Quarta, 17 Fevereiro 2016
PARA melhor sustentar a conclusão de que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, é um moçambicano que se tornou inimigo dos moçambicanos, tal como aqueles romanos do tempo de Cícero que eram inimigos dos próprios romanos, passo a transcrever, com a devida vénia, partes de um estudo feito em 1988 pelos Estados Unidos da América (EUA), relatório esse que é mais conhecido por Gersony Report e concluía que nessa altura a guerra que a Renamo movia era de índole terrorista ou criminosa, porque negava e violava deliberada e sistematicamente os direitos fundamentais dos seus próprios compatriotas, incluindo o direito à vida.
Nesse estudo ou relatório feito há 26 anos, o conceituado consultor do Bureau para os Refugiados, do Departamento do Estado dos EUA, fez uma radiografia verbal da natureza diabólica da Renamo, o que equivale dizer que Dhlakama era mandante das matanças e todo o rol de abusos que eram infligidos aos civis desarmados pelos seus homens. Gersony apurou que entre os anos 1997 e 1998 a Renamo matou directa e deliberadamente 600 civis, sem contar os que morreram de fome, doenças e afogamentos quando fugiam dos ataques daquela organização armada.
Ao ler de novo este relatório noto que há uma semelhança entre o terror, sofrimento e matanças protagonizados nos campos de concentração dos nazis liderados por Hitler, com o sofrimento, brutalização e matanças infligidos aos civis nas zonas em que a Renamo actuou entre 1977 e 1992. Recordar que os EUA mandaram investigar a guerra da Renamo, a seguir série de massacres levados a cabo por este movimento armado, principalmente os de Maluana e Homoíne, em que só neste último os homens, sob comando de Dhlakama, mataram a sangue frio mais de 400 civis, que foi muito contra a própria vontade de Deus, já que nos garante na Bíblia que só viria nos buscar um a um e não 400 de uma só vez. Para não perder espaço em explicações sobre o que está plasmado nesse relatório, aqui estão algumas das revelações que Robert Gersony recolheu aos 200 refugiados e deslocados que ele entrevistou durante três meses dentro de Moçambique e nos campos dos refugiados criados nos cinco países vizinhos que então acolhiam milhões de moçambicanos que tinham fugido do país para escaparem a essas matanças e brutalização dos mandatários de Dhlakama.
Depois de vincar que não há quem ficava nas zonas da Renamo de sua livre vontade, mas apenas porque eram forçados, Gersony diz o seguinte: Qualquer tentativa de se fugir das zonas controladas pela Renamo era invariavelmente tratada como um crime cuja pena era capital. Um dos homens que tentou escapar contou que teve muita sorte por ter sido enviado à cadeia da Renamo, dado que a maioria apanhada a tentar fugir foi severa e sumariamente punida, enquanto muitos outros foram executados.
Gersony ouviu de muitos refugiados que acabavam de fugir dos campos da Renamo que as execuções eram feitas por diferentes instrumentos, tais como catanas, facas ou através de machados, sob alegação de que tinham de poupar as balas para outras investidas. Isto pode parecer exagero dos refugiados, mas mesmo o conceituado fotojornalista moçambicano, Naíta Ussene, contou-me semana passada que uma das formas que os mandatários de Dhlakama usavam para matar os seus capturados era amarrá-los numa árvore e deixá-los aí até sucumbirem. Naíta contou ter encontrado numa das bases da Renamo, que acabava de ser tomada pelos soldados moçambicanos, dois corpos sem vida, um dos quais pouco decomposto que o outro, o que foi prova evidente de que estava num estado de menos decomposição, era de um homem que terá sido amarrado próximo daquele que já havia morrido e já ficado esquelético. “Na verdade, o último homem que foi amarrado ao lado do que já havia ficado decomposto viu certamente antes dele próprio morrer o que igualmente iria acontecer com ele, isto é, que iria morrer da mesma maneira que o seu vizinho cadavérico”, disse Naíta em jeito de recordar os diabólicos horrores da Renamo.
Gersony diz que para os homens que conseguiam escapar, caso deixassem para trás as suas esposas ou filhos menores, o mais que podia-lhes acontecer era serem executados como sinal de retaliação pela fuga dos seus parceiros ou pais. Robert Gersony revela ter sido dito por mais de 90 por cento dos 200 refugiados que entrevistou individualmente em locais separados e sem a presença de mais ninguém, senão dele próprio, que a Renamo usava este tipo de punições como uma das formas de desencorajar os outros cativos de empreenderem qualquer tentativa de fuga. Os refugiados revelaram que, de facto, a severidade das punições teve um efeito muito inibidor a todos os que estavam nas zonas controladas pela Renamo e que os que optavam pela fuga só o faziam quando se apercebessem de que, ainda que não fugissem, iriam morrer na mesma de fome, porque não lhes era dado nada para comer e nem mesmo água para beber.
