Borges Nhamire e Jorge Matine Maputo, Dezembro de 2015
CENTRO INTEGRIDADE PÚBLICA Boa Governação - Transparência - Integridade
Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em
Moçambique ABREVIATURAS BR – Boletim da República CCD – Consórcio Cabo Delgado
CDN – Corredor de Desenvolvimento do Norte CE – Concessões Empresariais CEAR –
Central East Africa Railways CFM – Caminhos de Ferro de Moçambique CIP – Centro
de Integridade Pública CLN - Corredor Logístico do Norte DP World – Dubai Port
World EDPM – Empresa de Dragagem do Porto de Maputo EDR – Edlows Resources EN4
– Estrada Nacional Número 4 GEDENA – Gestão e Desenvolvimento de Nampula GESTRA
– Gestão e Transportes GESTRA – Gestão e Transportes JICA – Japan International
Cooperation Agency MG – Moçambique Gestores MPDC – Maputo Port Development
Company NCI – Nacala Comércio e Investimentos OPIC – Overseas Private
Investment Corporation PCA – Presidente do Conselho de Administração PN –
Portos do Norte PPP – Parcerias Público Privadas PPP RDC – Railroad Development
Corporation RTG – Rubber Tyre Gantry Crane Caso da concessão do Porto de Nacala
e Linha do Norte 7 S.A – Sociedade Anónima S.A.R.L – Sociedades Anónimas de
Responsabilidade Limitada SDCN – Sociedade de Desenvolvimento do Corredor de
Norte SOMOESTIVA – Sociedade Moçambicana de Estiva STP – Sociedade de
Tecnologias Portuárias TEU –Twenty-foot Equivalent Unit TRAC – Trans African
Concession 8 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique INTRODUÇÃO Em Janeiro de 20051 , o Estado
moçambicano concessionou, sem concurso público, a gestão do Porto de Nacala e
da Linha do Norte à sociedade privada CDN – Corredor de Desenvolvimento do
Norte –, através dos Decretos 20/2000 e 21/2000, ambos de 25 de Julho. Para
além do grande capital internacional, a sociedade CDN conta com forte
participação de políticos e altos dirigentes do Estado e do partido Frelimo,
incluindo quadros da empresa Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), na sua
estrutura accionista, uma aliança problemática devido aos inerentes conflitos
de interesses. Ao longo dos 10 anos de gestão da concessão, a CDN causou
enormes prejuízos ao Estado, nomeadamente, a falta de manutenção das
infra-estruturas concessionadas, a acumulação de dívidas ao Estado e aos CFM,
violando deste modo as cláusulas contratuais da concessão. Até 2009 os
prejuízos acumulados pela CDN atingiram mais de 25 milhões de dólares. Houve
ainda extinção de serviços sociais como o funcionamento do comboio de
transporte de passageiros e de carga na Linha do Norte que desempenhava um
papel importante para a população das províncias de Nampula e Niassa. O Governo
tinha a obrigação contratual de intervir para impor o cumprimento dos contratos
mas não o fez. Apenas alguns dirigentes dos CFM, com destaque para o antigo
Presidente do Conselho de Administração (PCA), o Eng. Rui Fonseca, se insurgiam
contra os incumprimentos da concessão2 . Com aproximadamente duas décadas de
utilização, sem manutenção, o Porto de Nacala e a Linha do Norte ficaram em
estado avançado de degradação. Entretanto, o Estado moçambicano decidiu
recorrer a crédito público de 350 1 10 de Janeiro de 2005 foi a data da entrada
em vigor dos contratos de concessão, embora os mesmos tenham sido assinados em
2000 e as negociações iniciadas em 1998. 2 Rui Fonseca, PCA dos CFM durante a
maior parte do tempo da concessão, deixava escapar, amiúde, na Imprensa, o seu
descontentamento com o incumprimento dos termos de concessão do Porto de Nacala
e da Linha do Norte pela CDN. Entretanto, Rui Fonseca é um dos fundadores da
GESTRA - Gestão e Transportes, uma sociedade anónima que integra outros quadros
dos CFM e é accionista da CDN, através da SDCN - Sociedade de Desenvolvimento
do Corredor de Norte. Em entrevista ao CIP, Rui Fonseca explicou que participou
na fundação da GESTRA em representação de um terceiro que lhe passou procuração
para o efeito. Disse que a participação da GESTRA na CDN era insignificante de
tal modo que não tinha poder de forçar a mudança do rumo dos acontecimentos.
Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 9 milhões de dólares3
concedido pela JICA (Japan International Cooperation Agency) para reabilitar o
Porto de Nacala, infra-estrutura que era suposto ser reabilitada pela CDN. Os
casos do Porto de Nacala e da Linha do Norte não são isolados. Inseremse num
contexto de negócios em forma de Parcerias Público-Privadas (PPP) e Concessões
Empresariais (CE), iniciadas na segunda metade da década de 1990 e que têm sido
usadas como meio de expropriação do Estado através de transferência de gestão
de grandes empreendimentos públicos do Estado para empresas privadas e elites
com interesses empresariais, sempre ancoradas ao grande capital internacional.
Geralmente, nessas concessões, o Estado sai prejudicado enquanto as elites e o
grande capital internacional retiram benefícios. No caso da concessão do Porto
de Nacala e da Linha do Norte ao CDN, dezenas de dirigentes do Estado colhem ou
esperam colher benefícios. Entre os beneficiários da concessão do Porto de
Nacala e da Linha do Norte figuram altos dirigentes do Estado e do partido
Frelimo: desde pessoas que ocuparam cargos de chefia no Estado, membros dos
sucessivos Governos da Frelimo (de Chissano, Guebuza e Nyusi), passando por
deputados, juiz do Conselho Constitucional até governadores provinciais. O
presente documento apresenta um estudo de caso da concessão do Porto de Nacala
e da Linha do Norte. O documento visa aferir quem são os beneficiários da
concessão do sistema ferro-portuário do Norte e, desta forma, contribuir para
um debate público informado sobre a governação das concessões do Estado em
Moçambique. Metodologicamente, o estudo é resultado de pesquisa bibliográfica e
observação não participativa. Como técnicas de recolha de informação foram
usadas entrevistas e questionários. Foram consultados documentos diversos,
dentre relatórios oficiais dos CFM, do Governo e das empresas concessionárias.
