Fukushima, ProSAVANA e Ruth First
Análise de "Mitos por trás do ProSAVANA" de Natália Fingermann
Dra. Sayaka Funada-Classen
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Fukushima, ProSAVANA e Ruth First:
Análise de "Mitos por trás do ProSAVANA" de Natália Fingermann
Sayaka Funada-Classen1
sayakafc@tufs.ac.jp
Introdução............................................................................................................................................ 1
2. A base dos três "mitos" de Fingermann......................................................................................... 2
2.1. Examinando o “Mito 1 – o ProSAVANA é uma réplica do PRODECER”.............................. 2
2-1-1. As origens da idéia de que o “ProSAVANA é uma réplica do PRODECER”.................. 2
2-1-2. "Aspectos negativos do PRODECER não são escondidos pelo Japão”? ......................... 4
2-1-3. “A iniciativa trilateral melhorará a transparência diferentemente do PRODECER”? 6
2-1-4. “Os Projectos de Rápido Impacto estão a considerar os impactos sociais e ambientais”?
....................................................................................................................................................... 7
2-2. Examinando o “Mito 2 – ProSAVANA vai usurpar terras aos pequenos agricultores”....... 9
2-2-1. O Plano Director prepara uma via segura para os investidores.................................... 9
2-2-2. “O Fundo de Nacala não tem qualquer ligação com o ProSAVANA"? ..........................11
2-3. Examinando o "Mito 3 – Há conflitos entre o agronegócio e os pequenos agricultores"... 12
2-3-1. “Apenas um caso de conflito de terras" entre agronegócios e agricultores na região?12
2-3-2. Conflitos de terras observados na área alvo do ProSAVANA....................................... 13
Conclusões ......................................................................................................................................... 14
Introdução
Quando li o artigo intitulado "Os mitos do ProSAVANA2
" no Boletim IDeIAS (publicado pelo IESE a 29 de
Maio de 2013
3
) escrito por Natália Fingermann, a primeira coisa que me veio à mente não foi a cooperação
triangular denominada ProSAVANA4
(Cooperação Triangular para o Desenvolvimento da Agricultura na
Savana Tropical em Moçambique) ou Moçambique. Foi o Acidente Nuclear da TEPCO que teve lugar em
Fukushima, no meu país, Japão, em 11 de Março de 2011. Depois pensei em Ruth First, que lutou pela
1 Dr. Sayaka Funada Classen é Professora Associada na Tokyo University of Foreign Studies (TUFS) desde 2008. Tem vindo a
trabalhar e a fazer pesuisa no norte de Moçambique desde 1994, tendo ganho um prémio pela autoria da sua dissertação de
Ph.D.: “The Origins of War in Mozambique: a history of unity and divisions”, agora disponível online em The African Minds
(http://www.africanminds.co.za). É co-autora de “The Japanese in Latin America” publicado pela Illinois University Press em
2004. Ela foi pesquisadora associada no Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane (Maputo) de 1997 a
2009. O seu trabalho anterior sobre o ProSAVANA: “Analysis of the discourse and background of the ProSAVANA program in
Mozambique – focusing on Japan’s role” e “Análise do Discurso e dos Antecedentes do Programa ProSAVANA em
Moçambique – enfoque no papel do Japão” estão disponíveis em http://farmlandgrab.org/post/view/21574 em Inglês, e em
http://farmlandgrab.org/post/view/21802 em português.
2 O detalhe do ProSAVANA está em: http://www.jica.go.jp/english/our_work/thematic_issues/south/project07.html
3
Fingermann, Natalia N. (2013)“Os mitos por trás do ProSAVANA”, IDeIAS Boletim, IESE.
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/ideias_49.pdf
4 O ProSAVANA compõe-se de três actividadess: ProSAVANA-PD para a preparação do Plano Director (Março 2012-Setembro
2013); ProSavana-PI para o melhoramento da pesquisa sobre desenvolvimento agrário (Maio 2011-Abril 2016);
ProSAVANA-PE para o melhoramento da exetensão agrícola (JICA, 25 de Janeiro, 2013; Report nº 1, 2013:1-1).
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libertação de África e dos africanos, e que foi morta por uma bomba que lhe foi enviada , pelo regime do
apartheid sul-africano, para o CEA (Centro de Estudos Africanos) em Maputo, em 1982..
Comecei a pensar sobre "o papel dos investigadores", principalmente questões como "que interesses
devem servir os investigadores", e "como podem os investigadores contribuir para evitar danos futuros". No
final do artigo, ela pede para a sociedade civil e os académicos "trabalharem de uma maneira responsável",
fazerem críticas "com bases reais", e abrirem canais de "comunicação produtiva". Eu concordo totalmente
com ela. Porque foi isso que aprendi do CEA e da Ruth First. Também porque depois do acidente nuclear de
Fukushima, muitos investigadores japoneses tiveram de parar e reconsiderar seriamente o papel, objectivo,
responsabilidade e abordagem da sua investigação.
No entanto, Fingermann chama "mitos" às vozes críticas de escritos académicos e de organizações
da sociedade civil sobre o ProSAVANA. Ela lista os três "mitos" seguintes: (1) "o ProSAVANA é uma réplica
do PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para Desenvolvimento dos Cerrados)
5
"; (2) "o
ProSAVANA vai usurpar terras aos pequenos agricultores moçambicanos"; (3) "há conflitos entre o
Agronegócio e os pequenos agricultores" (Fingermann, 2013:2). Li os argumentos e o raciocínio dela e fiquei
baralhada porque não encontrei quaisquer "bases reais" para chegar a essa conclusão.
Neste artigo, examinarei os argumentos de Fingermann referentes aos três "mitos por trás do
ProSAVANA", com base na análise de documentos públicos e não-públicos obtidos pelo método de acesso
público e observação participante, fontes dos média, entrevistas, e discursos (em português, inglês e japonês),
e uma abordagem comparativa. No final deste artigo, gostaria de trazer a questão da "investigação
responsável" para a discussão do ProSAVANA, com base nas discussões da academia no Japão
pós-Fukushima, e por Ruth First.
2. A base dos três "mitos" de Fingermann
2.1. Examinando o “Mito 1 – o ProSAVANA é uma réplica do PRODECER”
Fingermann partilha três razões pelas quais pensa que estas compõem o "mito 1": (a) "as diferenças entre os
momentos históricos e a situação política do Brasil nos anos 1980' e em Moçambique hoje", e "os aspectos
negativos do PRODECER são reconhecidos e não escondidos pelos governos do Japão e do Brasil"; (b) "a
iniciativa trilateral melhorará a transparência diferentemente do PRODECER, uma iniciativa puramente
japonesa"; e (c) "Os Projectos de Rápido Impacto (do ProSAVANA) estão a considerar o impacto ambiental e
incluem a agricultura familiar", não como no PRODECER (ibid.:1).
2-1-1. As origens da idéia de que o “ProSAVANA é uma réplica do PRODECER”
É verdade que o PRODECER é um programa de há 20-30 anos, implementado numa região e país diferentes,
tal como Fingermann refere em (a). No entanto, não foram académicos nem a sociedade civil os primeiros a
colocar essa ênfase, como se "o Norte de Moçambique fosse semelhante ao Cerrado" ou uma tentativa de
recuperação "para trazer o sucesso do PRODECER ao ProSAVANA".
Como se sabe, a primeira pessoa a usar oficialmente a expressão "uma réplica do PRODECER" foi
5 O PRODECER é um projecto de Cooperação Japão-Brasil para o Desenvolvimento da Agricultura na região do Cerrado
brasileiro, que durou de 1979 a 1999.
