Moçambique: a penosa metamorfose da Frelimo
Ao fim de 42 anos de poder absoluto, a Frelimo é forçada a aceitar o pluralismo político. Do velho partido maoísta e anti-português já pouco resta – a não ser os tiques ditatoriais de quem tudo quer e tudo manda.
Tem sido um lento e penoso caminho desde que os dirigentes maoístas da Frelimo, com Samora Machel à cabeça, se impuseram na mesa das negociações a um MFA dominado pelo PCP, em 1975.
Chegaram ao poder quase sem terem de mexer um dedo e instalaram-se a seu bel-prazer, apoderando-se da riqueza imensa de um Moçambique em pleno desenvolvimento – uma terra de esperança de que os moçambicanos brancos foram expulsos em condições dramáticas e revoltantes. Pela força das armas afastaram do poder todos os rivais, sacrificando o país numa guerra civil cruel e sem sentido e reduzindo-o a uma miséria pungente.
Aburguesaram-se, entretanto, e depressa esqueceram o socialismo e a revolução do campesinato com que no passado enchiam a boca: bem à mostra ficou o seu mais grosseiro desígnio de enriquecerem na podridão, de comprarem fato de seda em Lisboa e em Paris e de exibirem carros, casas e amores fáceis como troféus de caça.
Obrigados pela comunidade internacional a aceitar o pluralismo político, fingiram professá-lo enquanto se agarravam ainda mais aos ‘tachos’ e aos negócios de Estado. Dos terroristas anti-europeus de antigamente pouco ou nada lhes resta – e os poucos sobreviventes dos tempos da guerrilha contra Portugal são hoje relíquias secas apenas lembradas em aniversários oficiais. Agora, que soou a hora da verdade e têm de partilhar o poder com uma oposição obstinada, é com relutância que têm de admitir a trégua que há-de levar, se tudo correr bem, à paz duradoura prometida para o final deste ano.
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Os regimes de tirania comunista que se instalaram nas duas principais ex-províncias portuguesas em África deixaram um legado de corrupção, cleptocracia e desleixo que se mede por contrastes chocantes: ao lado da exibição de riqueza mais boçal, os sintomas da miséria mais pungente.
A desnutrição mata anualmente 26 por cento das crianças moçambicanas – apurou um estudo do Programa Mundial de Alimentação divulgado no final da semana passada em Maputo. Segundo o ‘Diário de Notícias’ da antiga Lourenço Marques, um em cada quatro casos de mortalidade infantil em Moçambique está associado à desnutrição. O problema, que tem graves consequências ao nível da saúde pública e da estrutura económica rural, custa anualmente ao país 1,6 mil milhões de dólares, o equivalente a 10,96 por cento do Produto Interno Bruto.
O estudo do Programa Mundial de Alimentação, intitulado “Custo da fome em África”, refere ainda que 42,7 por cento das crianças em Moçambique têm baixo crescimento e apenas 45,2 por cento das que registam índices de desnutrição recebem cuidados de saúde adequados.
“A maioria dos problemas de saúde associados à desnutrição ocorre antes que a criança atinja três anos de idade”, lê-se no estudo. A mortalidade infantil associada à desnutrição reduziu a força de trabalho de Moçambique em 10 por cento e 60,2 por cento da população adulta já sofreu de problemas de crescimento, quando era criança.
“As crianças afectadas por problemas de crescimento são mais propensas a abandonar a escola. Estima-se que apenas 12 por cento dos adultos afectados em Moçambique completaram a escola primária, em comparação com 84 por cento de pessoas com crescimento normal”, destaca o estudo.
A avaliação refere que um quarto da população do país é desnutrida, apesar de Moçambique ter atingido em 2015 o “Objectivo de Desenvolvimento do Milénio”, ao reduzir para metade o número de pessoas com fome. Por outro lado, cerca de um quarto da população sofre de insegurança alimentar crónica, o que significa que não sabe se terá uma refeição.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentação, as taxas de desnutrição são persistentemente altas entre as crianças, devido aos elevados índices de doenças infecciosas, principalmente malária, e ao mau acesso aos serviços de saúde, água e saneamento.
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Lusofonia: Denúncias no Comité Central deixam Frelimo de rastos
O ambiente de cortar à faca no órgão supremo do partido no poder em Moçambique desde 1975 obrigou a que a última reunião decorresse à porta fechada. Mas o que lá aconteceu acabou por transpirar…Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Assim parece estar a acontecer na Frelimo, o partido político que foi único em Moçambique até 1990 e que mesmo depois disso tem conseguido afastar do poder toda e qualquer oposição.O tempo da hegemonia, contudo, parece ter os dias contados. Na última reunião do Comité Central da omnipotente Frelimo, dirigentes históricos do partido confessaram abertamente as dificuldades crescentes que estão a enfrentar na captação das simpatias populares, sobretudo no Centro e Norte do país, onde a Renamo e os outros partidos da oposição encontram, pelo contrário, terreno cada vez mais favorável.O tom das críticas tornou-se insuportável para os actuais dirigentes da Frelimo e a reunião acabou por se realizar à porta fechada, apenas com a participação dos membros do Comité Central. Mas o descontentamento é tal que nem mesmo assim foi possível esconder as denúncias ali feitas.Segundo o jornal moçambicano ‘Mediafax’, as “indisfarçáveis cisões e consequentes construções de alas” na Frelimo reflectiram-se na reunião, destinada a analisar a “situação interna do partido governamental”, num momento em que se preparam já as próximas eleições: autárquicas em 2018 e legislativas em 2019.- Leia este artigo na íntegra na edição impressa desta semana.
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