia ser diferente para, realmente, ser uma “oposição”. Oposição vem também de diferença e alternativa. O País enfrenta grandes problemas neste momento. Temos a violência no norte e no centro, temos a complacência do governo em relação ao que levou às dívidas ocultas (que à semelhança da sociedade civil acha ser um problema de corrupção...), temos os desafios dos mega-projectos, etc., mas da oposição não se ouve nada diferente que dê a ideia dum projecto alternativo de sociedade. A oposição não faz a reflexão que se impõe agora, nomeadamente que tipo de País queremos ser e, por isso, que valores representam esse País e que princípios devem ser promovidos para que esses valores sejam protegidos. Nada. A gente só ouve a repetição de palavras que pensam por nós, tipo “democracia”, “abaixo a corrupção”, etc.
A oposição só terá hipóteses de ser forte quando abordar este desafio de peito aberto e abandonar a ladaínha da fraude ou do discurso circunstancial do desenvolvimento. Não é tarefa fácil, mas a sua oportunidade está aí mesmo.
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