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o Ministro da Agricultura moçambicano, José Pacheco, que fez a seguinte declaração pública após o seu
encontro com delegados da JICA (Agência Japonesa de Cooperação Internacional) no final de 2012: "O
Pro-Savana é uma réplica de um programa de cooperação bilateral que ocorreu no Brasil há 30 anos, numa
região com características idênticas às do Corredor de Nacala. (...) Vemos todos com bons olhos a
possibilidade de fazer essa réplica em Moçambique" (AIM, 25 de Dezembro de 20126
). A sua declaração
publicada pela AIM foi "apoiada oficialmente" pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão,
MNE-Japão (28 de Fevereiro de 20137
). Sendo assim, porque escreve Fingermann como se tivesse sido a
sociedade civil a primeira a usar esta expressão?
Pelo contrário, a primeira declaração da UNAC (União Nacional de Camponeses, a maior
associação de camponeses de Moçambique) usou exactamente a mesma expressão que Fingermann no seu
artigo (Fingermann, 2013:1): "[O ProSAVANA] foi inspirado por um projecto de desenvolvimento
agrícola anterior, implementado pelos governos do Brasil e do Japão no Cerrado brasileiro" (UNAC, 11
de Outubro de 20128
).
De facto, foi o Japão que promoveu essa imagem (do PRODECER ao ProSAVANA) na fase inicial
do programa, embora não tenham usado o termo "réplica". Isto pode ser confirmado em muitos documentos
publicados pela JICA (JICA 30 de Junho, 2009; JICA 28 de Setembro, 2009; JICA 31 de Julho, 2012), como
analisei nos artigos anteriores (Funada-Classen, 2013ab9
). No relatório final do estudo preparatório do
ProSAVANA, pode ver-se claramente até que ponto era importante para os actores brasileiros e japoneses
trazer o PRODECER ao ProSAVANA (JICA, 201010: S-1). O relatório explica da seguinte forma o objectivo e
o processo de formulação do ProSAVANA: (1) a contribuição do Japão para o Cerrado (PRODECER) foi um
sucesso; (2) a cooperação entre o Brasil e o Japão é da maior importância; (3) "a savana tropical africana é
um alvo para (2); (4) "Moçambique deverá ser seleccionado como primeiro caso" para (3), para
implantar as tecnologias adquiridas pelo PRODECER (ibid.). A prioridade do estudo preparatório foi
identificar "semelhanças com" e "o que pode ser usado das" experiências do Cerrado brasileiro (ibid.),
embora o acordo do ProSAVANA tenha sido assinado com base em "factos" das "características
agro-ecológicas comuns/semelhantes entre o norte de Moçambique e o Cerrado" (JICA, 28 de Setembro,
200911). Assim sendo, descobrir as realidades dos pequenos agricultores locais, que representam 80% da força
de trabalho e ocupam 95% da terra arável (INE, CAP 2009-10), tonou-se secundário. No mesmo estudo foram
realizadas apenas 20 entrevistas com "agricultores" locais (incluindo os de média e grande escala), embora o
6 AIM (em português), 25 de Dezembro, 2012, “Governo Reitera que o Projecto Pro-SAVANA não vai confiscar terras de
camponeses” http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/652525122012154125.html. A versão inglesa (não idêntica) em AIM, 26 de
Dezembro, 2012, em http://farmlandgrab.org/post/view/21464
7 Durante a visita oficial do Presidente da UNAC Augusto Mafigo e um representante da Justiça Ambiental, a ONG
moçambicana, ao MNE-Japão em 28 de Fevereiro, 2013.
8
"Declaração sobre o Programa ProSAVANA" da UNAC, 11 de Outubro, 2012.
http://www.unac.org.mz/index.php/7-blog/39-pronunciamento-da-unac-sobre-o-programa-prosavana
http://farmlandgrab.org/post/view/21211 (em Inglês)
9
Funada-Classen (2013b) Análise do Discurso e dos Antecedentes do Programa ProSAVANA em Moçambique – enfoque no
papel do Japão”. http://farmlandgrab.org/post/view/21802 ; Funada-Classen (2013a) “Analysis of the discourse and background
of the ProSAVANA program in Mozambique – focusing on Japan’s role”. http://farmlandgrab.org/post/view/21574
10 JICA (2010)『モザンビーク国 日伯モザンビー三角協力による熱帯サバンナ農業開発協力プログラム準備調査最終
報告書』http://libopac.jica.go.jp/search/detail.do?rowIndex=1&method=detail&bibId=0000252732
11 JICA Topics (2009) 「日本とブラジルがモザンビークで農業開発協力―ブラジル・セラード農業開発の知見を生か
して」 http://www.jica.go.jp/topics/2009/20090928_01.html
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seu orçamento fosse de mais de 8 milhões de dólares (ONG-MNE-Japão, 13 de Dezembro, 201212).
Qual foi o resultado deste estudo, uma questão de "descobrir as semelhanças do Corredor de Nacala
com o Cerrado"? Tanto a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) como a JICA tiveram
de admitir os seguintes factos: "nestas áreas (ao longo da EN13, o Corredor), não há terra arável onde se
possa desenvolver agricultura de larga escala, e não há terras semelhantes ao Cerrado. (...) estes factos
deixam dois desafios na busca de um desenvolvimento agrário virado para o mercado (EMBRAPA, in
JICA, 2010:S-23). Como toda a gente sabe, a área ao longo do Corredor caracteriza-se por terras férteis e
abundância de água, sendo, portanto, a mais populosa. Não como o Cerrado, onde o solo não era fértil, com
grande acidez e alto teor de alumínio, e onde a densidade populacional era baixa (Mozambique News &
Clippings, nº 210, 201213).
Com base na investigação para apurar a realidade, a EMBRAPA identificou duas questões
problemáticas: (a) a impossibilidade de introduzir tecnologia de agricultura comercial; e (b) a produção
dos pequenos e médios agricultores tinha de ter mais importância "durante um certo tempo"
(EMBRAPA, in JICA, 2010: S-23). Para fazer coincidir os interesses do ProSAVANA com os interesses
brasileiros, mas não com os dos agricultores locais ou as suas realidades, a EMBRAPA recomendou
veementemente a inclusão de 6,400,000 ha de terras da província do Niassa além daquela terra ao longo do
Corredor de Nacala, onde a densidade populacional é baixa e a floresta é densa. No entanto, a área já não se
encontra ao longo do Corredor, enfatizando assim a "semelhança com o Cerrado" (ibid.). Os três governos
concordaram. Se o objectivo do programa fosse de facto apoiar os agricultores locais, como enfatizaram
recentemente os agentes do ProSAVANA (Presidente da JICA, 22 de Fevereiro, 201314; Ministro da
Agricultura, 2 de Abril, 201315), porque é que o programa tinha de incluir essa área com base nessas razões?
2-1-2. "Aspectos negativos do PRODECER não são escondidos pelo Japão”?