Foram realizadas entrevistas a personalidades ligadas à concessão, ao Governo e
às 3 O montante total desembolsado pela Agência Japonesa até 2015, para a
reabilitação do Porto de Nacala é de 350 milhões de dólares. 30 milhões foram
destinados à reabilitação de emergência do Porto, em forma de donativo. 70
milhões foram desembolsados para a primeira fase da reabilitação do Porto de
Nacala e 250 milhões foram desembolsados para a II fase. Ainda existe uma
terceira fase cujo montante total se desconhece. Ver notícia da rádio
Moçambique através deste link http://www.rm.co.mz/index.php/outras-noticias/
item/11320-japao-financia-ii-fase-de-reabilitacao-do-porto-de-nacala
[consultado a 15 de Junho de 2015] 10 Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique empresas privadas
concessionárias. O trabalho de campo foi realizado em Nacala, dentro e fora das
instalações portuárias. O documento está apresentado em 4 partes,
compreendendo: Apresentação e caracterização das PPP em Moçambique; História da
concessão do Porto de Nacala e análise do perfil dos accionistas da entidade
concessionária; Avaliação dos benefícios e prejuízos do Estado resultantes da
concessão e A perspectiva das concessionárias sobre o negócio. Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 11 1. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS:
UM INVESTIMENTO NECESSÁRIO MAS PROBLEMÁTICO EM MOÇAMBIQUE As PPP são uma forma
de investimento que combinam recursos públicos e privados para,
simultaneamente, satisfazer interesses públicos e gerar lucros para o privado.
As PPP são cada vez mais usadas em muitos países para colmatar a escassez de
recursos do Estado, sendo direccionadas, essencialmente, para construção de
grandes infra-estruturas de utilidade pública. As PPP podem tomar várias
formas, mas as mais comuns são aquelas que consistem na concepção, construção,
concessão e gestão de empreendimentos públicos por entidades privadas. Num
investimento em forma de PPP há sempre o entendimento de que as duas partes –
pública e privada – partilham benefícios, riscos de investimento, obrigações.
Normalmente, a entidade privada obtém lucros da gestão do empreendimento
público, através da cobrança pela utilização de serviços ou pelo pagamento
directo pelo Estado, enquanto a entidade pública ganha com a realização do
serviço público objecto da parceria, impostos e outras remunerações inerentes à
concessão. A contribuição do sector público para uma PPP pode assumir a forma
de transferência de activos ou empreendimentos (portos, linhas férreas,
estradas, empresas detidas pelo Estado), conhecimento local ou mobilização de
apoio político para o projecto. Por sua vez, o papel do sector privado na
parceria é fundamentalmente mobilizar capital de investimentos, fazer uso da
sua experiência em negócio, gestão, operações e inovação para executar serviços
de forma eficiente. 1.1. Por que são necessárias as PPP? Há muitas razões que
justificam a realização de investimento público através de PPP. Desde logo
porque se acredita que com o recurso a PPP para realizar grandes obras públicas
o Estado vai poder concentrar os recursos disponíveis nos serviços público
tradicionais, tais como a educação, saúde, justiça esegurança. Assim, as PPP
são vistas como forma de satisfazer as necessidades públicas, atraindo
investimento privado, devido à vertente lucrativa das PPP. 12 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique
Fig. 1. A necessidade de investimentos tem sempre mais peso do que a
disponibilidade destes Acredita-se ainda que as PPP ajudam a melhorar a
eficiência na utilização dos recursos disponíveis, partindo-se do princípio de
que o sector privado faz melhor gestão dos recursos. Por último, as PPP ajudam
a reformar a administração pública através de uma redistribuição dos papéis,
incentivos e responsabilização. Neste aspecto, a gestão de questões técnicas
fica encarregue ao sector privado, enquanto às agências do Estado caberá o
desenho das políticas e a regulação. No geral aponta-se como grande fraqueza
das PPP o facto do gestor privado privilegiar lucros e relegar para segundo
plano a manutenção e conservação das infra-estruturas bem como a defesa do
interesse público. Em muitos casos, findo o período da concessão, a
infra-estrutura que sobra para o Estado apresenta-se degradada, exigindo novo
investimento avultado para torná-la útil. A falta de transparência na gestão
das PPP, por serem consideradas empreendimentos privados – quando na verdade
são públicos – também é uma das fraquezas deste tipo de investimento. Contudo,
quando bem desenhadas e implementadas, as PPP oferecem uma oportunidade para
que o sector privado participe na provisão de serviços públicos sem custos de
investimentos imediatos para o Estado. Caso da concessão do Porto de Nacala e
Linha do Norte 13 1.2. Moçambique: PPP ao serviço das elites Em Moçambique, as
PPP foram introduzidas formalmente, pela primeira vez, em 2011, com a Lei
15/2011, de 10 de Agosto (Lei de Parcerias Público-Privadas, Projectos de
Grande Dimensão e Concessões Empresarias, comumente conhecida como Lei das PPP.
