4 ANOS SEM MEU IRMÃO AYOB
Hoje, 2 de Julho, passam quatro anos após o falecimento do meu irmão Ayob Abdul Satar. Há quem diga que o tempo é remédio para tudo, até nos pode fazer esquecer a perda de um ente querido. É mentira. Quando a gente perde alguém especial nunca esquece. Todos os dias me lembro do meu irmão Ayob.
Com Ayob passamos momentos bons e maus, sobretudo quando ambos estávamos privados de liberdade. Foram anos difíceis, de superação. E tinha o Ayob do meu lado para me apoiar em tudo. Era uma pessoa especial. Alguém que se não deixava derrubar por nada. Provavelmente escrever este texto é uma forma de minimizar a dor, a saudade que tenho do meu irmão.
Alguém, deliberadamente ou não, tirou a vida ao meu irmão amado. Deus, o todo-poderoso, quis que em menos de um ano do falecimento do meu irmão Ayob, eu tivesse um filho varão. Dei-lhe o nome de Ayob Satar, justamente para apaziguar a dor e ao olhar no seu rosto, recordar-me do quão gratificante foi ter conhecido aquele homem especial a quem haviam colocado o nome de Ayob Abdul Satar.
Quase à hora da quebra do jejum, estava eu sentado em minha cela (ainda estava privado de liberdade), quando recebi um telefonema cuja voz doutro lado, embargada, balbuciava qualquer coisa como isto: “O teu irmão Ayob foi alvejado. Está entre a vida e a morte. Vai à caminho do hospital”. Fiquei sem chão. Tudo apagou-se. Mal conseguia engolir até a minha própria saliva. Havia se feito um nó na minha garganta. E mil vezes me perguntei: como? É que Ayob, ao que eu sabia, havia viajado a Paquistão para visitar os seu filhos. Fez-se um silêncio. Os minutos pareciam uma eternidade. Queria quem me pudesse dizer que o que acabava de ouvir não passava de um brincadeira. Silêncio!
Vinte minutos depois, voltei a receber uma outra chamada. Era a sentença final: Ayob já não estava entre nós. Não sei se alguém poderá imaginar quanta dor me evadiu. Eu, praticamente, não podia fazer nada. O meu irmão acabava de ser assassinado. Eu estava preso. Não havia quem me amparasse. Estava tudo nebuloso. Chorei copiosamente.
Posto isto, nada foi fácil. Pior para a minha família. Arregacei as mangas. Ayob não me havia ensinado a vacilar. Por isso que com toda burocracia existente no Paquistão, graças a Deus consegui trazer o corpo de Ayob para Maputo. Ele foi enterrado a escassos metros da campa do meu falecido pai.
As circunstâncias que rodearam a morte de Ayob ainda não são claras. As versões são inesgotáveis. A minha mãe, até hoje está inconsolável. É vontade dela que a morte de Ayob seja vingada. Eu, repetidamente, tenho dito que não vamos fazer justiça. Cabe a Deus cumprir com essa missão.
A foto que acompanha este texto, tirei com o meu irmão Ayob à saída do julgamento. Foi depois de termos sido ilibados no processo Albano Silva.
Ayob ensinou-me a vida. Aprendi com ele a nunca ter medo de um semelhante e que só devia temer a Deus. Ensinou-me que quem cala consente. Dizia que quando a verdade está connosco, pode até demorar uma eternidade, mas sempre sairemos vitoriosos.
Quando Ayob foi preso, pesavam contra si apenas um processo, nomeadamente “Caso Carlos Cardoso”. Albano Silva, usando das suas influências, conseguiu com que Ayob também fosse implicado no processo BCM. Mais tarde viria igualmente a ser acusado no “Caso Albano Silva”. Tudo isto foi para reforçar a sua condenação no “Caso Cardoso”. Recordo-me que em 2003, durante a leitura da sentença, o juiz Augusto Raul Paulino disse que Ayob estava envolvido nos processos Albano Silva e BCM.
Em 2004, o juiz Ashirafo Aboobakar declarou Ayob inocente no processo BCM. Em Julho de 2008, o juiz Dimas Marrôa declarou Ayob e todos os réus inocentes no processo Albano Silva. Quanta maldade do juiz Paulino!
Um dia sobre este assunto ainda vos direi mais. Algumas coisas que vos escrevo são retiradas do meu livro ainda no prelo.
Em 2003, Paulino ainda era juiz da 10ª Secção. As fases preliminares do processo Albano Silva couberam a ele. O procurador do processo era um tal de Mpfumo. Este, no entanto, não havia acusado neste processo o Ayob e o Vicente Ramaya. Porém, Paulino, por canalhice, puxou ao processo o Ayob mesmo sem provas.
Pouco tempo depois, Paulino, porque bom menino do sistema, foi promovido. No seu lugar ficou o juiz Dimas Marrôa. Em 2008 houve o esperado julgamento do “Caso Albano Silva”. Recordo-me que durante o julgamento, Albano Silva tinha a seu soldo alguns órgão de comunicação social que se encarregavam de ludibriar a opinião pública sobre o que se discutia no julgamento.
