A Associação São João de Deus está no Areeiro há 42 anos. Agora, está em risco de encerrar porque os novos senhorios querem vender o imóvel. Pais dizem que não foram avisados com antecedência.
Cerca de 90 crianças estão em risco de ficar sem creche e educação pré-escolar, por causa de uma ordem de despejo do edifício que a Associação São João de Deus ocupa desde 1976, na freguesia do Areeiro, em Lisboa. O senhorio morreu e os herdeiros querem vender o imóvel. E só uma mudança do estatuto da instituição particular de solidariedade social (IPSS) pode protegê-la do despejo durante cinco anos.
A Associação São João de Deus foi notificada, no início do ano, pelos novos senhorios, interessados em pôr fim ao contrato de arrendamento. “Tentámos negociar, mas não se chegou a acordo”, revelou a diretora pedagógica da IPSS, Rute Freitas, ao Observador. O acordo não foi feito e os herdeiros deram um limite para a Associação sair do edifício: 31 de agosto — o que põe em risco o arranque do próximo ano letivo. A Associação está, neste momento, à procura de um novo espaço. “Queríamos manter-nos na freguesia [do Areeiro], mas não sabemos se será possível”, adiantou a diretora, explicando que os espaços são escassos e os que existem estão “fora do alcance financeiro da Associação”.
“Estamos a ser bombardeados por efeitos colaterais da bolha imobiliária”. O lamento é de Rui Pedro Martins, fundador da associação de moradores “Vizinhos do Areeiro”, à qual muitos pais se dirigiram “a pedir ajuda”. Em declarações ao Observador, Rui Pedro Martins alertou que, naquela freguesia, o número de creches e jardins de infância é cada vez menor:
Nesta freguesia, já perdemos 244 vagas em creches e jardins de infância, nos últimos cinco anos”, explicou Rui Pedro Martins ao Observador.
A acontecer, a Associação São João de Deus “será a quinta a ser despejada” — algo que a diretora pedagógica acredita que terá “muito impacto na freguesia”. Não só porque 90 crianças poderão ficar sem creche e educação pré-escolar mas, “principalmente, porque há muito poucos equipamentos deste género na zona”, defendeu Rute Freitas, em declarações ao Observador.
Pais acusam associação de avisar com “pouca antecedência”
Os encarregados de educação foram “todos apanhados de surpresa”. “Alguns tomaram logo diligências para tentar resolver a situação. Outros permanecem na esperança — o que eu acho que é um risco ”, disse uma encarregada de educação ao Observador. Foram convocados, por email, no dia 8 de maio, para uma reunião, marcada para dois dias depois. Nessa reunião, a 10 de maio, foram informados de que a Associação “não poderia aceitar inscrições para o próximo ano letivo”, explicando-lhes o motivo. “Disseram que iam manter-nos informados, mas não aconteceu, até porque acho que eles próprios não sabem bem o que vai acontecer”, explicou a encarregada de educação, que não perdeu tempo a procurar uma alternativa para a filha, de três anos, que estava há um ano e meio na Associação São João de Deus.
Corri todas as escolas na zona. Não consegui vaga porque as inscrições no público abriram em fevereiro. No privado, as mensalidades variavam entre os 300 e os 600 euros — o que está fora do meu alcance”, disse a encarregada de educação ao Observador.
Com receio de não encontrar uma vaga para a filha, viu-se obrigada a aceitar pagar 300 euros por mês. “Posteriormente, consegui uma solução um pouco melhor. Mas a maior parte das pessoas não se reviu na minha situação e teve de optar pelo ensino particular”, revelou a encarregada da educação, que acusa a Associação de não avisar os pais “com antecedência”.
Deviam ter alertado os pais de imediato. Disseram-nos na reunião que andavam com negociações, desde janeiro ou fevereiro. Podiam ter avisado as pessoas logo nesse momento”, acrescentou.
A Associação São João de Deus não vai “aceitar matricular crianças, sem ter garantias para o arranque do ano letivo” revelou a diretora pedagógica ao Observador, adiantando: “Estamos a fazer os possíveis para que tudo volte ao normal.”
Câmara poderá assegurar proteção de cinco anos. Moradores dizem que é “adiar um problema”
Ao mesmo tempo que a Associação procurava (e continua a procurar) novas instalações, os responsáveis contactaram a CML para reconhecer a IPSS como uma entidade de interesse histórico, social e cultural local. A acontecer, a mudança de estatuto irá permitir proteger, por um período de cinco anos, a Associação São João de Deus de um despejo.
Assim que o vereador Ricardo Robles “tomou conhecimento da situação de possível despejo da Associação, determinou o seu reconhecimento como entidade de interesse, num despacho publicado no Boletim Municipal” de abril — que determinava também o reconhecimento de outras duas entidades, além da Associação São João de Deus –, confirmou ao Observador fonte do gabinete do vereador.
Os procedimentos para estas entidades iniciaram-se de imediato e será votada a proposta de reconhecimento da Associação São João de Deus na próxima reunião da Câmara Municipal de Lisboa a 25 de julho”, adiantou a mesma fonte.
Se a proposta for aprovada, a Associação São João de Deus passará a ser uma entidade de interesse histórico, social e cultural local, “beneficiando de uma proteção adicional do contrato de arrendamento”, explicou a mesma fonte.
Mas nem a possibilidade de uma proteção de cinco anos chega para tranquilizar os moradores. Para eles, essa proteção “não é uma solução do problema. É um adiamento”. Ainda assim, Rui Pedro Martins espera que “a CML use este prazo” para resolver o problema do Areeiro e também de Lisboa: “ Estamos a assistir, em Lisboa, a um desaparecimento de creches e jardins de infância. A Câmara tem de reforçar muito rapidamente a oferta pública”