Porém, muito antes da previsão legal, já eram realizados em Moçambique negócios
materialmente de PPP. Na segunda metade da década de 1990, dispondo de
informação estratégica sobre as mudanças que estavam a acontecer na economia
nacional, políticos moçambicanos iniciaram a corrida para a criação de empresas
em forma de sociedades de gestão e participação nos negócios públicos. Estas
empresas eram orientadas para realizar negócios com o Estado, num contexto de
liberalização da economia nacional. Embora sem usar a terminologia PPP, os
políticos empresários correram para ganhar concessões de gestão de
empreendimentos públicos, no que materialmente constituíam PPP. Enquanto as
elites, com informação privilegiada sobre a orientação política e económica do
país, criavam empresas em forma de Sociedades Anónimas de Responsabilidade
Limitada (S.A.R.L) para ganhar concessões do Estado, o Governo, liderado pelas
mesmas elites, aprovava instrumentos legais que permitiriam a participação das
empresas, ora criadas, nos negócios com o Estado. Foi assim que o Governo
aprova o primeiro documento oficial de políticas públicas a fazer referência
material às PPP. Trata-se da Resolução 5/96, de 2 de Abril, que aprova a
Política dos Transportes. O documento do Conselho de Ministros reconhece a
necessidade da “participação do capital privado na criação e reabilitação de
infra-estruturas, na gestão por contrato ou concessão, parcial ou total, de
portos, linhas férreas e aeródromos, e na constituição e exploração de empresas
de navegação aérea e marítima”4 Logo a seguir à aprovação da Política dos
Transportes, o Governo aprovou, através do Decreto 31/96 de 9 de Julho, o
Regime Jurídico de Concessão de Estradas e Pontes com Portagem. A partir dos
finais da década de 1990 foram assinados os primeiros contratos entre o Governo
e entidades privadas nacionais e estrangeiras para concessão de empreendimentos
de interesse público. São os casos da concessão da 4 BR n.º 13, I Série, de 02
de Abril de 1996. 14 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique exploração do Porto de Maputo à Sociedade para o
Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC na sigla inglesa de Maputo Port
Development Company) e da Concessão da Exploração da Estrada Nacional Número 4
(EN4) à Trans African Concession (TRAC). Desde o início, as empresas criadas
por políticos moçambicanos, quase todos eles ligados ao topo da direcção do
Estado e do partido Frelimo, beneficiaram de concessões de empreendimentos
públicos, sendo o Porto de Nacala e a Linha do Norte, nosso caso de estudo, o
exemplo desses benefícios. Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do
Norte 15 2. PORTO DE NACALA E LINHA DO NORTE: HISTÓRIA DE UMA CONCESSÃO “(...),
no meu entender pessoal, a CFM teve uma certa dose de culpa nesse processo, foi
muito negligente. Foi demasiado negligente. Não sei se essa negligência se deve
ao facto de haver uma certa influência da parte moçambicana nessa concessão. Os
interesses moçambicanos na SDCN, não sei se terá sido isso ou não, mas entendo
que houve de facto muita negligência nessa concessão...) – Subashandra Bhatt,
20105 Em Janeiro de 2005 consumou-se a concessão do Porto de Nacala e da Linha
do Norte, através da transferência efectiva da gestão dos empreendimentos dos
CFM para o consórcio CDN. Os contratos da concessão tinham sido assinados cinco
anos antes. A escolha da concessionária aconteceu sem concurso público, como
tinha sucedido na concessão do Porto da Beira à Cornelder Moçambique, mas esta
com experiência positiva em termos de cumprimento do contrato. A entidade concessionada
à gestão do Porto de Nacala e da Linha do Norte, a CDN, é formada pelos
Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), com 49%, e pela Sociedade para o
Desenvolvimento do Corredor de Nacala (SDCN), com a maioria de 51%. Desde logo
ressalta um claro conflito de interesses na concessão. Os CFM jogam,
simultaneamente, o papel de entidade concedente e de concessionária. Mas este
não é o único problema. A SDCN tem outros accionistas que, à data da concessão
e nos anos subsequentes, eram membros do Governo e altos quadros dos CFM,
incluindo o próprio PCA dos CFM na altura, o Eng. Rui Fonseca, e o então
Presidente da República, Armando Guebuza. A CDN foi constituída em Agosto de
2001, como sociedade anónima, com a finalidade principal de “operar, gerir,
reabilitar, manter e desenvolver o Porto de Nacala e o sistema Ferroviário do
Norte de Moçambique, nos termos dos contratos de concessão que seja titular”. A
aliança entre a elite nacional e o grande capital internacional na CDN viria a
ter divergências devido aos desentendimentos internos na gestão da concessão e
sobretudo na falta de distribuição de rendimentos. 5 Subashandra Bhatt foi
director geral dos CFM. Cfr. Saúte, Nelson (2010) Crónica de Uma Integração
Imperfeita: O caso da privatização da gestão dos Portos e Caminhos de Ferro em
Moçambique (2000-2005), USP, São Paulo, Brasil 16 Parcerias Público-Privadas:
Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique 2.1. Oposição dos CFM
à escolha da concessionária A escolha da CDN para concessionária do Porto de
Nacala e da Linha do Norte não foi bem acolhida pela direcção dos CFM. A
direcção da empresa pública, da qual se retirou a gestão destes empreendimentos
para serem passados à CDN, manifestou-se contra a concessão, alegando que a CDN
não tinha capacidade técnica nem financeira para gerir o Porto de Nacala e a
Linha do Norte. O Governo não só ignorou a preocupação dos CFM como forçou a
empresa a subscrever os contratos de concessão, através do Ministério dos
Transportes e Comunicações, que tem a tutela dos CFM. “... Os CFM manifestaram,
e tem vindo a manifestar, inúmeras vezes, desde a fase prévia à concessão do
sistema ferro-portuário do Norte, as suas fortes reservas sobre a capacidade
dos accionistas da sociedade maioritária na CDN (a SDCN, que é quem está
directamente responsabilizada pela gestão da sociedade, e cujo sócio
maioritário é agora a INSITEC, que adquiriu as quotas das empresas americanas
RDC e Edlows Resources em 2008) bem como sobre a viabilidade do Projecto face
aos termos do Contrato de financiamento celebrado com a OPIC” – CFM, 2010:486
Os CFM (optcit) fundamentaram a sua oposição à escolha da CDN para a gestão do
sistema ferro-portuário do norte, baseando-se na experiência que a mesma
sociedade teve na gestão dos Caminhos de Ferro do Malawi, também concessionados
à CDN. Os CFM participam da mesma concessão no Malawi, através de 49% que detém
da CEAR – Central East Africa Railways. Os argumentos enviados ao Governo pelos
CFM para se opor à concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte alegavam que a
CDN se debatia com “gestão deficiente ou inexistente nos caminhos-de-ferro do
Malawi; ausência total de manutenção da via-férrea (no Malawi); situação
financeira deficitária, incluindo situação de desfalque financeiro”. Apesar
destes alertas dos CFM, o Governo insistiu com a concessão. Os contratos de
concessão do sistema ferro-portuário do Norte foram assinados por Tomaz
Salomão, Ministro dos Transportes e Comunicações, em representação do Governo
de Moçambique; Rui Fonseca, PCA dos CFM, em reresentação desta empresa;
Domingos Bainha, Administrador Executivo 6 Relatório do Conselho da
Administração dos CFM, enviado ao Governo em 2010 mas que nunca foi tornado
público. Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 17 dos CFM;
Alberto Chipande, PCA da CDN; Fernando Amado Couto, Administrador da CDN. 2.2.
Sobre o Porto de Nacala e Linha do Norte O Porto de Nacala é o terceiro maior
porto de Moçambique, em termos de quantidade de carga manuseada. É, segundo os
CFM, o maior porto natural de águas profundas da costa oriental de África. Esta
particularidade do porto permite a entrada e saída de navios sem limitação de
calado, 24 horas por dia, e não necessita de dragagem, segundo os CFM. O porto
foi herdado da administração colonial. Em Outubro de 1951 procedeuse à abertura
do porto ao tráfego de navios. Tal como muitas infra-estruturas construídas no
período colonial, o Porto de Nacala sofreu degradação contínua ao longo dos
anos. Entretanto, devido à sua localização estratégica, continuou a desempenhar
um papel importante para a importação e exportação de mercadorias para os
países do hinterland, sendo os principais clientes o Malawi e o norte do país.