Durante todo o mês que durou o julgamento, Ayob e eu, antes de irmos a sessões do julgamento, líamos os jornais do dia. É ao regressarmos do julgamento que sempre sentávamos e redigíamos o nosso direito de resposta sobre as mentiras publicadas. Não deixávamos para o dia seguinte. Éramos metódicos.
O nosso direito de resposta, publicávamos noutros jornais e sempre era com o conhecimento do juiz Dimas Marrôa. Numa dessas sessões de julgamento, o juiz Dimas chamou atenção ao Ayob, dizendo-lhe que assuntos relacionados com os jornais não eram do seu interesse. Por isso não queria que lhe mandássemos cartas para o seu conhecimento. Nessa altura, chegámos à triste conclusão de que Dimas não era diferente de Paulino. Também estava feito com Albano Silva.
Houve uma outra sessão em que eu estava tentar esclarecer ao juiz que Albano Silva estava a fazer de tudo para manipular o processo. Nesse dia, Albano Silva estava presente na sala do julgamento. Ele se levantou, desrespeitando todo o protocolo, desacreditou-me diante do juiz. Ayob, por sua vez, por ver que o juiz se mantinha passivo, também se levantou e disse ao juiz Dimas Marrôa que ele admitia as baboseiras de Albano Silva só porque este era esposo da primeira-ministra.
Dimas Marrôa, com semblante carregado, tirou o Ayob da sala do julgamento. E a nossa convicção de que este juiz também estava feito com Albano Silva aumentou exponencialmente.
Faltando um dia para a leitura da sentença, fui ter com Ayob à sua cela. Pedi-lhe para que não se fizesse presente na sala de audiências no dia da sentença. Estávamos convencidos de que Dimas Marrôa iria nos condenar mesmo sem provas. Por isso era melhor eu estar presente e Ayob não. Só um passaria por mais uma vergonha.
Disse para que o Ayob inventasse uma indisposição, talvez doença. Ele, como sempre, disse e recordo-me bem das suas palavras: “Nini: eu nunca menti. Não posso fazer isso!”. Disse-lhe para que se não preocupasse. Posteriormente, organizei tudo com o médico da cadeia para que Ayob não estivesse presente na sentença.
Às cinco horas da manhã do dia 1 de Julho de 2008, o médico da cadeia ligou para o director da BO, o senhor Matangala, a partir da cela de Ayob. Disse ao director que Ayob não podia estar presente na sentença por questões de saúde. O director, por sua vez, informou ao juiz Dimas.
Dimas, porém, não aceitou a desculpa e mandou para que Ayob fosse informado de que lhe queria à hora da sentença, mesmo que fosse levado numa maca. Eu, ao chegar à cela de Ayob, disse-lhe que já não nos restava mais nada e que Dimas, efectivamente, nos iria condenar. E fomos para leitura da sentença.
Pelas 10 horas da manhã, a sentença foi lida na presença de todos os réus,Advogados,jornalistas,assistentes e o próprio Albano silva e no fim, o juiz Dimas Marrôa disse: “Em nome da República de Moçambique, absolvo todos os réus por insuficiência de provas!”. Não imaginam quanta alegria. Festejamos. Abraçámo-nos.
Albano silva e o paul fauvet ficaram envergonhados.
E Dimas voltou a dizer: “Sou um juiz e não tenho medo de ninguém. Ayob um dia ofendeu-me nesta sala ao dizer que deixava o Albano Silva falar à vontade porque era esposo da primeira-ministra. Não é verdade. Deixei-lhe falar apenas porque queria perceber até que ponto vão as suas mentiras. Um juiz não deve ter medo de ministros nem de ninguém. Tem que fazer o seu trabalho”.
Ao fim de tantos dias de angústia, percebemos, enfim, que em Moçambique ainda havia alguns juízes sérios. Dimas Marrôa não tinha nada que ver com a marionete de Paulino. Talvez seja por isso que não progrediu na sua carreira. Mas uma coisa é certa: dorme o sono dos justos!
Ayob Satar era um irmão com muita responsabilidade e de poucas falas. Os que lhe conheceram sabem que ele tinha poucos amigos e tinha uma rotina definida: casa/escritório e escritório/casa. Era um homem que cumpria com a sua palavra.
Antes de ficarmos privados de liberdade, morávamos na mesma casa. Lembro-me que as horas de jantar eram sagradas. Quando eu quisesse sair de noite, ele perguntava a que horas voltaria. Lembro-me que só apagava a luz do quarto dele quando ouvia o som do meu carro a entrar na garagem. Tinha por mim um amor incondicional.
Para investigar quem matou e quem mandou matar Ayob, posso ter resultados em uma semana. Contudo deixo esta missão à mão de DEUS. Só ele pode fazer justiça. Os que conheceram Ayob sabem que ele não era capaz de fazer mal mesmo a uma mosca!
Nini Satar
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