Monday, July 8, 2019

Apesar de a estrutura de corrupção no Brasil ser ligeiramente diferente, uma boa parte dos argumentos é válida e aplicável.

Muito bom!
Um dos melhores que já li sobre o assunto. Contém licções interessantes para o nosso País. Apesar de a estrutura de corrupção no Brasil ser ligeiramente diferente, uma boa parte dos argumentos é válida e aplicável. Eis alguns excertos para aqueles que não terão acesso ao livro.
“Mente quem afirma que acabaremos com a corrupção por meio do encarceramento dos corruptos e dos corruptores, da demonização da política e da destruição das organizações empresariais que no entorno da corrupção gravitam. Mistifica quem usa a sua autoridade, legal ou moral, para inculcar que a repressão é suficiente e que é o todo do combate à corrupção “. Pág.14
“Bancorrupt (...) refere-se ao nosso modo peculiar de acabar com os corruptos e com a corrupção (...) Para combater a corrupção, destruímos o capitalismo, demonizamos a política, expomos nossas leis ao ridículo e levamos as instituições ao ponto de ruptura, a uma fadiga que flerta com o irreversível. É sobre esta técnica inigualável, que corrompe o combate à corrupção, e sobre as suas consequências fantásticas, mas paradoxalmente reais, que trato nestas minhas reflexões “. Págs.22-23
“A corrupção gera ineficiência, iniquidade e pobreza, mas não é óbice ao crescimento econômico “. Pág.27
“O problema com a corrupção, e com o seu combate, é que o ganha-pão dos corruptos depende tanto da política e dos mercados quanto o ganha-pão das pessoas de bem”. Pág.27
“O combate à corrupção no Brasil, elevado à condição de alta dramaturgia pela Operação Lava Jato, opôs as instituições do Estado, fez terra arrasada de setores inteiros da economia, mas não acabou com a corrupção. Trouxe para a corrupção bandidos ainda mais perigosos, ciosos pelos lucros que não terão que compartilhar com os tantos patifes expulsos, talvez por ora, da criminalidade”. Pág.27
“A morte da grande empresa brasileira , consequência do brutal ataque ao capitalismo nacional, submeterá, em breve, os nossos ativos, sim, os ativos nacionais, do povo brasileiro, ao que gosto de chamar, talvez impropriamente, de mínimo preço estrutural, isto é, o preço que se forma no mercado em que só há um comprador ou um grupo de compradores coordenados - e que, portanto, é determinado por esse comprador solitário diante de um vendedor prostrado. Nesse dia, sem forças, suplicaremos para que nos comprem, de novo e como sempre, por espelhos e miçangas. Nesse dia, felizes, veremos nossos filhos bater continência aos generais de um exército corporativo apátrida - num mundo desnacionalizado - e, portanto, descomprometido com as coisas e com as pessoas do Brasil”. Pág.32
“[alguns] dirão, a ponto de convencerem os tolos, que se a nossa política e a nossa economia são corruptas, o melhor, então, é que simplesmente nos livremos delas. Aqueles que o dizem, em geral, fazem-no sob a menor perspectiva de perderem seus empregos, todas as suas reservas e o mínimo de dignidade - num regime de produção no qual só o dinheiro provê dignidade. Mal-acostumados com privilégios, para atestar o malogro de nosso arremedo de democracia, escolhem por quem nunca teve escolha. Pior, acreditam - desprovidos de imaginação- que, por desconhecerem o fundo do poço, jamais irão tocá-lo”. Pág.38
“O combate brasileiro à corrupção, o bancorrupt, é um porteiro exigente, mas jamais uma barreira intransponível . É uma fábrica de supercorruptos, assim como o combate às drogas, que, mal comparando, deu vida e engordou supertraficantes e narcoestados”. Pág.39
“A caracterização casuística e subjetiva dos ilícitos leva à paralisia dos honestos. Os sérios não querem arriscar sequer um segundo de cadeia. E, portanto, irão se manter a quilômetros de distância de qualquer relação econômica com o Estado. O escasseamento de agentes econômicos num dado mercado tende a aumentar os lucros. Mais um incentivo àqueles sem qualquer escrúpulo. Falta de escrúpulo combina com ganância. Com os honestos de fora, com medo de tudo - porque sem definição exata tudo pode ser crime -, os ratos farão a farra”. Pág.49
Etc. Não é para discutirem comigo. É para reflectirem. Aquela estratégia da PGR é uma lástima. Não percebo porque não podem consultar pessoas para a elaboração deste tipo de coisas. Eu até faria de borla...
Adenda (há excertos que deviam estar aqui):
“Ninguém, senão depois de condenado e submetido, antes da condenação, ao devido processo legal e à ampla defesa, deveria, em princípio, ser tratado como culpado (...). A que serve a execração, senão a um vazio e contraproducente ímpeto de vingança?”. Pág.64
“A punição e, antes dela, a expectativa de punição não determinam, exclusivamente, os comportamentos. Não são, portanto, a despeito de importantes, instrumentos definitivos de conformidade. Outras estruturas dissuasórias da conduta indesejada são necessárias para um combate plenamente eficaz”. Pág.91
“É claro que a supressão ou ao menos a mitigação de incentivos à condita se encontra no âmago de uma estratégia bem-sucedida. A impunidade, todavia, é apenas um dos elementos de um sistema perverso de incentivos à criminalidade. O combate à impunidade sempre nos pareceu a solução para a criminalidade porque, por aqui, nem isso conseguimos”. Pág.91
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Comentários
  • Antonio Gundana Jr. Este tipo de reflexão e análise sobre a corrupção é tão profundo que chega a romper de forma reversa com a ideia de corrupção, as instituições que a combatem e as estratégias de combate utilizadas. 