Segundo dados dos CFM, o porto foi reabilitado, entre 1984 e 1996, por meio de
um financiamento da Finlândia, orçado em 196 milhões de marcos finlandeses7 . O
Porto de Nacala tem três terminais, dos quais dois foram concessionados à CDN.
O Terminal de Carga Geral, de 631 metros de comprimento, calado de 9,7 metros,
capacitado para manusear 2 400 000 toneladas anualmente, possui ainda 8
armazéns, com uma capacidade de 50.000 toneladas. Este terminal foi
concessionado à CDN. Igualmente, foi concessionado o Terminal de Contentores,
com 372 metros de cumprimento, que possui um calado de 14 metros, capacidade de
manuseamento de 75 000 TEU´s anuais, possibilidade de parqueamento de 4982
contentores e 21 pontos de energia para contentores frigoríficos. Ficou
sob gestão directa dos CFM o Terminal para Granéis Líquidos, afecto ao cais 4
do Terminal de Carga Geral, com 9.7 metros. Está ligado a depósitos de
combustíveis através de um “pipeline”, com 3,5 quilómetros, e ligado
a depósitos para óleos vegetais com uma capacidade total de 2 400 toneladas. 7
Ver descrição dos CFM através do link http://www.cfm.co.mz/index.php/pt/infraestruturas/
cfm-norte/porto-de-nacala [Consultado a 15 de Junho de 2015] 18 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique
Linha do Norte A Linha do Norte é constituída por três linhas férreas localizadas
nas províncias de Nampula e Niassa, ligando diversos distritos das duas
províncias e o país vizinho Malawi. A primeira é a linha Nacala-Cuamba, com 533
km. Parte do Porto de Nacala (Nampula) até ao distrito de Cuamba (Niassa). A
segunda é a linha Cuamba-Entre Lagos. Tem uma extensão de 77 km. As duas linhas
formam o corredor de Nacala – à semelhança do corredor de Beira e do Corredor
de Maputo, nas regiões centro e sul, respectivamente. A terceira é a linha
Cuamba-Lichinga. Tem 262 km; permite a circulação de comboios de transporte de
passageiros e mercadorias entre a capital de Niassa (Lichinga) e Cuamba,
desempenhando papel fundamental para o desenvolvimento da província. As três
linhas foram concessionadas a CDN. O evidente conflito de interesses de altos
dirigentes do Estado e de quadros dos CFM Só para se ter ideia: de 16 de
Janeiro a 14 de Junho de 2010, era presidente da República Armando Emílio
Guebuza; era Primeiro-Ministro, Aires Bonifácio Baptista Ali; era Presidente do
Conselho de Administração (PCA) da Empresa Portos e Caminhos de Ferro de
Moçambique, Rui Cirne Plácido de Carvalho Fonseca. A defesa do interesse
público na concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte estava incumbida a
estes três dirigentes. Sucede, porém, que os três estavam teoricamente
envolvidos na concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte, através de
empresas por eles participadas. Armando Guebuza e Aires Ali são fundadores de
uma sociedade denominada MG – Moçambique Gestores. Rui Fonseca é fundador de
outra sociedade denominada GESTRA – Gestão e Transportes. A MG e a GESTRA fazem
parte da estrutura accionista da SDCN, que detém 51% do CDN, a entidade
concessionária do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Em entrevista ao CIP,
Rui Fonseca explicou que participou na fundação da GESTRA em representação de
um terceiro, o Eng. Fernandes Ferreira Mendes.Nesse mesmo período (de 16 de
Janeiro a 14 de Junho de 2010), o consórcio CDN acumulava elevadas dívidas ao
Estado e aos CFM, resultante da utilização sem pagamento da infra-estrutura
concessionada. Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 19 Cabia
ao Governo e aos CFM – os CFM são os donos das infra-estruturas concessionadas
– exigir o pagamento da dívida e recorrer à cobrança contenciosa, caso fosse necessário.
Tal não aconteceu. A 15 de Junho de 2010, foi noticiada a exoneração de Rui
Fonseca do cargo de PCA dos CFM. Fonseca ocupava o cargo desde Agosto de 1997,
dois anos após a transformação da empresa de estatal para pública8 . Aires Ali
continuou Primeiro-Ministro até 08 de Outubro de 2012 e Armando Guebuza só
deixou a presidência da República em Janeiro de 2015. As figuras acima
mencionadas são apenas amostra da grande participa- ção de políticos e quadros
dos CFM na concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte, que pode ter
influenciado negativamente na gestão do empreendimento público, embora Fernando
Couto, o moçambicano não político e accionista da concessionária do Porto de
Nacala afirme que “nunca sofreu pressão dos políticos na gestão do porto”. 2.3.
A SDCN por detrás da CDN A CDN é uma sociedade anónima formada pela SDCN e
pelos CFM mas os verdadeiros beneficiários da concessão são os accionistas da
SDCN, uma vez que os CFM, mesmo antes da concessão, já eram a entidade
proprietária e gestora do Porto de Nacala. Com a concessão, os CFM perderam 51%
do Porto de Nacala e da Linha do Norte. A CDN e a SDCN não têm relatórios e
contas auditados, disponíveis ao público, segundo consta do relatório do
Conselho da Administração dos CFM, enviado ao Governo em 2010: “a auditoria às
contas [da CDN] dos anos 2001 a 2009 (9 anos) ainda estava por concluir”.
Significa que as sociedades permaneceram pelo menos 9 anos com contas não
auditadas. Os preparativos para a concessão destes empreendimentos haviam sido
iniciados com antecedência, há anos. Políticos nacionais de grande influência 8
Nhamire, Borges (2010) Rui Fonseca e seu elenco cessam funções, in Canalmoz de
15.06.10 20 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique sobre o Governo e o partido Frelimo criaram empresas
em forma de sociedade anónimas, durante a segunda metade da década de 1990, que
viriam a beneficiar da concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. A
entrada de empresas de políticos nacionais na concessão da Linha do Norte e do
Porto de Nacala foi garantida através de participação na estrutura accionista
da SDCN, detendo 33% do total de capital da sociedade. A SDCN foi constituída a
22 de Janeiro de 1998, em Maputo, em forma de Sociedade Anónima de
Responsabilidade Limitada (S.A.R.L). Na terminologia do actual Código Comercial
(aprovado em 2005), designa-se Sociedade Anónima (SA). O capital social da
SCDN, aquando da sua criação, era de um milhão e duzentos meticais. O valor
investido pelos nacionais nunca foi revelado, mas a participação de cada um era
de aproximadamente 5% na estrutura da sociedade. “Realização de estudo de
viabilidade da linha férrea do porto e da baía de Nacala, negociação com o
Governo de Moçambique do contrato de concessão do porto de Nacala e da rede
ferroviária do corredor de Nacala e a constituição de empresas destinadas a
gerir e desenvolver o porto e a linha férrea de Nacala e o Corredor de
Desenvolvimento de Nacala” foram estabelecidos como o objecto social da SDCN.
