SANTA CRUZ — Parlamentares do Movimento ao Socialismo (MAS), liderado pelo ex-presidente boliviano Evo Morales , denunciaram nesta quarta-feira terem sido impedidos de entrar no Congresso do país, onde pretendiam dar uma entrevista a jornalistas e anunciar seus próximos passos.  Houve novos confrontos na capital entre apoiadores do MAS, vindos principalmente de El Alto, e a polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo. Em Santa Cruz, reduto da ala mais radical da oposição, dois manifestantes morreram em confrontos entre apoiadores de Morales e policiais.
Uma das barradas por forças de segurança na entrada do Congresso foi a senadora Adriana Salvatierra, que renunciou à Presidência do Senado após a saída de Morales e de seu vice, Álvaro García Linera. Ela era a terceira na linha de sucessão. Sob pressão de setores radicais da oposição, motins policiais e com um ultimato dos militares, Morales renunciou à Presidência no domingo e solicitou asilo político ao México , onde desembarcou na tarde de terça-feira.
O bloqueio ao MAS, que tem maioria na Câmara e no Senado, também foi denunciado no Twitter pelo ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo (2008-2012), destituído em 2012.
No bate-boca com o policial que proibiu sua entrada, a senadora disse que havia renunciado à Presidência do Senado, mas não à sua cadeira. 
—  O que está acontecendo é a prova de que aqui houve um golpe de Estado — disse aos jornalistas que estavam no local.
Parlamentares fazem parte do partido do ex-presidente Evo Morales e denunciam que foram impedidos de chegar ao Congresso da Bolívia. O país vive uma onda de incerteza política após a renúncia de Evo no último domingo.
Parlamentares fazem parte do partido do ex-presidente Evo Morales e denunciam que foram impedidos de chegar ao Congresso da Bolívia. O país vive uma onda de incerteza política após a renúncia de Evo no último domingo.
Em entrevista ao GLOBO, Salvatierra negou a versão de que os parlamentares do MAS, sob ordens de Morales, pretendiam convocar uma sessão para desconhecer a Presidência interina de Jeanine Áñez , segunda vice-presidente do Senado, que na véspera se proclamou chefe de Estado.
—  O que nós queríamos era apenas fazer uma reunião para recuperar nossas condições de trabalho, e o que aconteceu foi uma violência que faz parte do golpe —  afirmou Adriana, que tentou entrar no Congresso com outros membros da bancada majoritária. —  Queríamos continuar fazendo nosso trabalho parlamentar e normalizar nossas funções.
Segundo explicou o senador do MAS Giovani Alfonsin Carlo Ayllon, a intenção do partido é “reinstalar as duas casas do Congresso e depois convocar uma Assembleia Legislativa [sessão conjunta] que trate das renúncias de Morales e García Linera”.
—  A proclamação de Jeanine é absolutamente inconstitucional. Nesta quarta houve uma reunião de deputados e amanhã a intenção é que se reúnam os senadores. Depois disso, seria convocada a Assembleia para devolver a institucionalidade ao país —  afirmou o senador do partido de Morales, lembrando que “a Constituição determina que somente a Assembleia Legislativa pode convocar eleições”.
Minutos antes, a agora presidente interina, que se proclamou chefe de Estado na noite da última terça sem a aprovação do Parlamento, diferentemente do que exige a Constituição, pediu uma transição “pacífica e democrática” no país. Ao mesmo tempo, Añez defendeu uma “mudança de regime” e anunciou que “todos os cargos públicos devem estar à disposição”, já que haverá uma profunda reorganização do Estado, além da confirmação de um novo Gabinete.
—  Aqui o único golpista foi Evo Morales. Foi uma fraude descarada. Somente o respaldam os que não respeitam a democracia. Era necessário restabelecer a ordem e garantir a governabilidade —  defendeu. — Este mandato presidencial de caráter estritamente provisório terá dois objetivos fundamentais: a derrubada da sentença inconstitucional de 28 de novembro de 2017 [que estabelecia a reeleição indefinida] e a convocação de eleições gerais o mais breve possível, tal como estabelece a Constituição.