Examinemos a razão de Fingermann na segunda metade de (a) (Fingermann, 2013:1). Em nenhum dos
relatórios publicados pela JICA sobre o PRODECER consegui encontrar qualquer descrição ou análise clara
dos aspectos negativos do programa, excepto nalgumas frases em (JICA, 2010; 200116). Que documento está
Fingermann a consultar? Pelo contrário, é mais frequente ouvir o governo japonês e a JICA falar do
PRODECER como um "sucesso" e um "milagre". Isto fica evidente no título de um livro escrito pelos
guardiões do PRODECER da JICA, o planificador do ProSAVANA, Yutaka Hongo, e o ex-director do
Instituto de Pesquisa da JICA, Akio Hosono, "O Milagre do Desenvolvimento do 'Cerrado', Terra Árida no
Brasil"17. Os dois autores chegam mesmo a dizer que o PRODECER foi "ambientalmente prudente", e
12 Actas das reuniões regulares entre as ONG japonesas e o MNE-Japão no ODA Policy Council em 14 de Dezembro, 2012,
realizada no MNE-Japão, Tokyo. http://www.mofa.go.jp/mofaj/gaiko/oda/shimin/oda_ngo/taiwa/oda_seikyo_12_2.html
13 MOZAMBIQUE 210 - News reports & clippings, “Pacheco says peasants protected, but Pro-Savana land grab debate
continues” 28 de Dezembro, 2012:5.
http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/sites/www.open.ac.uk.technology.mozambique/files/pics/d137381.pdf
14 JICA (2013)「田中理事長がモザンビークを訪問」22 de Fevereiro, 2013.
http://www.jica.go.jp/press/2012/20130222_01.html
15 No seminário da JICA sobre ProSAVANA, 2 de Abril, 2013.
16 JICA 2001「PRODECER インパクト調査(地域開発効果等評価調査)帰国報告書」
17 É muito interessante anotar que os autores tiraram a palavra “Árida” do títlo da versão inglesa do mesmo lívro. O títlo dado
a esta versão é “Cerrado: Brazil’s Agricultural Revolution as a Model of Sustainable and Inclusive Development” (Hosono,
2013:63).
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promoveram uma imagem do PRODECER como amigo do ambiente durante a Conferência Rio+20 (JICA-RI
News&Topics, 201218). Para além disso, sempre que se discute o ProSAVANA ou o PRODECER, Hongo (da
JICA) levanta-se e diz: "as críticas são todas falsas. Vocês vão perceber se lerem o meu livro" (8 de Novembro
de 2012; 28 de Maio de 201319). Foram estas pessoas que planificaram o ProSAVANA e que dirigem o
programa no Japão e em Moçambique.
Na verdade, o PRODECER destruiu a maior parte do bioma de 345,000 ha do Cerrado (com outros
programas de desenvolvimento agrário conduzidos do governo brasileiro em 3 milhões de ha do Cerrado), que
era uma área rica em biodiversidade a nível mundial, onde se reconhece uma flora rica com 7,000 espécies e
alto nível de endemismo (Klink & Machado, 200520), e nascente das principais bacias hidrográficas brasileiras.
Segundo a mesma fonte, 50% do Cerrado "foi transformado em pastos e terra agrícola plantada com culturas
de rendimento" (Ibid.:1; IBAMA, 2009:12). No entanto, para Hongo & Hosono e o governo japonês, a região
do Cerrado é “terra árida”
21
.
O PRODECER chegou à fase final da promoção dos programas de desenvolvimento de mega-escala
no Cerrado durante o período do regime de ditadura militar (1964-85). Foi criticado pelos deputados estaduais
porque reproduzia “o modelo económico que foi imposto pelo Sistema a partir de 64”, e esta decisão (de
expandir as áreas do programa sob o PRODECER II) “não leva em conta a necessidade de mudança da
estrutura agrária brasileira (Diário de Manhã, 10 Março, 1984). Mas, no fim, os PRODECER I, II e III
resultaram da abertura de uma vasta área para apenas 717 "colonos de origem japonesa e europeia" vindos do
Sul do país porque eles eram “agricultores superiores (com capacidade de produzir de forma modernizada)”
(entrevista de Hongo, in JICA, Junho, 200922). Cada família de colonos vinda de fora, que tinha fundos
iniciais, recebeu cerca de 400-500 ha, com apoio financeiro, ao mesmo tempo que os locais lutavam por
conseguir terra, para ultrapassar uma distribuição de terras injusta, datada do período colonial. Como Maria
Erlan Inocêncio concluiu, o PRODECER promoveu ainda mais concentração de terra no Brasil (Inocêncio,
2010). Esta frustração manifestou-se em conflitos de terras por toda a região do Cerrado desde 1980 (Pessoa,
198823), mas isso não impediu que a JICA continuasse a distribuição injusta de terras e fundos (assistência),
alargando mesmo a área alvo a muitos outros estados (JICA, 198324), e inclusive abrindo a "fronteira agrícola"
vizinha da Amazónia.
Fingermann sugere que os que reconhecem os erros do passado (PRODECER) podem melhorar os
18 JICA-RI News & Topic, ”JICA-RI Conducts Research for an Upcoming Book on the Cerrado in Brazil”
http://jica-ri.jica.go.jp/topic/jica-ri_director_hosono_and_senior_advisor_hongo_conducted_field_studies_in_the_brazilian_cerr
ado_an.html
19 Observações da plateia nas palestras de representantes da sociedade civil brasileiros e japoneses sobre o PRODECER,
realizadas em Universidade de Meijigakuin em 8 de Novembro, 2012, e na Jochi University em 28 de Maio, 2013. Na palestra
do Presidente da UNAC na Tokyo University em 28 de Fevereiro, Hongo mais uma vez pegou no microfone da plateia,
perguntando ao president "porque não fala da China? É o agronegócio da China e da Europa que está a criar problemas.”
20 Klink, Carlos & Machado, Ricardo, “Concervação do Cerrado brasileiro”, Megadiversidade, vol.1.no.1, July 2005.
http://www.conservacao.org/publicacoes/files/20_Klink_Machado.pdf
21 Hongo e Hosono parecem que tiraram a expressão “árida” do títlo da versão inglesa deste lívro (Hosono, 2013:63).
http://jica-ri.jica.go.jp/publication/assets/Scaling%20Up%20South-South%20and%20Triangular%20Cooperation_PartI-Chapter
3_JICA-RI.pdf Isto mostra “duplicidade” típico dos actores governamentais que é evidente nas discussões do ProSAVANA.
22 JICA 「熱帯サバンナ開発にみる食料安全保障」 June 30, 2009. http://www.jica.go.jp/story/interview/interview_75.html
23 Pessoa, Vera Lucia (1988) “Acção do Estado e a Transformação Agrária no Cerrado das Zonas de Paracatu e Alto Paranaíba”,
MG, dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista.
“ http://www.lagea.ig.ufu.br/biblioteca/teses/docentes/tese_pessoa_v_l_s.pdf
24 JICA(2013)「PRODECER 拡大計画基礎一次調査報告書」.
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seus comportamentos no futuro (ProSAVANA), mas a sua suposição não se verificou. As sociedades de
Moçambique, Brasil e Japão não estão preocupadas com o que se passou há 20-30 anos, mas sim com o que
os parceiros da JICA (ainda) estão, no presente e oficialmente, a dizer, e como isto é herdado pelos
funcionários jovens da JICA no ProSAVANA. Por exemplo, como na seguinte observação: "Através do
PRODECER, a JICA conduziu projectos relacionados com o ambiente para promover a agricultura de
conservação (...) uma agricultura de grande escala baseada numa "Agricultura Familiar Tipo-Cerrado"
(...). A JICA acredita que o Japão pode contribuir para um desenvolvimento inclusivo e amigo do
ambiente (...) (Kota Sakaguchi, 15 de Novembro, 201225). A JICA não viu qualquer problema em enfatizar o
"sucesso da agricultura familiar do PRODECER" que ocupa área de 500 ha como uma experiência útil para o
norte de Moçambique onde agricultores familiares cultivam menos de 1 ha até ser criticada pelas ONGs
japonesas (o 1º encontro ONG-MNE(Japão) 26).