Na altura da concessão, quase uma dezena de empresas formava a estrutura
accionista da SDCN. Tratando-se de uma sociedade anónima, as empresas
accionistas da SDCN nunca foram reveladas. Sua designação foi omitida no
Boletim da República no qual foram publicados os estatutos da sociedade9 . Foi,
porém, possível apurar, através desta pesquisa, os nomes das principais
empresas accionistas da SDCN desde a constituição da sociedade até ao presente.
Interessa aqui destacar as empresas que beneficiaram da concessão do Porto de
Nacala. Nove empresas foram importantes accionistas da SDCN no momento crucial
da concessão. Duas (2) eram estrangeiras (norte-americanas); cinco (5) são de
moçambicanos politicamente muito influentes e duas (2) estão ligadas ao
empresário Fernando Amado Leite Couto. Para as empresas dos políticos
moçambicanos e quadros do CFM ficou a designação “investidores nacionais”. Os
nomes das empresas são raramente mencionados. Quase que não existem registos
públicos na imprensa nem em relatórios públicos que mencionam estas empresas. 9
BR nº 28, III Série de 15 de Julho de 1998 – pág. 707 Caso da concessão do
Porto de Nacala e Linha do Norte 21 Em todas as vezes que se falava de
accionistas da SDCN mencionava-se apenas as empresas norte-americanas Edlows Resources
e Railroad Development Corporation, que eram as que estavam directamente
envolvidas na gestão do porto, para além da NCI, do empresário Fernando Couto,
considerado um dos “pais” do consórcio “SDCN” e da concessão. Do ponto de vista
de qualificação dos accionistas da SDCN, usando o critério da origem de
capital, há três grupos distintos, designadamente: Accionistas estrangeiros
(51% do capital) • Edlows Resources (EDR) – norte-americana • Railroad
Development Corporation (RDC) – norte-americana Investidores nacionais (33% do
capital) • Consórcio Cabo Delgado • Gestra – Gestão e Transportes • Gedena –
Gestão e Desenvolvimento de Nampula • MG – Moçambique Gestores • Niassa
Desenvolvimento • STP – Sociedade de Tecnologias Portuárias10. Empresa ligada a
Fernando Amado Couto/MANICA • NCI – Nacala Comércio e Investimentos (16% do
capital) As seis empresas nacionais que integram a estrutura accionista da SDCN
pertencem a figuras políticas da elite nacional e a quadros dos CFM com cargos
de chefia e de direcção, com excepção da STP. Todas as empresas nacionais
integrantes da estrutura accionista da SDCN foram constituídas nos finais da
década de 1990 como sociedades anónimas, ocultando, por conseguinte, os seus
accionistas. Apesar do grande esforço para ocultar a identidade dos verdadeiros
beneficiários da concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte, através de
formação sociedades anónimas, para algumas destas empresas foi possível apurar
seus accionistas e beneficiários, através de consultas em arquivos de
instituições 10 A STP é também empresa de Fernando Amado Couto. Difere do
tratamento com a extinta NCI pelo facto desta ter sido constituída inicialmente
por Rennies, investidor sul-africano e, mais tarde, com a saída deste do
consórcio, a empresa ter passado para o grupo Manica, de que é presidente o
mesmo empresário Fernando Amado Couto. Mais tarde a NCI foi extinta e sua
participação na SDCN vendida para a brasileira Vale. 22 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique de
depósito legal. Há, porém, algumas empresas que não possuem registos ou cujos
registos foram extraviados dos arquivos das conservatórias. A estrutura da SDCN
não se manteve sempre a mesma. Ao longo dos 17 anos da sua existência houve
entrada e saídas de accionistas, com base em compra e venda de participação,
negócios cujos principais termos e os nomes dos compradores nunca foram
divulgados. Todos estes negócios tinham como base o Porto de Nacala e a Linha
do Norte, os únicos activos que a SDCN detinha em Moçambique. Dentre entradas e
saídas de accionistas da SDCN, destaque para a venda de participação das duas
empresas norte-americanas Edlows Resources e Railroad Corporation à Insitec de
Celso Correia e a posterior revenda da participação da Insitec à Vale. Os
detalhes sobre estes negócios são desenvolvidos mais adiante, quando se discute
os benefícios da concessão e a falta de transparência na gestão da concessão. A
figura 2 mostra as mais destacadas entradas e saída de accionistas na SDCN, desde
o início da concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Tratando-se de
informação obtida através de fontes alternativas admite-se alguma margem de
erro, principalmente nos anos em que houve a troca de accionistas, mas há
certeza sobre os nomes dos accionistas. Durante a realização da pesquisa, o CIP
contactou formalmente os CFM, a CDN, a Portos do Norte, a Insitec, o antigo PCA
dos CFM, Rui Fonseca, o Ministro dos Transportes e Comunicações para obtenção
de informação precisa sobre a concessão. Somente a Portos do Norte e o antigo
PCA dos CFM, Rui Fonseca, aceitaram conceder entrevistas sobre a concessão.
Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 23 Figura 2. Accionistas
da CDN ao longo do tempo (verdadeiros beneficiários da concessão) Fonte:
Entrevistas a personalidades ligadas ao projecto 24 Parcerias Público-Privadas:
Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique Sociedades anónimas:
o esconderijo “legal” dos dirigentes em conflito de interesses A legislação
comercial moçambicana abre espaço para que investidores que não desejam ver os
seus nomes associados a negócios constituam sociedades designadas anónimas. A
regra é que, nos contratos de sociedade, se faça a “identificação dos sócios e
dos que em sua representação outorguem no acto”11. Porém, o legislador
moçambicano abriu excepção para que nas sociedades anónimas a identificação dos
sócios seja preterida, conforme se entende da colocação do artigo 333 do Código
Comercial. Esta permissão legal à ocultação de nomes de accionistas das
sociedades anónimas foi e continua a ser muito utilizada pelos políticos
nacionais como esconderijo para omitir ao público as suas empresas, que são
criadas para fazer negócios com o Estado, o mesmo Estado que eles dirigem. A
situação propicia, por um lado, a prevalência de conflito de interesses pela
parte dos gestores públicos que são, simultaneamente, defensores do bem público
e de interesses próprios nas empresas em que muitas vezes realizam negócios com
o Estado. Por outro lado, a situação revela uma verdadeira barreira no acesso à
informação relevante pelo público para avaliar a conduta dos dirigentes que são
simultaneamente empresários. 11 Cfr. art. 92, alínea a, do Código Comercial
Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 25 2.4. Perfil de
accionistas da CDN/SDCN 2.4.1 Moçambique Gestores: A empresa de altos
dirigentes do Estado Dois meses depois da publicação da Resolução 5/96, de 2 de
Abril, que aprova a Política dos Transportes, abrindo espaço para a
“participação do capital privado na criação e reabilitação de infra-estruturas,
na gestão por contrato ou concessão, parcial ou total, de portos, linhas
férreas e aeródromos, e na constituição e exploração de empresas de navegação
aérea e marítima”, um grupo de políticos da elite dirigente do Estado reuniu-se
para criar uma sociedade anónima denominada Moçambique Gestores (MG). Com a
missão de exercer “Gestão empresarial e participações; Exploração de unidades
industriais; Investimentos; Estudos e projectos; Participações financeiras”, a
Moçambique Gestores foi constituída a 03 de Junho de 1996 por figuras que
assumiam funções de direcção do Estado, suas esposas e alguns “anónimos”.
Dentre os seus accionistas encontram-se figuras que assumiram cargos de
Presidente da República, Ministro, Primeiro-Ministro, deputado da Assembleia da
República, Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional, só para citar alguns
exemplos. A MG foi constituída como sociedade anónima e, portanto, os nomes dos
seus accionistas/outorgantes foram ocultados no Boletim da República12 no qual
foram publicados os estatutos da empresa. Único documento onde estão
identificados os accionistas/outorgantes da MG é o livro, manuscrito, do
cartório notarial onde foi registada a sociedade. Trata-se do livro c-24 do 3º
Cartório Notarial da Cidade de Maputo. 12 BR nº 35, III Série de 27 de Agosto
de 1997 26 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique Quadro 1. Lista de accionistas/outorgantes da
Moçambique Gestores, beneficiária da concessão do Porto de Nacala e da Linha do
Norte Nº. ordem Nome Observação 1 Armando Emílio Guebuza Ocupou, dentre vários
cargos, o de Presidente da República e Ministro dos Transportes e Comunicações,
órgão de tutela dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique 2 Maria da Luz Dai
Guebuza Esposa de Armando Guebuza 3 Mário António Dimande Foi Director Geral
dos CFM até 1997 4 Nora Vicente Maculuve 5 Teodato Mondim da Silva Hunguana Foi
Ministro, Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional 6 António Américo Amaral
Magaia Sócio da SOMOESTIVA, a única empresa com a participação de Filipe Nyusi.
7 Argentina da Conceição Nhantumbo Magaia 8 Benjamim Alfredo 9 Isabel Luís
Chaúque Alfredo 10 Manuel Alexandre Panguene 11 Mário da Graça Fernando
Machungo Antigo Primeiro-Ministro 12 Augusto Joaquim Cândido 13 Raimundo Manuel
Bila 14 Cadmiel Filiane Muthemba Antigo Ministro 15 Maria Helena Paulo 16
Gabriel Mabunda Quadro sénior dos CFM 17 Miguel José Matabel 18 Armando
Francisco Cossa 19 Bartolomeu Augusto Guiliche 20 Moisés Rafael Massinga Caso
da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 27 Nº. ordem Nome Observação
21 Filor Nassone 22 Venâncio Jaime Matusse 23 Fernanda Carolina Betrufe Manave
Matsinha 24 Mariano de Araújo Matsinhe Antigo Combatente, foi Ministro e Governador
25 Rosário Mualeia Ex-Governador de várias províncias e ex-PCA dos CFM 26
Eduardo Silva Nihia Antigo combatente e Conselheiro do Presidente Guebuza 27
Bonifácio Gruveta Massamba Antigo combatente, foi Governador 28 Orlando Pedro
Conde 29 Abel Ernesto Safrão Deputado pela bancada da Frelimo 30 Eugénio Numaio
Antigo Governador e deputado 31 Arnaldo Tembe 32 Flora Manuel Arnaldo Tembe 33
Feliciano Salomão Gundana Antigo combatente e Ministro de diversas pastas e
Governador de diversas províncias. É membro fundador da Frelimo 34 Aires
Bonifácio Baptista Ali Foi Primeiro-Ministro, Governador e Ministro 35 António
Correia Fernando Sumbana Ministro de diversas pastas 36 Pires Daniel Manuel
Sengo 37 Alfredo Fontes Selemane Namitete Vice-Ministro Fonte: Livro c-24 do 3º
Cartório de Notarial da Cidade de Maputo e entrevistas 28 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique
2.4.2. GESTRA: A empresa dos quadros dos CFM A 15 de Maio de 1997, um grupo de
10 quadros destacados dos CFM, dentre eles, Rui Cirne Plácido de Carvalho
Fonseca – PCA dos CFM de 1997 a 2010 – constituíram a GESTRA (Gestão e
Transportes). Nessa altura já se negociava a criação da SDCN, com o propósito
de beneficiar da concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Três anos
depois os contratos da concessão foram assinados e assim a GESTRA entrava na
concessão de exploração do Porto de Nacala e da Linha do Norte através da sua
participação na SDCN. A GESTRA foi fundada exactamente focada na concessão de portos
e caminhos de ferros, a olhar pelo seu objecto social que é: • Manuseamento de
mercadorias e prestação de serviços a navios, em terminais portuários
concessionados em portos nacionais, incluindo a actividade de estiva e de
fornecimento de bens de consumo a navios e manutenção dos respectivos meios; •
Transporte ferroviário de mercadoria e de passageiros em linhas férreas do
território nacional devidamente concessionadas e manutenção dos respectivos
meios; • Agenciamento de mercadorias em trânsito pelo território nacional, bem
como de mercadorias domésticas em movimentação no território nacional,
incluindo o armazenamento dessas mercadorias; • Agenciamento de navios nos
portos nacionais; • Transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros e
manutenção dos respectivos meios; • Transferência de cargas entre diferentes
modos de transporte (terminais intermodais); Tendo sido fundada como
sociedade anónima, a GESTRA também tem os seus accionistas/outorgantes omitidos
no Boletim da República13 no qual estão publicados os respectivos estatutos.
