quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Como resistimos em 2019

Sábado, 23 de novembro de 2019

Se você não é negro e nem próximo de ativistas, provavelmente não sabe muito sobre o que o movimento negro fez em 2019. Nos informamos a partir da mídia e redes sociais – e, se nenhum amigo compartilha nas redes dele e poucos veículos cobrem, fica difícil saber mesmo.

Mas leitor e leitora, eu posso te afirmar uma coisa. O movimento negro brasileiro lutou muito em 2019. As organizações antirracistas deste país foram uma pedra no sapato do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e do presidente Jair Bolsonaro.

O principal projeto apresentado pelo atual governo e criticado pela Coalizão Negra por Direitos, grupo que reúne cerca de 60 entidades da luta antirracista, foi o pacote de segurança pública de Sérgio Moro.

Denunciamos o projeto em maio desse ano na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos. Lá mostramos nossa preocupação com os pontos que consideramos os mais delicados do pacote: o chamado plea bargain e o excludente de ilicitude.

O excludente de ilicitude é o mecanismo que permite ao policial matar em legítima defesa, em estado de necessidade e em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. A proposta de Sérgio Moro amplia o excludente de ilicitude para quando o policial estiver em “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. De acordo com especialistas e ativistas, com essa ampliação, os policiais teriam menos cuidado durante as operações e seriam mais letais.

Já o plea bargain, outro ponto do pacote de Sergio Moro, cria a possibilidade do acusado fazer um acordo com o Ministério Público e o júri, sem julgamento. A ideia é desafogar o judiciário. O problema é que, sem o devido processo legal, advogados e pesquisadores acreditam que a iniciativa contribuiria para reforçar a seletividade racial e aumentar o número de pessoas presas – em especial as negras.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos não foi o único lugar onde o movimento negro se manifestou fora do país. Em setembro, a Coalizão Negra por Direitos apresentou as mesmas denúncias na ONU, em Genebra, na Suíça.

Lá, também denunciamos o acordo entre Jair Bolsonaro e Donald Trump para ampliação da base militar de Alcântara, Maranhão. A base está localizada em uma região quilombola e a ampliação do espaço vai desalojar cerca de 800 famílias. As pessoas serão retiradas das áreas onde estão e serão enviadas para as agrovilas, locais construídos a uma distância de 10 km do mar, principal fonte de alimento e receita delas. As famílias também terão acesso ao mar reduzido, em especial durante o lançamento de foguetes.

Também fizemos reuniões estratégicas para a demarcação de posicionamento no Brasil. Em março, nos encontramos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e em junho, com Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Em ambos os casos, dezenas de organizações do movimento negro reforçaram as denúncias contra o pacote de Moro.

O papel do jornalismo também tem peso central durante todo esse processo. As reportagens apresentadas pelo Intercept sobre a Vaza Jato serviram de munição para que o movimento negro brasileiro apresentasse os interesses políticos de Sérgio Moro e a falta de objetividade do juiz durante a sua atuação profissional.

Somo a essa cobertura o trabalho feito pelo Alma Preta no acompanhamento da agenda política nacional a partir de uma perspectiva de raça. Nenhum portal no Brasil tem feito esse trabalho com esse cuidado. Noticiar é importante para que você, leitor, consiga conhecer o que esse segmento social e racial, majoritário no país, tem feito para a defesa dos direitos humanos – e mesmo da democracia.
Pedro Borges
Jornalista
 

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