2-1-3. “A iniciativa trilateral melhorará a transparência diferentemente do PRODECER”?
Tal com Fingermann confirma (Fingermann, 2013:1), o PRODECER teve problemas de transparência. Desde
o início da década 1980 que houve muitas vozes críticas de deputados brasileiros, agricultores (com e sem
terra), organizações religiosas, associações e uniões, jornalistas, e mesmo instituições do governo (Câmara dos
Deputados, 198027
; Revista Urgente, 1981; Diário de Manhã, 10 de Março, 1984; Associação dos Engenheiros
Agrónomos do Estado de Goiás (AEAGO)28, 1984;Comissão Pastoral da Terra (CPT), 1984; 198529; San
Martin & Pelegrini, 198430; IPES31; e Pessoa, 1988). Embora estas discussões tenham tido lugar no Brasil dos
anos 1980, podemos observar uma rara coincidência nas descrições seguintes sobre problemas deste
programas: "o PRODECER é preparado do topo e de fora, e não houve consultas às pessoas (Pessoa, 1988:
128) e "temos notado uma insuficiência de informação e reduzida transparência por parte dos principais
actores envolvidos (...). O ProSAVANA resulta de uma política que vem do topo-para-a-base (UNAC, 11 de
Outubro, 2011).
Porque vemos críticas idênticas? Porque os proponentes (o governo japonês e a JICA) são os
mesmos e os objectivos principais destes programas são os mesmos, ou seja, a crise alimentar mundial e do
Japão (1973- e 2008-), o enfoque em "vastas áreas de terras não cultivadas", os "empreendimentos
público-privados", a "cooperação agrícola através do reforço das relações Japão-Brasil" (JICA, 1979; 1983;
MoM, 2009; JICA, 2011; e Funada-Classen, 2013ab). Isto verifica-se nas expressões idênticas, dadas como
razão principal do programa, nos documentos iniciais da JICA para os mesmos: "na região central-ocidental
do Brasil há uma extensa área inexplorada com quase 1,300,000 km2
(quase 3.5 vezes maior do que o
25 Palestra na Meijigakuin University, realizada em 15 de Novembro, 2012. Não se sabe se ele foi pressionado para fazer ou não
esta apresentação. A tradução directa baseia-se nas actas da sua apresentação preparada pelos organizadores do evento. A sua
publicação foi negada pelo apresentador, pelo que não está disponível ao público.
26 A primeira reunião ONG-MNE-Japão sobre o ProSAVANA, realizada em 25 de Jan. 25, 2013. O resumo das actas está
disponível no sítio do MNE-Japão.
(http://www.mofa.go.jp/mofaj/gaiko/oda/shimin/oda_ngo/taiwa/prosavana/prosavana_01.html )
27 Câmara dos Deputados (1980)“Projeto de Resolução No.159”.
28 AEAGO “Manifestou-se contrariamente á implantação do Projeto JICA em Goiás da forma como está sendo feita”, no Diário
de Manhã, 10 Março, 1984.
29 Comissão Pastoral da Terra (CPT) -Goiás (1984)"Para quem fica nossa terra onde vai nosso povo”; CPT- MG (1985) “Para
onde vão os nossos alimentos”.
30 San Martin, Paulo & Pelegrini, Bernardo (1984) Cerrados: uma ocupação japonesa no campo, Rio de Janeiro
31 Instituto de Planejamento Econômico e Social (ano desconhecido, mas em 1980s) “Considerações sobre o projeto do JICA”.
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território do Japão)" (JICA, 1979: primeira frase de todo o relatório); e "70% (ou 540,000 km2
) do território
nacional (...) são grandes extensões de terras não utilizadas para uma agricultura adequada" (JICA, 28 de
Setembro, 2009).
O forte enfoque nas "vastas terras" foi a base da formulação e atracção do PRODECER e do
ProSAVANA, e a EMBRAPA queixou-se da sua inexistência na área alvo inicial (EMBRAPA, in JICA, 2010:
S-23). Um outro discurso idêntico na fase inicial destes programas não está relacionado com o que se disse,
mas com o que ficou por dizer: a população local, incluindo os agricultores, e a floresta.
Trinta anos se passaram desde o início do PRODECER e em Moçambique não vigora uma ditadura
como no Brasil de então. Têm sido organizados vários encontros de detentores de interesses32, mas muitos que
participaram sentem que estes foram organizados como alibi. Como resultado, vinte e três organizações da
sociedade civil tiveram de pedir "a Detenção Urgente do ProSAVANA" devido, entre outros, à falta de
transparência ("Carta Aberta", 28 de Maio de 201333).
A transparência e a responsabilidade dos governos e empresas privadas não são um processo natural.
A história da humanidade mostra que, em todo o mundo, isso só se consegue quando a população local luta
pelos seus direitos. Foram os brasileiros que lutaram contra o PRODECER e o esquema geral de
desenvolvimento do Cerrado que fizeram acontecer a Reforma Agrária e acabaram com a ditadura no seu país.
No caso do ProSAVANA, são aqueles a quem Fingermann denuncia como criadores dos "mitos" que se estão
a empenhar em conseguir transparência e responsabilidade para com as populações e o ambiente, apesar dos
muitos sacrifícios34. E os agentes japoneses do ProSAVANA, os pessoais da JICA e os consultores japoneses,
que não conseguem aceitar as queixas da sociedade civil moçambicana, também se juntam para as denunciar
como sendo "apenas de uma parte da sociedade" e "que as estão a fazer porque pertencem a um partido da
oposição", e têm estado a espalhar esta ideia a outros para se justificarem (Dezembro 2012 – Junho 201335).
2-1-4. “Os Projectos de Rápido Impacto estão a considerar os impactos sociais e
ambientais”?
Embora Fingermann não o reconheça, estas organizações da sociedade civil "fundamentaram" os seus
argumentos ("Declaração Conjunta", 29 de Abril, 2013; "Carta Aberta", 2013). Um dos documentos mais
importantes que essas organizações consultaram foi o Relatório nº 2 do ProSAVANA-PD (Apoio do Plano
Director para o Desenvolvimento Agrícola do Corredor de Nacala), terminado em Março de 201336. O
subtítulo do relatório é "Projectos de Rápido Impacto", mas, tal como o relatório explica, o seu objectivo é
"desenhar um plano geral (blueprint) para o desenvolvimento agrário no Corredor de Nacala" (Relatório
nº 2, 2013: 1-3). Assim, não se trata de "apenas um relatório", mas antes de um documento que delineia um
quadro claro do Plano Director, e que é endossado pelo Ministério da Agricultura moçambicano (ver a capa do
relatório). A apresentação nos encontros entre as partes interessadas feita pelo Ministério em Maputo e em
32 Os problemas relacionados com estes encontros são tratados em pormenor no texto original.
33 “Carta Aberta das Organizações e Movimentos da Sociedade Civil aos Presidentes de Moçambique e do Brasil e ao Primeiro
Ministro do Japão” assinada por 23 OSCs Moçambicanas, divulgada em 28 de Maio, 2013.
http://farmlandgrab.org/post/view/22150#sthash.h08JHxyX.dpuf
34 Entrevistas da autora com OSCs moçambicanas, Setembro de 2012- até ao presente.
35 A autora ouviu esta interpretação directa e indirectamente dos funcionários da JICA e de consultores que confirmaram que os
"factos" são do conhecimento geral entre os agentes japoneses do ProSAVANA.
