terça-feira, 24 de julho de 2018

A incrível história de Arkady Babchenko ou como um jornalista anti-Putin encenou a própria morte


YURI KOCHETKOV/EPA

Arkady Babchenko é um jornalista exilado na Ucrânia, crítico das ações russas na Síria, na Chechénia e na Crimeia. Oleksiy Tsymbaliuk, ex-voluntário com a extrema-direita contra os russos presentes no leste da Ucrânia, foi contratado para o matar. E ele morreu, para as câmaras, para quase toda a família, para generalizada exasperação da comunidade internacional. Mas Babchenko apenas fingiu a sua própria morte. Os detalhes de toda a encenação são agora contados pela primeira vez pela BBC

Oleksiy Tsymbaliuk já tinha sido muitas coisas antes de se tornar no assassino do jornalista russo que morreu sem ter morrido. Naquele dia foi, em simultâneo, o seu carrasco e o seu redentor. Contactado por um ucraniano pró-Rússia para eliminar indivíduos que estivessem a trabalhar contra os interesses do Kremlin no leste do país, Tsymbaliuk tinha como missão matar Arkady Babchenko, o repórter russo exilado na Ucrânia que se tornou notícia depois de se saber que o seu assassinato tinha sido, afinal, encenado pelos próprios serviços secretos ucranianos (UBS) para impedir que Babchenko fosse mesmo abatido.
A história, contada pelo correspondente da BBC em Kiev, começa em abril de 2018, pouco mais de um mês antes da morte falsa de Babchenko, com um pedido bastante explícito por parte de Borys Herman, um fabricante de armas. “O Herman pediu-me que matasse umas pessoas, a maioria delas russas”, disse Tsymbaliuk à BBC. “Disse-me que eles estão contra os interesses da Ucrânia, que são nossos inimigos, que têm que ser eliminados e que um grupo de pessoas já tinha disponibilizado dinheiro para esta operação”, conta ainda. Tsymbaliuk aceitou.

As fotografias do suposto assassino de Babchenko disponíveis no Facebook tanto o mostram com roupagens de padre ortodoxo como em completa farda militar, na altura em que se ofereceu como voluntário para combater ao lado da extrema-direita no leste da Ucrânia, onde uma mistura de exército oficial e extremistas tentam combater a presença russa.

SERVIÇOS SECRETOS ENTRAM EM AÇÃO

Em vez de começar a planear o assassinato, Tsymbaliuk foi direitinho aos serviços secretos ucranianos e contou o que lhe tinham encomendado. E foi aí que surgiu a ideia de que o ex-padre fingisse mesmo matar Babchenko.
“Conseguimos a informação e começamos a trabalhar com Tsymbaliuk. Dissemos-lhe que continuasse a agir como se fosse executar o plano de forma a conseguirmos mais informação sobre o crime”, disse o diretor dos serviços secretos, Vasyl Hrytsak, também à BBC.
“Pedi-lhe 30 mil dólares e Borys Herman disse que atirava mais 10 mil para pagar umas cervejas”, conta Tsymbaliuk. A primeira parte do dinheiro foi entregue perto de um centro comercial em Kiev mas os agentes especiais dos SBU já tinham dado instruções a Tsymbaliuk, que gravou tudo com uma câmara escondida.
Através de informações recolhidas por ele, a SBU conseguiu entender que o assassinato de Babchenko poderia ser apenas o primeiro de uma série de outros planeados para os meses seguintes. Os agentes decidiram então falar com o alvo do assassinato para planearem a sua morte. “Só deixando este crime acontecer poderíamos ter acesso à lista de nomes que eles queriam eliminar”, disse Hrytsak.

O DIA EM QUE BABCHENKO DISSE À MULHER QUE IA "MORRER"

Conhecido opositor das ações de Putin na Ucrânia, Babchenko lutou na Chechénia e tornou-se correspondente de guerra na Geórgia e, mais tarde, na Ucrânia, observando de perto a tomada da Crimeia. Os seus artigos tornaram-se incómodos e, em 2017, fugiu para a Ucrânia de vez com a família. Numa entrevista à BBC, a mulher de Babchenko, Olga, conta o dia em que o marido lhe contou que ia "morrer", mas sem, de facto, morrer.
Uma noite, Babchenko preparou-lhe uma bebida forte e, quando ela perguntou o que passava, Babchenko contou-lhe dos planos dos serviços secretos. “Eu queria ter pegado nele e no nosso filho e simplesmente ir embora mas não sabia para onde, talvez para uma ilha deserta”.
“O que é que vais fazer?”, perguntou Olga ao marido.
“Apanhar estes répteis”, respondeu Babchenko.
Nas semanas do planeamento, o jornalista ficou em casa para evitar ser visto, até fingiu que se tinha magoado na perna para ficar mais tempo em casa. A 29 de maio passado, os serviços secretos deram luz verde à operação e começou a parte mais cinematográfica da história, mas também a mais perigosa.

"COMI UMA SOPA, METI-ME NUM TÁXI E FUI MATAR BABCHENKO”

No programa Panorama, que a BBC exibe esta segunda-feira, os principais protagonistas descrevem aquele dia surreal. “Tudo normal, de facto. Comi uma sopa, meti-me num táxi e fui matar Babchenko”, conta, a rir, Oleksiy Tsymbaliuk.
“Tínhamos uma pessoa especializada em maquilhagem que me pintou cheio de sombras para parecer que tinha perdido imenso sangue. Os meus lábios tinham que estar ligeiramente manchados e depois puseram-me sangue de porco na boca. Quando estava a cair, depois de soarem os tiros, tossi um bocadinho para o sangue sair”, conta Babchenko.
À porta da casa de Babchenko estava um corpo inerte, o dele próprio, mas ele ia falando com os outros intervenientes na peça. “Não me façam rir, se eu me mexo vou provocar pequenas rachas na poça de sangue e é suposto o sangue secar”, contou Babchenko.

"SENTADO NA MORGUE, A FUMAR UM CIGARRO E A OLHAR PARA A TELEVISÃO"

O jornalista foi levado para a morgue, e viu de lá, na televisão, toda a sua família e amigos a chorar por ele. A sua morte foi confirmada por um porta-voz da polícia e toda a imprensa internacional se incendiou.
Nesse mesmo dia, o assunto foi mencionado nas Nações Unidas. Vários países redigiram comunicados expressando preocupação. Amigos do jornalista culparam a Federação Russa publicamente - uma suspeita que ainda não se dissipou pois ainda não se sabe se alguém falou com Herman para ele executar o ataque ou se foi uma escolha do próprio fabricante de armas.
“Foram as duas ou três horas mais estranhas da minha vida. Sentado na morgue enrolado em panos como o Gandhi. A fumar um cigarro e a olhar para a televisão, para todas aquelas pessoas a dizerem que eu era um tipo extraordinário. Na sala ao lado, um patologista serrava o crânio de alguém”, disse o jornalista.

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