    Uma evidência disso, tirada dos extratos do livro fo
    rtificada pela conclusão do Prof. é que a estratégia da PGR atua no sentido de "produzir" ainda mais corrupção. 

    Contudo, não está muito claro, para mim, de que maneira isso acontece. Prof. Macamo pode desenvolver mais este ponto? Agradecia.
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    • Elisio Macamo Antonio Gundana Jr., boa pergunta. esse é o problema do brasil onde corrupção é o nome que hoje se dá ao conluio entre o estado e as empresas. como a política no brasil funciona assim - para o governo golpista de temer passar certas reformas teve que “comprar” votos, muitos deles ligados a interesses empresariais; o actual governo enfrenta a mesma situação - a saída de cena de “corruptos” cria espaço para outros ao mesmo tempo que constrange as pessoas mais sérias. veja os excertos que acrescentei. no nosso caso a coisa é ligeiramente diferente. o principal prejuízo é político. destruímos o único partido sério que existe sem ganhos na integridade, pois como se vê o problema não são as pessoas, mas sim o contexto dentro do qual elas agem. esse contexto precisa de mudar, só que não sabemos como. é como combater o câncro (o autor faz essa analogia). combate-lo sem destruir o corpo que o aloja...
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    • Antonio Gundana Jr. Para o efeito, terá que se "combater" todo o contexto no qual o cancro se desenvolve. . .
    • Elisio Macamo talvez não. o desafio é não matar o corpo com a terapia. é o que está a acontecer no nosso país. conheço vários processos contra pessoas íntegras movidos por razões políticas, pessoais ou simplesmente criminosas. isso corrói o tecido social e vai afastar as pessoas sérias do serviço público sem ganhos para o país. nenhum remédio deve ser mais forte que o corpo!
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    • Antonio Gundana Jr. A ser assim, é necessário um trabalho árduo e íntegro (distanciado de questões pessoais/políticas) da parte de instituições que "combatem" a corrupção, como a PGR, os tribunais e as OSC's. 

      Em todo caso, Prof. Macamo agora está mais claro. Muito agradecido!
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    • Elisio Macamo na pág.121 ele escreve: “... o combate à corrupção se tornou um axioma ético - como deve ser , o que torna muito, muito mais difícil conter a sua politização e, com ela, a politização do Direito, para os fins do combate à corrupção “. profundo. mais adiante: “o problema não é a corrupção em si, mas o fato de que a corrupção do Estado pelo capital - é um fenômeno ínsito ao capitalismo, dele indissociável, cujos remédios são dois e apenas dois, a descriminalização- mediante regulação formal- ou o fim do capitalismo. Façam a sua escolha! Se não a fizermos, só restará à Polícia investigar e prender, ao Ministério Público acusar, e ao Judiciário julgar e condenar. E tudo isso num círculo viciosos interminável e destruidor - por vezes politicamente determinado -, que fará terra arrasada das nossas empresas, da nossa política e de todo o tecido social”. pág.123
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  • Paulo Inglês Muito bom! Estamos com essa problema em Angola. O combate à corrupçao está a ter o mesmo efeito q a corrupção...
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  • Maria Paula Meneses Este é o grande problema do moderno estado.
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    • Elisio Macamo exacto! por isso acho muita pena que este campo tão importante de reflexão fique à mercê do activismo acrítico e oportunista.

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