36 Os Relatórios nº 1 e nº 2 divulgados ilicitamente estão disponíveis no seguinte sítio: http://farmlandgrab.org/post/view/21996
Fukushima, ProSAVANA e Ruth First
Análise de "Mitos por trás do ProSAVANA" de Natália Fingermann
Dra. Sayaka Funada-Classen
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Nampula, em Março de 2013, bem como num encontro entre as ONG e o MNE-Japão, feita pelo MNE-Japão
e a JICA em Tokyo, em Abril de 2013, basearam-se neste relatório37. Não há nenhuma razão para ignorar o
documento.
Embora Fingermann conclua que "os PRIs estão a mitigar os impactos ambientais e incluem a
agricultura familiar" com base nas "entrevistas" que ela conduziu com os agentes do ProSAVANA, uma
análise exaustiva do documento dá uma imagem completamente diferente. O blueprint revela três tendências
problemáticas:
A primeira refere-se a uma característica central do Plano Director, o "Zoneamento". O Relatório nº
2 classifica toda a área alvo em seis categorias (I a VI) e apresenta o efeito da análise SWOT para cada zona.
Embora a própria ideia de "zoneamento" seja bastante problemática ("Análise dos Especialistas", 201338), esta
análise SWOT realça problemas mais profundos. Esta determina "a grande área de florestas" como
"vantajosa" enquanto "a elevada população" e a "grande área de conservação florestal" como
"prejudiciais" para a "estratégia de desenvolvimento agrário" (Relatório nº 2, 2013: 2-27; 2-24).
O outro problema relaciona-se com o Fundo da Iniciativa de Desenvolvimento do ProSAVANA
(PDIF) que Fingermann lista como um PRI, que no Relatório nº 2 é um "Projecto-piloto". O Relatório
menciona "critérios" dessas considerações (ibid.: 3-8), mas permanece obscura a forma como isso será/está a
ser implementado. Mais importante, tal como a "Carta Aberta" critica, é muito problemático avançar com os
projectos enquanto ainda há tanto por discutir sobre o programa, e o conteúdo do Plano Director ainda não é
amplamente conhecido. A carta dá razão à "Detenção Urgente" na medida em que: "(o ProSAVANA já está a
ser implementado através da componente [PRI] (...), sem nunca ter sido realizado, discutido
publicamente e aprovado o Estudo de Avaliação de Impacto Ambiental". No contexto japonês, os
"projectos piloto" prévios aos empreendimentos governamentais indesejados são usados pelo governo como
um meio para criar "beneficiários locais" (e, portanto, aliados) e factos consumados. De facto, perante o tom
forte da Carta, o representante da JICA tinha que justificar o programa dizendo que "há projectos em curso e
pessoas que estão à espera de receber, pelo que não podemos parar" (JICA, 28 de Maio; 30, 201339).
O terceiro problema está nos PRIs, cujos critérios de selecção baseiam-se em "impactos directos
visíveis e atractivos a curto prazo (1-6 anos)", não fazendo qualquer menção a mitigação (Relatório nº 2,
2013: 4-2). Dado que os especialistas japoneses mostram a sua grande preocupação, procurar "impactos
rápidos" tende a resultar em efeitos sócio-ambientais negativos ("Análise dos Especialistas", 2013). O
relatório lista 8 Projectos Públicos e 8 Projectos do Sector Privado (Relatório nº 2, 2013:4-3; 4-4), e admite
que 6 destes projectos implicam "a potencial necessidade de reassentamento involuntário" (ibid.: 4-60). No
entanto, o ProSAVANA-PD vê com bons olhos estes projectos dado que eles têm "impactos rápidos, visíveis e
atractivos".
O relatório não menciona quais os PRIs que requerem reassentamento, mas há um projecto com o
37 Esta confirmação foi dada por Shinjiro Amameishi da JICA, chefe da secção de agricultura tropical, durante a 3ª
reunião
ONG-MNE-Japão (19 de Abril, 2013).
38 「専門家によるマスタープラン暫定案に関する分析と問題提起」(“Analysis and problem presentations of the interim
Master Plan by Japanese experts”, May 8, 2013 http://mozambiquekaihatsu.blog.fc2.com/blog-entry-24.html
39 Resposta dada pelo vice-director da Divisão África da JICA durante o encontro da JICA com o Presidente da UNAC e o
Secretário Geral da OSC de Nampula em Tokyo (28 e 30 de Maio, 2013).
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Dra. Sayaka Funada-Classen
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nome "Planificação de Reserva de Terras para Investimentos de Média e Grande Escala40", atribuindo "10,000
ha de terra" para serem "divididos em [lotes] de 500 a 900 ha" para "empresas de média e grande escala"
para "assegurar um mecanismo de produção em grande escala" em Ribáuè, Província de Nampula (ibid.:
4-19). Ribáuè faz parte da Zona III, onde 43% da terra já é cultivada por agricultores locais e 46% estão
cobertos por floresta (ibid.: 2-7). O projecto também lista a "promoção de um sistema de agricultura
não-itinerante (non-shifting cultivation)" como um dos seus objectivos principais.
Um outro PRI é o "Registo de Terras dos Agricultores de Pequena e Média Escala" para os
pequenos agricultores, mas os seus objectivos estão estabelecidos como sendo para "facilitar a identificação
de áreas para a promoção de agricultura por grandes agricultores, empresas privadas" (ibid.: 3-15).
Ainda um outro projecto é o "Projecto Modelo para a Agricultura Familiar" mas, mais uma vez, apesar do seu
nome, o seu objectivo está definido como "combate à prática de agricultura itinerante" (ibid.: 3-48; 4-55),
e apenas as "pequenas machambas em transição para uma agricultura sedentária (fixed
agriculture)"estão destinadas para "atribuição de DUATs41" (títulos de uso da terra)" (ibid.: 3-61).
2-2. Examinando o “Mito 2 – ProSAVANA vai usurpar terras aos pequenos agricultores”
Fingermann julga que não se deve mencionar a possibilidade de o ProSAVANA facilitar a usurpação de terras
aos pequenos agricultores, baseando-se nas duas seguintes razões: (a) "o Plano Director não delimita terras
para nenhum investidor estrangeiro, incluindo brasileiros"; e (b) "o Fundo de Nacala não tem qualquer ligação
com o ProSAVANA" (Fingermann, 2013: 2).
2-2-1. O Plano Director prepara uma via segura para os investidores
O quadro do seu "mito-2" é problemático pois não há nenhum académico nem organização da sociedade civil
que digam que o Plano Director está a/vai delimitar terras. A expressão que usam é, por exemplo, "O
documento [do Plano Director] deixa claras as intenções do projecto (...) a preparar o caminho para a
usurpação de terras em grande escala no Norte de Moçambique" ("Declaração Conjunta", 2013).
Conforme a nossa análise anterior, usando documentos (JICA, 2010; Relatório nº 1 e nº 2, 2013), não se pode
deixar de concluir que, com base no quadro do Plano Director do ProSAVANA-PD, existe uma intenção clara
de criar condições para uma entrada segura de investidores externos para realizarem uma produção agrícola de
grande escala.
