quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Porque Fecharam as Empresas Moçambicanas? - A ave de Rapina Não Canta (4)

Porque Fecharam as Empresas Moçambicanas? - A ave de Rapina Não Canta (4)
Se não canta não a vemos nem a ouvimos a chegar. Só nos damos conta de que ela apareceu quando um pintainho, uma galinha ou mesmo um coelho (dependendo do porte da ave de rapina) já nos foi roubado. Quem como eu nasceu e viveu algum tempo no campo conhece a frustração que esta ocorrência traz. Como nos podemos defender de um inimigo tão silencioso e tão ardiloso?
Como aves de rapina que não cantam, assim foram alguns factos que ocorreram no final dos anos 70, que vieram a ter um profundo impacto na maneira como as grandes ideias sobre a economia e o desenvolvimento económico vinham sendo discutidas e implementadas. Foi na forma de uma ave de rapina que não canta que ocorreu a mudança na balança de poder no Reino Unido e nos Estados Unidos com a chegada de Margaret Thatcher e Ronald Reagan ao poder. Como é que assuntos tão longínquos vieram a afectar um país periférico como Moçambique? Muito simples; as alterações a que me refiro vieram a reflectir-se na reversão brutal das políticas económicas seguidas e, em consequência, a adopção de políticas neo-liberais e neoclássicas, que passaram a enfatizar a liberalização económica e as privatizações. Esta brutal reversão veio a ser prontamente seguida por todos os países ocidentais e não só. Estes podem ser referidos como sendo os antecedentes internacionais próximos do processo das reformas económicas que o nosso país encetou a parir de meados dos anos 80.
Tenho para mim que, como todas as grandes alterações, a mudança de paradigmas económicos ocorreu na sequência dos desenvolvimentos que se vinham registando no pensamento económico. Com efeito, o fim dos anos 60 e os 70 testemunharam a emergência de duas tendências opostas nas teorias de desenvolvimento. Uma tendência incluía explicitamente as considerações sociais nas estratégias de desenvolvimento e a outra baseava-se na readopção do pensamento económico neoclássico. Na verdade, foi durante este período em que estes últimos pensadores lançaram, como verdadeiras aves de rapina que não cantam, os fundamentos duma nova escola de pensamento que viria a influenciar as teorias de desenvolvimento pelo mundo fora, a partir dos anos 80. Por exemplo, foi durante este período que a crítica à abordagem de desenvolvimento baseado na substituição das importações ganhou mais precisão. Este género de crítica, complementada por estudos em outros campos da economia reforçou o quadro teórico do modelo da economia competitiva à escala global. Foi ainda neste período que o papel do Estado começou a ser questionado e se estabeleceram os fundamentos teóricos e ideológicos para a sua redução a uma escala quase insignificante.
É assim que, em todo o mundo, por influência desta escola de pensamento, o Estado começa a retirar-se mesmo em áreas que se tinha acreditado como sendo de sua alçada única, como por exemplo, as telecomunicações, o abastecimento de água, o transporte público urbano, a disponibilização de electricidade, os caminhos-de-ferro e outras. As privatizações e a abertura irrestrita dos mercados foram apresentadas como o único caminho susceptível de garantir o crescimento da economia a uma escala global.
Neste novo paradigma, o crescimento económico ganhava maior relevância em relação à distribuição dos rendimentos e outros objectivos sociais. O pressuposto básico era o de que reformas económicas concebidas para alcançar eficiência e crescimento acabariam, também, por promover melhorias no nível de vida, principalmente das camadas mais desfavorecidas. Acreditava-se ainda que os custos sociais dos processos de reestruturação das economias, embora indesejáveis, deveriam, contudo, ser vistos como um fenómeno temporário.
Como referi anteriormente, esta nova ortodoxia não se transformou apenas em estratégia económica para o ocidente. Com a sua adopção pelas instituições do Bretton Woods, ela se converteu numa doutrina económica para todo o globo, não importa se adoptada voluntariamente ou não. Embora se tenha verificado um esforço de vários pensadores no sentido de resistir criticamente a esta nova formulação das teorias de desenvolvimento, esta resistência teve um efeito bastante modesto quer na prática política, quer no plano da ideologia. Por exemplo, no início dos anos 80, vários economistas britânicos manifestaram a sua rejeição frontal às ideias que vieram a ser conhecidas como “Thatcherismo”. Seja como for, as ideias alternativas que pudessem propiciar o desenvolvimento dos nossos países não foram articuladas de maneira o bastante vigoroso como para que pudessem vingar. Funcionaram como o barulho que fazemos depois de a ave de rapina que não canta ter surripiado o nosso pintainho mais gordinho. Não costuma ser com base nisso que o bicho larga a presa. A mudança começa somente a acontecer nos anos 90, principalmente a nível teórico, quando a série de relatórios de desenvolvimento humano começaram a ser publicados por Mabub Ul Haq e a sua equipa, enquadrados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Foi neste ambiente internacional que, nos finais da década de 80, o nosso país deu os primeiros passos para abrir o mercado que havia permanecido encerrado por longas décadas, tanto durante o período colonial, como no período da economia centralizada. Este processo de liberalização económica não foi precedido por qualquer exercício de capacitação das empresas moçambicanas, quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista de gestão. Ademais, grande parte destas empresas viviam, já desde os primórdios da década 80, uma situação económico-financeira difícil o que, naturalmente, as fragilizava ainda mais, principalmente quando tiveram que passar a operar num ambiente económico de concorrência externa.
Note-se que, em contrapartida, os concorrentes externos das nossas MABORs, UFAs, VIDREIRAs, TEXLOMs e outros não enfrentavam as mesmas fragilidades. Elas apresentaram-se no cenário económico moçambicano bastante bem apetrechadas quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista de gestão e, finalmente, também do ponto de vista financeiro. Competir com sucesso nestas condições seria puro milagre.
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  • Constantino Pedro Marrengula Competir seria claramente puro milagre. No fim a chamada destruição criativa não ocorreu. Entramos num processo de desindustrialização que persiste até hoje. O problema dos processos econômicos é que eles tem sempre fios de transmissão. Triunfam quando tem um apoio sustentado entre as elites locais. O que pode ocorrer por mero oportunismo ou mesmo razões de sobrevivência da nação. Suspeito que no nosso caso tivemos também os nossos Chicago boys, os Milton Friedman em Miniatura. Ao lado destes, novos grupos nasceram com o empresariado do import export. É esta nova vaga de empresários que ganhou com o neoliberalismo. Parecem-me um grupo bastante organizado e conectado ao nível global. Podem ser um obstáculo, mas também um activo na recuperação da utopia da industrialização. Tem conhecimentos e capacidades relevantes. O problema é encontrar o melhor modelo de reforma que minimize as ameaças a sua sobrevivência.

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