Se alguém tinha dúvidas sobre a balbúrdia que reina no Palácio de José Eduardo dos Santos, basta ler dois recentes actos jurídicos emanados da Presidência da República para perder as ilusões.
Leia-se o despacho presidencial interno n.º 17/17, de 25 de Julho, aparentemente assinado pelo Presidente, e a anterior circular n.º 27/ 2017, de 19 de Junho, exarada pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR, Manuel da Cruz Neto.
Na circular, Cruz Neto informa que os presidentes dos conselhos de administração das várias entidades públicas devem preparar um relatório sobre a entidade que dirigem para ser entregue ao novo Governo resultante das eleições.
Sendo uma mera nota de serviço, a circular não demite ninguém e não cessa mandatos — nem poderia fazê-lo.
Contudo, a circular está escrita de forma medíocre e pomposa, com um linguagem de tal modo arrevesada que leva a mal-entendidos. E assim, muitos pensaram que através desta circular Cruz Neto tinha demitido Isabel dos Santos da Sonangol, Filomeno dos Santos do Fundo do Soberano, bem como todos os outros príncipes, barões e ladrões que ocupam as presidências das variadas entidades públicas.
Instalou-se o pânico. Então depois de tanto trabalho para colocar os Infantes de Angola à frente da Sonangol e do Fundo Soberano, limitando os poderes reais do futuro presidente da República, vem um subordinado do pai-presidente estragar tudo e declarar vagos os cargos a partir das eleições gerais? Não, isso era intolerável.
Surge então o bizarro despacho presidencial interno. O presidente puxa as orelhas ao seu ministro, que aparentemente tinha emitido uma circular com instruções inaceitáveis. Na realidade, as instruções eram bastante simples, mas estavam muito mal redigidas.
Para que não haja dúvidas sobre o futuro dos seus filhos à frente da Sonangol e do Fundo Soberano, o presidente explica no seu decreto, de forma muito clara (talvez haja aqui mão de um jurista experiente como Carlos Feijó) que a cessação do mandato do presidente da República e dos seus ministros não implica a cessação do mandato dos titulares dos órgãos da administração indirecta do Estado, como empresas, institutos públicos ou similares, uma vez que estes são nomeados de acordo com a lei para mandatos fixados temporalmente no acto da nomeação.
Assim, em termos simples, não é por sair o presidente da República que cessam automaticamente os mandatos de Isabel dos Santos na Sonangol ou de Filomeno dos Santos no Fundo Soberano. Estes mandatos só terminam no final do prazo estipulado.
Por isso, e para evitar confusões, o presidente revoga a circular do seu chefe da Casa Civil.
Toda esta trapalhice demonstra que o presidente já não governa, pois deixou que o seu chefe da Casa Civil emitisse uma circular que gerou a maior confusão. Dos Santos teve de revogar a circular, num acto de prepotência que humilhou o seu colaborador.
Para evitar a humilhação, teria bastado que Cruz Neto emitisse uma segunda circular interpretativa. Em vez disso, o presidente chamou o seu ministro de burro e não o deixou sair da trapalhice com dignidade.
Surpreende que uma circular mal redigida gere tanto pânico e obrigue a uma intervenção desproporcionada do presidente. Há medo no Palácio Presidencial. E há balbúrdia. Vivem-se os dias do fim.
Mais importante do que circulares e despachos, mais importante do que quaisquer artifícios e recursos legais para tentar legitimá-los, convém não esquecer que Isabel dos Santos e Filomeno dos Santos ocupam os referidos cargos porque o pai os pôs lá. São cargos políticos que personificam o nepotismo que José Eduardo dos Santos normalizou ao longo do seu reinado. É por isso que, se alguma decência moral lhes restar, os filhos do presidente deverão anunciar que colocam o seu lugar à disposição do novo Governo.
Aliás, um dos argumentos mais ouvidos em defesa da nomeação de Isabel dos Santos foi o de que se tratava de um acto político, da exclusiva competência do presidente, não podendo ser sindicado pelos tribunais. Ora, se foi uma decisão política, resultante de uma decisão livre do presidente, não se pode agora alegar razões administrativas e formais para sustentar que a “princesa” permaneça o cargo.
Como dizem os ingleses (tão apreciados pelos filhos do presidente): “You can’t have your cake and eat it too” (não se pode ter um bolo e comê-lo ao mesmo tempo).
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