Isto pode igualmente ser confirmado nas chamadas "Directrizes do ProSAVANA sobre os PRAI"
apresentadas nas reuniões com as partes interessadas e no Relatório nº 2. Embora isto seja apenas uma
"salvaguarda" dada para proteger os direitos dos agricultores locais e do ambiente, e escrita ao longo de todo o
relatório, dá prioridade aos PRAI (Princípios de um Investimento Agrícola Responsável 42 ) que são
amplamente considerados como facilitando a entrada de investidores que usam os PRAI como justificação e
40 De acordo com a JICA, para o ProSAVANA-PD eles usam a seguinte categorização provisória: até 10 ha “pequena escala”;
até 50 ha “média escala”; e 50 ha “grande escala” (resposta da JICA às perguntas das ONGs (25 de Março, 2013) para o 3º
encontro NGO-MNE-Japão, 19 de Abril, 2013).
41 Direito de Uso e Approveitamento da Terra
42 Estes princípios foram acordados durante a conferência de alto nível sobre os PRAI, realizada pelo governo japonês, Banco
Mundial e outros a 26 de Set., 2009. A assinatura do ProSAVANA foi acelerada para ser um exemplo de “bom investimento”,
uma semana antes da conferência em prol do governo do Japão (Funada-Classen/舩田クラーセン 2013c: 80-82, in 大林稔 et al.
『アフリカの内発的発展』昭和堂; NHK, 2010『ランドラッシュ』新潮社).
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resultando na "destruição do campesinato" (De Shutter, 201043), e não de acordo com as Directrizes
Voluntárias sobre a Governanção Responsável da Posse da Terra, das Pescas e das Florestas da FAO (VGGT),
criadas para ultrapassar as limitações dos PRAI. No Relatório nº 2, as VGGT da FAO são mencionadas apenas
ao de leve, a seguir a uma extensa explicação dos PRAI, e o seu uso não foi incorporado nas Directrizes do
ProSAVANA, mas "recomenda-se que se se refira a" como alibi (Relatório nº 2, 2013: 5-6). O único
mecanismo de obrigação providenciado pelas Directrizes do ProSAVANA sobre os PRAI é uma "agência
autónoma" dependente do "organismo de implementação do ProSAVANA", mas não lhe são atribuídos
quaisquer poderes legais para impor sanções ou penalizações (ibid.). Em caso de haver problemas, "a agência
pode revelar os documentos e informação necessários" (ibid.: 5-8).
A usurpação de terras pelo agronegócio e pelos investidores é uma realidade desde a subida
acentuada dos preços dos alimentos que teve lugar em 2007/2008, particularmente em África (GRAIN, 2008;
2011ç The Oakland Institute, 2009-201344
; World Bank, 2010; LandMatrix 2012; 2013). Foi por essa razão
que foi preciso fazer o PRAI e as VGGT da FAO, embora estas se tenham mantido como "voluntárias",
portanto sem força suficiente para ter efeitos no terreno.
A área do Corredor de Nacala é uma área bastante populosa, onde mais de 4 milhões de pessoas
vivem e praticam a agricultura familiar, pelo que quaisquer programas, projectos ou planos de
desenvolvimento têm de ser cuidadosamente desenhados. No entanto, da análise do mais recente Relatório do
ProSAVANA-PD para o Plano Director, tornou-se evidente que algumas pessoas entre os agentes do
ProSAVANA tencionavam abrir caminho para os investidores virem para a região, através de: (a)
alargar a área alvo; (b) instalar o conceito de "zoneamento" e "conglomerados (clustering)"; (c)
introduzir PRIs favoráveis; (d) estabelecer directrizes pouco rígidas; (e) fixar e limitar as terras
agrícolas dos locais.
Pode-se argumentar que (e) [protege] os interesses dos agricultores locais e do ambiente. Sendo
assim, porque é que as directrizes do ProSAVANA são tão frouxas e ineficazes para qualquer tipo de
protecção? Como concluiu o Relatório nº 1, o uso da terra pelos agricultores (portanto, os direitos de uso da
terra) ultrapassam em muito a actual área de terra cultivada, "várias vezes mais" (Relatório nº 1, 2013: 2-14).
A Lei de Terras de 1997 ainda em vigor foi criada pela UNAC e a sociedade civil em conjunto com o governo,
e é considerada uma das leis mais progressivas pró-camponeses e pró-pobres (Palmer, 2003: 4-7), admitindo
DUATs em que os agricultores praticam a sua agricultura e demarcam as suas terras de acordo com as normas
e práticas costumeiras para segurar o accesso de terra pelos mais vulneráveis (ibid.; Negrão, 2003: 7).
Assim, os direitos às terras reivindicados pelos agricultores ou comunidades locais podem ser muito
mais amplos e incertos. Para os investidores, isto é um risco visível e a razão para a insistência em "combater
a agricultura itinerante" e em "sedentarizar as machambas" é contornar a questão sem tocar na lei em vigor.
Tomaso Ferrando denomia este processo "usurpação de terras silenciosa mascarada pela formalização de
títulos de posse da terra, a transição para uma agricultura sedentária (…) e produção sob contrato” (Ferrando,
2013:28).
43 De Shutter, Olivier (2010), “Destroying the world’s peasantry”, Project Syndicate, Jun. 4, 2010.
http://www.project-syndicate.org/commentary/responsibly-destroying-the-world-s-peasantry
44 http://www.oaklandinstitute.org/publications
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2-2-2. “O Fundo de Nacala não tem qualquer ligação com o ProSAVANA"?
Embora Fingermann o ignore, inúmeros conterrâneos seus visitaram a área alvo do ProSAVANA com a clara
intenção de adquirir terras desde que foi assinado o acordo. O caso mais conhecido são as observações de
Luiz Nishimori, um deputado brasileiro e um dos chefes da delegação brasileira do ProSAVANA que veio a
Moçambique em Abril de 2012 (Brazilian Nikkei, 1 de Maio de 201245). Ele mencionou claramente que o
ProSAVANA se destina a assegurar terras para os brasileiros fazerem agricultura de grande escala em
Moçambique" (TV Camara, 24 de Junho,201246). E ele não é o único brasileiro que vê no ProSAVANA uma
oportunidade para a aquisição de terras em grande escala (Reuters, 15 de Agosto de 201147). Se não se quiser
depender da cobertura dos média, pode-se consultar a (JICA, 2010), que lista as acções de agentes brasileiros,
tanto da EMBRAPA como do governo brasileiro, que pretendem incluir 6,400,000 ha no programa.
Fingermann afirma: "O [ProSAVANA-]PD não tem qualquer ligação com o Fundo Nacala",
baseando-se na sua entrevista com "decisores políticos moçambicanos"(Fingermann, 2013: 2). Então porque
menciona o Relatório nº 2 que o Fundo de Nacala é um dos "33 projectos que compõem" e "projectos
prioritários para o Plano Director" (Relatório nº 2, 2013: 3-2; 3-7)? Mais, embora ela não o tenha de todo
mencionado no seu artigo, existe uma ligação óbvia e directa entre o ProSAVANA-PD e o Fundo de Nacala. O
único consultor do ProSAVANA-PD contratado pela parte brasileira e "iniciador independente do Fundo de
Nacala (Fingermann, 2013: 1)" são a mesma instituição, a FGV (Fundação Getúlio Vargas). Giuliano
Senatore, do FGV-Projetos, um chefe de equipa brasileiro do ProSAVANA-PD e um membro do seu pessoal,
foram quem fizeram as apresentações sobre o ProSAVANA e o Fundo de Nacala durante a conferência
internacional de Novembro de 201248. Porque é que as mesmas pessoas, da mesma instituição, trabalham com
e falam sobre o ProSAVANA e o Fundo de Nacala?