Entretanto, foi possível apurar os nomes através de consulta directa das folhas
106, do livro c-24, do Terceiro Cartório Notarial da Cidade de Maputo, conforme
indicado no quadro 2. 13 BR nº 33, III Série de 13 de Agosto de 1997 Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 29 Quadro 2. Relação nominal dos
accionistas/outorgantes da Gestra Nº. de ordem Nome Observação Francisco Ilídio
de Rocha Dinis João de Passos Fonseca Vieira Ocupou cargos de Director do Porto
de Maputo e Director Comercial dos CFM Manuel Henriques Teixeira Júlio Dias
Lopes Hingá Rui Cirne Plácido de Carvalho Fonseca PCA dos CFM de 1997 a 2010
Gabriel Mabunda Director de Recursos Humanos dos CFM entre 1976 e 1978 Carlos
Fernando Bambo Nhangou Antigo Director no CFM-Norte e sócio da SOMOESTIVA, a
única empresa registada oficialmente em nome de Nyusi Eunice Maria António
Carneiro Maria António Rothenberger Rui Ferreira dos Santos Fonte: Livro C-24
do 3º Cartório Notarial da Cidade de Maputo 2.4.3. Gedena, Consórcio Cabo
Delgado e Niassa Desenvolvimento: As empresas dos generais do norte No mesmo
período – segunda metade da década de 1990 - que se constituía, em Maputo, a
Moçambique Gestores, representando interesses de altos dirigentes do Estado,
com predominância dos da região Sul e Centro do país, no norte eram também
constituídas três sociedades anónimas dos conhecidos generais do norte. Gestão
e Desenvolvimento de Nampula (GEDENA), Niassa Desenvolvimento e Consórcio Cabo
Delgado são as três empresas presentes na SDCN, 30 Parcerias Público-Privadas:
Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique representando os
interesses dos generais do norte. Todas elas são beneficiárias da concessão do
Porto de Nacala e da Linha do Norte. A GEDENA foi registada no Cartório
Notarial de Nampula a 17 de Fevereiro de 1998, cujo objecto social é a
“realização de investimentos no segmento da agricultura, pescas e indústria,
bem assim efectuar a gestão de infra-estruturas de transporte, especialmente
ferro-portuárias; assegurar a gestão comercial, incluindo a importação e
exportação, infra-estruturas agrárias, industriais e de transporte, através da
participação social em sociedades a constituir, na aquisição de partes sociais
de sociedades já existentes e ainda pela celebração de acordos e parcerias de
associação empresarial”14. Dois meses depois, isto é, precisamente a 04
de Agosto de 1998, no Cartório Notarial de Lichinga, outra sociedade
anónima era constituída por figuras da elite política, com o propósito de
participar na concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Trata-se da
Niassa Desenvolvimento, cujo objecto social descrito é: efectuar a gestão de
infra-estruturas de transporte, especialmente ferro-portuárias; assegurar a
gestão comercial de infra-estruturas agrárias, industriais e de transporte,
através da participação social em sociedades a constituir, na aquisição de
partes sociais de sociedades já existentes e ainda pela celebração de acordos
de parcerias, de associação empresarial. A sociedade Consórcio Cabo Delgado
(CCD) fecha o lote das empresas moçambicanas accionistas da SDCN. Representa os
interesses de generais do norte, com Alberto Chipande à cabeça. Foi registado
no Cartório Notarial de Pemba, a 02 de Julho de 1998, com capital social de 200
milhões de meticais (200 mil meticais actuais)15. A CCD estabeleceu como
objecto social a realização de investimentos no segmento de agricultura, pesca
e indústria; gestão de infra-estruturas de transporte, especialmente
ferro-portuário; gestão comercial de infra-estruturas agrárias,
industriais e de transporte através da participação social em sociedades a
constituir e na aquisição de partes sociais de sociedades já existentes e ainda
pela celebração de acordos e parcerias de associações empresariais. 14 BR nº
11, III Série de 18 de Março de 1998 15 BR nº 32, III Série de 12 de Agosto de
1998 Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 31 Metade dos
“fundadores” do partido Frelimo estão envolvidos na concessão Alberto Chipande
está entre as 12 figuras que a 26 de Agosto de 1991 assinaram num Cartório
Notarial a constituição do Partido Frelimo, com o objectivo único da
“consolidação contínua da independência nacional, da ordem democrática popular
e a construção do socialismo”. Construção do socialismo à parte, entre os 12
“camaradas” que se juntaram em 1991 para a constituição do partido Frelimo,
pelo menos metade são beneficiários da concessão do Porto de Nacala e da Linha
do Norte. Para além de Chipande, são teoricamente beneficiários da concessão os
seguintes constituintes da Frelimo: Armando Emílio Guebuza, Mário da Graça
Machungo, Feliciano Gundana, Eduardo Nihia, Mariano de Araújo Matsinhe16.
Chipande é descrito como o líder do grupo dos “investidores nacionais”
beneficiários da concessão do Porto de Nacala e da Linha o Norte. De facto, foi
Presidente do Conselho de Administração da CDN até à entrada da Insitec no
consórcio. Foi substituído pelo actual Ministro de Terra, Ambiente e
Desenvolvimento Rural, Celso Correia. Tal como as demais empresas moçambicanas
constituintes da SDCN, a GEDENA, Niassa Desenvolvimento e Consórcio Cabo
Delgado foram constituídas como sociedades anónimas. Os seus accionistas e
percentagem de acções detidas por cada um estão ocultados. 2.4.4. STP e NCI: As
empresas do pai da concessão, Fernando Couto Do grupo das empresas que formaram
a Sociedade de Desenvolvimento do Corredor de Nacala, duas estavam associadas a
uma única figura: Fernando Couto. Couto é um verdadeiro playmaker da equipa
moçambicana na SDCN. Ora administrador executivo da CDN, ora apresentado como
Director Geral do CDN, Couto era a cara da CDN enquanto o Porto de Nacala
estava sob gestão desta empresa. Quando a gestão do Porto de Nacala passou da
CDN para 16 A lista completa de figuras que registaram a constituição do
partido Frelimo, em 1991, é composta por: Joaquim Alberto Chissano, Marcelino
dos Santos, Alberto Joaquim Chipande, Armando Emílio Guebuza, Jorge Rebelo,
Mariano de Araújo Matsinhe, Jacinto Soares Veloso, Mário Fernandes da Graça
Machungo, Pascoal Manuel Mocumbi, Eduardo Silva Nihia, Feliciano Salomão
Gundana, Rafael Benedito Maguni. Está publicada no Boletim da República nº 43,
III Série, de 23 de Outubro de 1991 32 Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique a empresa Portos do
Norte (PN), Couto assumiu a presidência da comissão executiva (do PN) e
continua a ser a cara do Porto de Nacala. Quando os accionistas
norte-americanos “abandonaram” a concessão, Couto assume: “deixaram-me com o bebé
nas mãos”. “Não sou o pai da concessão. Sou um dos pais da concessão”17 .