Gersony descreve que a prova dos que fugiam era de facto pessoas que estavam à beira da morte, vítimas da fome, é que os que foram chegando das zonas da Renamo aos campos em que ele estava fazendo entrevistas estavam tão esqueléticos, mal podiam estar de pé e muitas vezes estavam nus ou quase nus. Diz que, vendo o aspecto tão degradado os que se apresentavam nos campos da Renamo, era “claro que somente a morte se tornava uma possibilidade real nas suas mentes, que ensaiavam o risco de tentar fugir”. Os relatos dos que conseguiram escapar dos mujibas – nomes pelos quais eram conhecidos os carrascos da Renamo que controlavam os capturados pelos homens de Dhlakama – são bastante chocantes e deixam claro que a Renamo era tão diabólica igual ou pior que o próprio diabo, como revela esta descrição: “muitos refugiados relataram que havia, para além do medo de ser morto por tentar escapar, o facto de que muitos dos cativos já estavam tão consumidos pela fome, tão fracos, tão velhos ou tão doentes que já não podiam mais aguentar com a “longa marcha”. Diz que alguns pais que tinham os seus filhos já crescidos nesses campos encorajavam a empreender uma fuga na companhia de alguém de confiança, que pudesse servir de guia pelas matas adentro, já que as fugas tinham de ser feitas à noite e nunca pelas estradas ou ruas, mas sempre no meio da floresta, para que nunca fossem recapturados pelos majibas.
Robert Gersony conta que os mantidos vivos nas zonas da Renamo eram apenas para serem usados como bestas para carregar armamento ou como escravos de satisfação sexual dos erráticos combatentes da Renamo, caso das meninas e mulheres ainda não velhas. Os que sobravam para estas funções eram deixados como reserva não bem cuidada, daí que acabavam morrendo de fome ou doenças. Diz que quem não mais aguentasse carregar as trochas ou que recusasse a manter relações sexuais era pura e simplesmente executado, talvez porque não era difícil substitui-los por outros. “Tudo indica que a Renamo tinha poucas dificuldades em substituir os indivíduos que matavam, os que morriam de fome, os que ficavam tão enfraquecidos para cumprirem certas missões e os que escapavam. Todos estes tinham como principal fonte de reposição os que eram também capturados nas várias emboscadas feitas pelos homens de Dhlakama em diferentes partes do país”. Ele adianta que o cativo nada mais podia esperar como retribuição à sua forçada permanência nas zonas da Renamo, não fosse esperar a oportunidade de continuar vivo por mais algum tempo antes que morresse ou escapasse por algum milagre.
Gersony vinca que os refugiados nunca souberam a razão da luta da Renamo, nem lhes foi dito, como eram ditos pela Frelimo, que a luta desta era contra o colonialismo português e pela independência. Contaram que para Renamo o seu principal alvo eram as zonas que não estavam ainda nas suas mãos e raras vezes atacavam os soldados. O seu principal alvo eram as populações civis, como está a repetir agora nas escaramuças que amiúde têm protagonizado em alguns pontos do país, como os ataques que fez semana passada contra camiões e civis em Muxúnguè e Marínguè. De novo o seu principal alvo é civil, tal como o fez há três anos quando atacava as viaturas no troço de Muxúnguè. É isto que me leva a concluir que Dhlakama é um moçambicano que se tornou inimigo dos moçambicanos, tal como aqueles romanos que eram inimigos de Roma. Esta minha conclusão é sustentada pela maneira diabólica com que a Renamo move a sua descabida guerra e que, como o diz Gersony, o seu principal alvo são as aldeias onde vivem as populações. Diz que quando os homens da Renamo entendessem que alguém estava ligado ou servia a Frelimo, como são os casos dos secretários dos bairros, estes eram capturados juntamente com as suas esposas e filhos, incluindo menores de idade e executados sumariamente pelo simples facto de que o seu marido ou pai era da Frelimo. Um dos aspectos que revela quão terrorista é a Renamo, os ataques eram feitos de surpresa às primeiras horas de manhã e com uma “chuva” de balas sobre as casas dos aldeões ainda em sono profundo. Robert Gerson diz que os que despertavam e saiam em debandada tentando fugir eram baleados como se de criminosos fossem. Pessoalmente testemunhou este tipo de ataques com o colega Michael Robinson da BBC, logo pela manhã do dia 11 de Novembro de 1986, na vila de Ulónguè, tendo morto vários civis e incendiado várias casas.
“Os ataques às aldeias e áreas designadas como sendo alvos para destruir eram, na verdade, os seus alvos preferidos. Tais ataques eram geralmente feitos nas primeiras horas de manhã, bem antes do nascer do Sol. Em alguns casos era claro que os grupos que atacavam iam de povoação em povoação, numa área seleccionada para conduzir a mesma operação em cada uma delas. Os atacantes pareciam que estivessem organizados e instruídos para executarem a sua missão da mesma maneira, independentemente de haver ou não soldados do Governo ou milícias para as defenderem. Assim, em caso de não haver soldados nessa aldeia, os ataques eram logo dirigidos contra os civis e onde havia soldados atacavam-se também em simultâneo com os residentes. Este tipo de ataques causa a morte de muitos civis. Há evidências de que um elevado número de civis foi vítima de tiroteios propositados e outros que foram mortos à catanada e machado, para além dos que lhes abriram as barrigas para provocar a sua morte. Outros morreram carbonizados nas suas casas, depois dos homens da Renamo os terem fechado a cadeado para que delas não pudessem sair. Se o caro leitor é jovem de 26 ou mesmo 35 anos e por isso duvida deste depoimento de Gersony, pergunte aos que já eram adultos quando a Renamo cometeu estas atrocidades, certamente confirmarão que este académico norte-americano descreveu o que fez. Por isso, reitero uma vez mais que ao tentar agora reactivar a mesma guerra diabólica, Dhlakama prova, outra vez, que é um moçambicano inimigo dos moçambicanos.
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