A FGV é uma instituição brasileira de pesquisa, educacional e de negócios, e que se diz ser o
"principal autor do Relatório nº 249", cujo objectivo foi escrito no relatório como sendo para "atrair
projectos/investimentos de desenvolvimento agrícola de grande escala" (Relatório nº 2, 2013: 3-2; 3-7).
Os investigadores internacionais do Future Agricultures Consortium também colocam uma questão
emergente: "como é que o envolvimento da FGV na componente de cooperação técnica do ProSAVANA
se relaciona com o seu envolvimento numa iniciativa privada paralela de mobilização de investimento
directo estrangeiro na região de Nacala (através do lançamento do 'Fundo de Nacala')"? (Cabral &
Shankland, 2013: 1550).
Porque é que a pessoa que está a desenhar o blueprint para o futuro do norte de Moçambique e a
45 Nishimori disse, “Eu vou apoiar os brasileiros que queiram vir e "colonizar (gerir fazendas) aqui”. ニッケイ新聞「日伯両国
が連携し、モザンビークのサバンナ地帯を農業開発する『プロサバンナ事業』」1 de Maio, 2012.
http://www.nikkeyshimbun.com.br/nikkey/html/show/120501-71colonia.html
46 http://farmlandgrab.org/post/view/21652
47 Reuters, “Entrevista – Moçambique oferece terras par aos brasileiros cultivarem”, 15 de Ago., 2011.
http://www.reuters.com/article/2011/08/15/grains-brazil-mozambique-idAFN1E77E05H20110815
48 FGV-Projetos, “Agricultural Investment in Africa: Brazilian Expertise to Promote Sustainable Agriculture Investments”, 6 de
Novembro, 2012, em Dakar. Na sua apresentação, é óbvia a ligação íntima entre o ProSAVANA e o Fundo de Nacala, e puseram
mesmo o logo da JICA para explicar o Fundo de Nacala.
http://www.g15.org/Renewable_Energies/J2-06-11-2012%5CPRESENTATION_DAKAR-06-11-2012.pptx
49 Entrevista indirecta com os officiais da Embaixada Japonesa em Moçambique (July, 2013).
50 Cabral, Lidia & Shankland, Alex (2013) “Narratives of Brazil-Africa Cooperation for Agricultural Development:
NewParadigms?“http://www.future-agricultures.org/research/cbaa/7817-china-and-brazil-in-africa-new-papers#.UdRC_TupVS
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Análise de "Mitos por trás do ProSAVANA" de Natália Fingermann
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receber dinheiros públicos por esse trabalho, está também a recolher enormes quantidades de fundos de todo o
mundo para investimento na mesma região? Como se pode garantir que a FGV-Projetos seja responsável e
transparente o suficiente para servir os interesses do povo e priorizar o meio-ambiente sobre os interesses dos
seus clientes (investidores)? O que observámos na análise detalhada do Relatório nº 2 escrito pela
FGV-Projetos, a intenção de priorizar e servir os interesses das companhias é bem clara enquanto o
entusiasmo pela protecção dos direitos dos agricultores locais é demasiado fraco. Onde a rápida aquisição e
conflitos de terra é uma forte tendência (The Oakland Institute, 2011;UNAC & JA, 2011;LandMatrix, 2012;
2013; Human Rights Watch, 2013), este papel "duplo" e "paralelo" da FGV-Projetos no ProSAVANA e no
Fundo de Nacala não impõe problemas sérios para assegurar transparência e responsabilidade, e contradizer o
objetivo do ProSAVANA recentemente dito pelos líderes dos três governos, que “[o ProSAVANA se destina a]
apoiar os pequenos agricultores locais”?
2-3. Examinando o "Mito 3 – Há conflitos entre o agronegócio e os pequenos agricultores"
O último "mito" tratado por Fingermann é a questão sobre: (a) se haverá ou não conflitos de terras; e (b) se há
mais do que um conflito desses na área do Corredor de Nacala. A sua resposta para (a) é que "não se pode
dizer se haverá (que tipo de) conflitos de terras relacionados com o ProSAVANA" dado que "ainda não
chegou a hora" (Fingermann, 2013:2). Ficamos a perguntar-nos porque se haveria de esperar para confirmar
se estes conflitos tiveram realmente lugar, ao mesmo tempo que todos os documentos relacionados com o
ProSAVANA indicam a possibilidade de conflitos de terras entre os locais e o agronegócio? Como vimos, a
possibilidade de "reassentamentos involuntários" está listada e identificada em seis PRIs (Relatório nº 2, 2013:
4-60).
2-3-1. “Apenas um caso de conflito de terras" entre agronegócios e agricultores na região?
Fingermann escreveu que só tem conhecimento de um caso de conflito na região, o caso de Matanusca,
Província de Nampula. Ao mesmo tempo que ela não reconhece a sua existência, usando como base uma
publicação de Março de 201151, os conflitos de terras causados por agronegócios e investimentos estão-se a
propagar em todo Moçambique.
Um dos casos famosos localiza-se na área alvo do ProSAVANA, o caso da Hoyo Hoyo, ocorrido no
Posto Administrativo de Lioma, no Distrito de Gurué, Província da Zambézia. Este caso foi referido em
primeira mão por Hanlon e Smart (2012), e a IPS deu-lhe seguimento num artigo recente (IPS, 25 de
Fevereiro, 201352).
A Hoyo Hoyo, ou Quifel (nome oficial da empresa registada), obteve 10,000 ha da Machamba
Estatal de Lioma, que tinha sido abandonada pelo governo durante a guerra, e após o acordo de paz (1992) os
regressados começaram a usá-la. Quando a Hoyo Hoyo apareceu, 836 pequenos agricultores estavam a
cultivar 3,500 ha da machamba. A empresa prometeu compensação aos locais, emprego, novas terras para
trabalhar e outras para reassentamento, mas a empresa só cumpriu parte da promessa, um quarto do montante
51 É estranho que Fingermann tenha de depender de um relatório escrito pela UNAC e a Justiça Ambiental, as organizações que
ela considera como criadoras dos “mitos”. UNAC & JA (2011) “Os Senhores da Terra”.
http://www.cebem.org/cmsfiles/publicaciones/senhores_terra.pdf
52 IPS “Mozambican Farmers Fear Foreign Land Grabs”, 25 de Fev., 2013. http://farmlandgrab.org/post/view/21682
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prometido, e não ofereceu as terras prometidas (ibid.).
Há muitos outros investimentos de agronegócios para Lioma, mesmo de alguns actores relacionados
com o ProSAVANA. A AgroMoz obteve 10,000 ha de terra para a produção de soja em grande escala em
Setembro de 2012. A AgroMoz é propriedade do Grupo Américo Amorim de Portugal (que é accionista
maioritário do Banco Único em Moçambique), da Intelec Holdings (diz-se que esta empresa moçambicana é
parcialmente controlada pela família do actual presidente de Moçambique, Armando Guebuza) e da Pinesso
(um dos maiores produtores de soja no Brasil) (Hanlon & Smart, 2012: 7; Mail&Guardian, Jan 6, 2012). De
acordo com Devlin Kuyek da GRAIN, o Grupo Américo Amorim controla a GALP Energia, a quem consta
que a FGV costuma prestar consultoria para as suas actividades de negócios agrários (Kuyek, 201353
;
"Declaração Conjunta", 2013). Será pura coincidência reparar que muitos dos agentes do ProSAVANA
estejam listados? Porque é que eles estão juntos na obtenção de vastas extensões de terra na área alvo do
ProSAVANA, três anos após o primeiro acordo – e um ano após o outro – e no meio da preparação do Plano
Director?
