ESTA semana, na página reservada à província de Sofala, o “Notícias” trouxe em foco o distrito do Búzi. E por boas razões, felizmente! Falou-se da superprodução de arroz na presente época agrícola, o que há muitos anos não se verificava.
O distrito transformou-se até no único que já produz este cereal para o consumo, não só dos seus próprios habitantes, mas também para outros mercados dentro e fora da província.
E as autoridades garantem que esses recordes serão ultrapassados nos próximos tempos, quando os sistemas de irrigação financiados pelo Banco Mundial começarem, efectivamente, a dar os seus resultados.
Mas este era apenas um “desconseguido” intróito. O facto é que ao falar do Búzi, ou da sua vila-sede, veio-me à memória uma experiência que considero interessante que vivi nesse distrito em 1994 quando fui indigitado para fazer a cobertura das primeiras eleições gerais. Passo a partilha-la:
Devo dizer, desde já, que o que vou aqui contar não fazia ideia que viesse ou pudesse vir a merecer algum comentário, mais de 20 anos depois.
Eu estava hospedado na única pensão que havia na vila. Além de residencial, o local era um potencial ponto de encontro de todas as pessoas, após a jornada de trabalho de cada um.
Como disse, estávamos em pleno processo eleitoral mas ainda na fase das campanhas.
Por ser um meio pequeno, praticamente todos conheciam-se. Eram de alguma maneira familiares. Amigos ou colegas de escola ou de serviço. Eram vizinhos ou partilhavam os mesmos caminhos no seu quotidiano. Ou seja, havia quase sempre um entrosamento entre as pessoas. Por ai!
o que acontecia então é que muitos desses familiares, amigos, colegas, vizinhos ou conhecidos, eram, já nas suas opções pessoais, membros e/ou simpatizantes ou da Frelimo ou da Renamo.
Na altura, não se falava do MDM. Os que existiam, como sabemos, e com todo o respeito, não tinham expressão.
Pois, os da Frelimo e da Renamo concentravam-se invariavelmente ali naquela pensão, em amenas e ruidosas cavaqueiras, a trocarem copos e a tecerem comentários à volta das incidências da campanha eleitoral de uns e de outros.
Era interessante ver alguém, por exemplo, a dizer ao outro que “vocês não vão fazer nada disso que estão a prometer! É mentira isso!”, tudo no meio de gargalhadas e palmadinhas. Sem violência, porque afinal são familiares, amigos, colegas, vizinhos ou conhecidos. As diferenças políticas eram apenas isso.
Dia seguinte, a história repetia-se. Foi sendo assim até chegar o dia “D”, em que cada um depositou o seu voto. Vivi isso no Búzi, em 1994.
Eu dizia que talvez na altura não pensasse que algum dia tivesse que comentar isso na praça porque fosse normal. Qual quê! Hoje, mais de 20 anos depois, eis que tenho que recuperar esse episódio. Costuma-se dizer que a gente recorre ao passado quando o presente não nos oferece melhor!
Hoje, as clivagens como que aumentaram. E com isso a intolerância. O diferente passou a ser a abater. Incomoda.
Nunca mais voltei ao Búzi num evento similar. Por isso não sei o que foi acontecendo nos processos que se seguiram. Não voltei ao Búzi, mas vivi e reportei outras realidades por isso me sinto autorizado a dizer que tenho poucas recordações de algo parecido com o que testemunhei no Búzi, em 94.
Já agora, mesmo ao Búzi, gostaria de regressar nas próximas campanhas eleitorais para ver se os meus compatriotas voltarão a conviver como nesse ano de 94! Rogo encarecidamente que assim seja. A convivência democrática é também isso: o respeito pelo diferente!
Eliseu Bento
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