As eleições devem ser convocadas num prazo máximo de 90 dias. Mas para isso, assim como para nomear os novos membros do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), Añez precisaria da aprovação do Congresso, onde o MAS tem maioria.

Nova cúpula das Forças Armadas

Enquanto Añez monta seu futuro Gabinete com a colaboração de líderes opositores como Luis Fernando Camacho , presidente do Comitê Civico de Santa Cruz, em La Paz movimentos sociais que pedem o retorno de Morales prometem permanecer nas ruas até que a presidente interina renuncie.
Em Cochabamba, o líder das Seis Federações do Trópico de Cochabamba, do qual Morales é presidente, também convocou uma mobilização nacional para que o ex-presidente retorne ao cargo até 22 de fevereiro, quando deveria concluir seu terceiro mandato consecutivo.
A ex-senadora não é nada popular entre os setores indígenas. No passado, ela chegou a dizer que sonhava com “uma Bolívia livre de rituais satânicos indígenas”, e que a cidade “não é para os índios”. 
O ex-presidente boliviano Evo Morales durante entrevista na Cidade do México, onde está exilado Foto: EDGARD GARRIDO / REUTERS
O ex-presidente boliviano Evo Morales durante entrevista na Cidade do México, onde está exilado Foto: EDGARD GARRIDO / REUTERS
Da Cidade do México, Morales, também em sua primeira entrevista coletiva após deixar o país,  disse que está disposto a voltar à Bolívia “para pacificá-la”, e defendeu um diálogo nacional para pôr um ponto final na violência.
— Se meu povo pedir, estamos dispostos a voltar para apaziguar, mas é importante o diálogo nacional —  disse o ex-presidente, exilado no México. — Vamos voltar cedo ou tarde. Quanto antes melhor para pacificar a Bolívia.
O ex-presidente  mais uma vez denunciou que foi alvo de um “golpe de Estado” policial e cívico, confirmado pela proclamação de Añez como presidente interina da Bolívia . O governo foi reconhecido apenas por Brasil, Estados Unidos e União Europeia. Na Argentina, o presidente eleito, o peronista Alberto Fernández, pediu ao governo de Mauricio Macri que não reconheça Añez como presidente.
Na entrevista, o ex-presidente também atacou as conclusões de um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que indicou sérias irregularidades na eleição de 20 de outubro, na qual sua vitória em primeiro turno foi contestada pela oposição. Morales disse ainda que tentou falar com o secretário-geral da organização Luis Almagro para  advertir que o resultado do relatório poderia provocar uma crise política na Bolívia, mas não conseguiu. 
— A OEA tomou uma decisão política, não uma decisão técnica ou legal. A OEA está a serviço do império americano.
Mais tarde, em publicação no Twitter, Morales condenou a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconhecer o governo “autoproclamado pela direita”, e denunciou mais uma vez um "golpe de Estado".
— O golpe de Estado que provoca mortes de meus irmãos bolivianos é uma conspiração política e econômica que vêm dos EUA — escreveu.
A organização divulgou seu relatório preliminar na manhã de domingo, recomendando a anulação das eleições após constatar “falhas graves ” que levantavam questionamentos “sobre a integridade dos resultados". Em resposta, Morales nunciou a convocação de novas eleições . No domingo, no entanto, as Forças Armadas deram um ultimato ao presidente, que anunciou sua renúncia horas depois.
Em meio à forte repressão a seguidores do MAS, Añez nomeou a nova cúpula de militares, que será chefiada pelo comandante Carlos Orellana Centellas.
— É uma ocasião oportuna para pedir calma a toda a população boliviana.  Peço que o fim de atitudes intransigentes. Somos irmãos. Informe a Bolívia que as Forças Armadas estarão sempre ao lado de seu povo — disse Orellana.