2-3-2. Conflitos de terras observados na área alvo do ProSAVANA
No Relatório nº2, os conflitos de terras entre agricultores locais e empresas agrária são mencionados
claramente em 4 das 6 zonas (Zona I, Zona III, Zona V, Zona VI) (Relatório nº 2, 2013: 2-26; 2-27). O distrito
acima realçado, Posto Administrativo de Lioma, é descrito como tendo "graves conflitos de terras entre os
agricultores locais e as machambas corporativas", mas, mesmo assim, o mesmo relatório refere-se à área
como "terras para empresas agrícolas (corporate farmland)", a zona designada como sendo as empresas
os principais produtores. O mesmo acontece com a Zona VI (noroeste do Niassa), que os actores brasileiros
acharam "adequada para a produção de soja em grande escala" (EMBRAPA, in JICA, 2010:S-23), onde
existem "graves conflitos de terras entre os agricultores locais e as empresas agrárias em todos os distritos"
(Relatório nº 2, 2013: 2-28), mas o Relatório nº 2 propõe entregar a terra a "uma única entidade legal" (ibid.:
3-43).
Tudo isto acontece ao mesmo tempo que Moçambique tem o mesmo governo e Lei de Terras que é
considerado"pró-camponês". De acordo com Liz Alden Wily54, especialista em questões de terras, este não é
um fenómeno exclusivo a Moçambique e muitos estudos comparativos foram feitos para aprofundar o
entendimento deste fenómeno usando casos de Moçambique (Palmer, 2003; Theting & Brekke, 2010; FIAN,
2010). Não basta comparar o norte de Moçambique com o PRODECER brasileiro e assumir que "não vai
haver usurpação de terras porque 'o ProSAVANA não é uma réplica' do PRODECER". A presente corrida à
terra causada por investimentos agrícolas é um fenómeno à escala global, e não há muitas razões para que
Moçambique ou o ProSAVANA (ou o Fundo de Nacala) devam ser discutidos diferentemente e isolados.
De facto, Moçambique é antes um dos principais alvos da corrida global à terra (GRAIN, 2011;
World Bank, 2010; UNCWFS-HLPE, 201155; Land Matrix, 2013). Mesmo com os últimos dados ajustados
53 Apresentação feita por Devlin Kuyek em Yokohama, 29 de Maio, 2013.
http://mozambiquekaihatsu.blog.fc2.com/blog-entry-36.html
54 Comunicação apresentada na "Law and Development Conference 2013", “Legal and Development Implications of
International Land Acquisitions”, Kyoto, 30-31 May, 2013.
http://www.lawanddevelopment2013.org/images/papers/LizAldenWily.pdf
55 “Land Tenure and International Investments in Agriculture”.
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pela mesma organização, quase metade das transacções de terra à escala global têm lugar em África, e “muitos
deles em Moçambique e na Etiópia” (BBC, 10 de Junho de 2013). No Land Matrix 2013, Moçambique é
listado como o quinto país mais procurado no mundo, e foram obtidos mais de 2 milhões de hectares de terra
através de companhias transnacionais (Land Matrix 201356).
Conclusões
Como vimos, da análise das fontes primárias obtidas dos agentes do ProSAVANA (JICA, MNE-Japão,
EMBRAPA, ProSAVANA-PD, Ministério da Agricultura e consultores), das OSCs moçambicanas, brasileiras,
japonesas e internacionais, dos média japoneses, internacionais, moçambicanos e brasileiros, através de acesso
público e pessoal, entrevistas e observação participante, ficou evidente que nenhum dos argumentos de
Fingermann é relevante. A maior parte dos seus argumentos baseia-se em pressupostos. Quando apresenta
"provas", estas baseiam-se em "entrevistas" com agentes do ProSAVANA, e fica evidente que ela excluiu da
sua análise e conclusões documentos cruciais.
No texto original, discutí os desafios de pesquisar o ProSAVANA, como por exemplo a
disponibilidade limitada de fontes abertas ao público; a importância de não consultar apenas fontes em
português e inglês mas também fontes japonesas; os problemas de depender demasiado de entrevistas dos
agentes do ProSAVANA; e da atitude de "esperar para ver quando as coisas acontecerem". Das nossas
dolorosas "lições de Fukushima", sugeri a importância de usar uma "abordagem precoce" quando se possa
prever danos futuros e quatro métodos para uma pesquisa sólida do ponto de vista académico: (1) análise
histórica e crítica das fontes; (2) observação participante; (3) pesquisa de terreno; e (4) estudo comparativo.
Neste artigo usei (1), (2) e (4). Finalmente, não nos devemos esquecer que, sejamos nós quem formos e seja
qual for a maneira como conduzimos a nossa pesquisa, não podemos omitir a consideração e a análise das
relações de poder.
Do que observei, tornou-se evidente que estamos num momento crucial de determinação da
direcção do ProSAVANA e do seu Plano Director. O plano deveria estar pronto até Outubro de 2013, sem
muitas alterações ao Relatório nº 2, se os relatórios não tivessem sido divulgados pelas OSCs e se a sua
advocacia não se tivesse intensificado desde a declaração da UNAC, em Outubro de 2012. Pergunto-me se
Fingermann, que listou muitas das mesmas fontes (excepto as japonesas), também não as analisou, criando ela
própria os "mitos", e denunciando os que têm estado a lutar pelos direitos do povo e do ambiente baseando-se
apenas em "entrevistas" feitas principalmente a pessoas relacionadas com o ProSAVANA.
Fingermann não é uma investigadora qualquer. Ela era uma "analista de relações dos investidores"
no Grupo Mz, a maior companhia de consultoria dos investidores brasileiros, de acordo com o seu perfil no
“linkedin”
57. Ela estudou na FGV com uma bolsa desta fundação, que está a ter um papel "duplo e paralelo"
no ProSAVANA e no Fundo de Nacala.
Em África, em Moçambique, ou mesmo no Japão, as pessoas não são apenas pobres e vulneráveis.
Muitas delas são desprovidas. Isso significa que os seus direitos lhes são facilmente tirados e não protegidos
quando o poder e os interesses económicos entram em cena. Nessas circunstâncias, o papel dos pesquisadores
56 http://landmatrix.org/get-the-idea/web-transnational-deals/ The details of these land deals can be obtained from the following
site. http://landmatrix.org/get-the-detail/by-target-country/mozambique/
57 http://br.linkedin.com/pub/natalia-fingermann/25/93b/436
Fukushima, ProSAVANA e Ruth First
Análise de "Mitos por trás do ProSAVANA" de Natália Fingermann
Dra. Sayaka Funada-Classen
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independentes é muito importante, e isso ficou provado no caso de Fukushima e no que se lhe seguiu.
Termino este artigo citando Ruth First, que contribuiu para a criação das bases da academia em
Moçambique. Uso a citação do discurso de Castel-Branco em Setembro de 2012, numa conferência do IESE,
a que parece que Fingermann também está ou esteve associada:
“(A Ruth costumava dizer:) a pesquisa é sobre o que não sabemos e sobre o que sabemos. Não comecem
pelas "soluções", mas antes pelo enfoque "no que está a acontecer" e em "como está a acontecer". Não se
foquem "no que está em falta", mas em "como é a situação actual" e em "porque é assim". A Política e a
Economia parecem existir em separado, mas estão sempre ligadas. Continuem a questionar, questionem
mesmo o vosso próprio quadro cognitivo".
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