Antigo quadro do Ministério dos Transportes e Comunicações (trabalhou no
gabinete jurídico), Couto é jornalista, jurista e, sobretudo, empresário. É
grande conhecedor da área de transportes e logística ferro-portuária. Empresas
do sector ferro-portuário ligadas ao seu nome são muitas: para além do Corredor
do Desenvolvimento do Norte e da Sociedade de Desenvolvimento do Corredor de
Nacala, o nome de Couto está ainda ligado à Manica, à Terminais do Norte, à
Sociedade de Tecnologia Portuária (STP), à extinta Nacala Comércio e
Investimentos (NCI), à recém-criada Portos do Norte (PN). Esta última é, desde
15 de Março de 2013, a gestora do Porto de Nacala. É através das empresas (STP e
NCI) que Fernando Couto entra na SDCN e, por conseguinte, no CDN. Sabe-se que
foi Fernando Couto que convidou os políticos nacionais a participarem na SDCN
para a formação do consórcio CDN, que ganhou a exploração e gestão do Porto de
Nacala e da Linha do Norte. “...Quando o consórcio é feito, ao mesmo tempo que
o Sr. Edlows fazia o consórcio da parte estrangeira, eu entendi que porque
tinha testemunhado como é que estava a decorrer ainda o concurso do corredor de
Maputo, tinha visto como é que tinha sido feita a questão do porto da Beira, e
entendi que deveria haver uma participação nacional muito significativa dentro
do próprio projecto. E convidei na altura o general Chipande, que tinha acabado
de deixar de ser Ministro de Defesa, para ele encetar os convites para os
nacionais ficarem presentes com uma participação significativa dentro do
corredor”. – Fernando Couto18 17 Entrevista concedida no dia 22 de Setembro de
2015, em Maputo, no âmbito da presente pesquisa 18 Extracto de entrevista de
Fernando Couto retirado da tese de Nelson Saúte intitulada “Crónica de Uma
Integração Imperfeita: O caso da privatização da gestão dos Portos e Caminhos
de Ferro em Moçambique 2000-2005”, apresentada para a obtenção de grau de
mestre em Sociologia na Universidade de São Paulo, Brasil, em 2010. Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 33 Segundo palavras do próprio
Fernando Couto, foi, portanto, pela sua mão, que os altos dirigentes do Estado
entraram na concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Em entrevista ao
CIP explicou que queria ver figuras influentes originários do Norte do país a
participar no consórcio que iria desenvolver a sua própria região. Garante que
os empresários políticos foram por ele convidados e que tiveram de arranjar
dinheiro para investir. Mais tarde viria a notar-se que a participação de
políticos influentes na concessão dificultou a relação entre o Governo e a
concessionária, com esta a desobedecer as decisões da entidade concedente.
Fernando Couto alega que os problemas da concessão não foram causados pelos
muitos políticos beneficiários da concessão e assume que se tivesse que voltar
a conceber um consórcio para ganhar concessão iria convidar novamente políticos
para integrá-la mas usaria moldes diferentes (bolsa de valores). 34 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique 3.
CONCESSÃO COM ENORMES PREJUÍZOS PARA O ESTADO “Julgamos que os casos da
concessão do Porto de Nacala e da Linha Férrea do Norte requerem uma particular
atenção, dado o seu estado actual que se caracteriza, de forma resumida, por
uma má conservação das infra-estruturas, aumento galopante da dívida do
Concessionário ao Estado e ao CFM, desrespeito pelos órgãos sociais e pelos
Estatutos da Sociedade” (CFM, 2011:24) Os contratos da concessão do Porto de
Nacala e Linha do Norte foram assinados no ano 2000 e a gestão efectiva dos
empreendimentos pela concessionária CDN iniciou em Janeiro de 2005. Já passa,
portanto, uma década desde que o Estado deixou de explorar estas infra-estruturas,
passando-as para uma entidade privada. 3.1. Principais obrigações da
concessionária No Contrato de Concessão da Linha Férrea do Norte estão fixadas
as principais obrigações da concessionária na cláusula 2.2 e seguintes que,
resumidamente, são a “gestão, operação, financiamento, reabilitação,
manutenção, desenvolvimento e optimização” da infra-estrutura concessionada.
Estas obrigações são, nos termos contratuais, realizadas pela concessionária
“por sua própria conta e risco e sem recursos aos créditos e garantias da
Autoridade Concedente (Ministérios dos Transportes e Comunicações) e nem dos
CFM”. Para além destas obrigações, no artigo 2.5 e seguintes estão fixadas as
remunerações que a concessionária deve pagar à autoridade concedente pela concessão
que são: Retribuição Inicial no valor de um milhão e quinhentos mil dólares
(USD 1.500.000,00), pagável à autoridade concedente na data de tomada de posse
(10 de Janeiro de 2005); Retribuição de Execução a pagar anualmente a partir da
data de concessão até ao término do contrato. Esta retribuição subdivide-se em:
Renda Fixa, no valor de um milhão e quinhentos mil dólares a partir do segundo
Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 35 ano da concessão ao
quinto ano; o valor da renda sobe para dois milhões e quinhentos mil dólares
por ano, a partir do sexto até ao decimo ano; a partir do décimo primeiro ano
até ao décimo quinto (último da concessão) o valor da renda fixa passa para
três milhões de dólares. A retribuição de Execução é ajustável com base no
Índice de Preços dos Estados Unidos da América (EUA) e com base na inflação
publicada pelo Bureau de Estatística Laboral dos EUA e tem “período de carência
que será o primeiro ano da operação”19. Renda variável. Está prevista no artigo
2.3.5. É cobrada em função do volume de negócios anual da sociedade (CDN) e é
crescente ao longo do tempo. É de 5% das receitas brutas do primeiro ao quinto
ano; de 7,5% das receitas brutas do sexto ao décimo ano; é de 10% das receitas
brutas do décimo primeiro ao décimo quinto ano. Não foi possível ainda obter o
contrato que regula a concessão do Porto de Nacala à mesma sociedade. Pelos
termos da concessão publicados pelo Decreto 20/2000, de 24 de Julho, os termos
gerais da concessão são semelhantes tanto na Linha Férrea como no Porto,
devendo haver diferenças quanto aos valores de remuneração ao Estado. 3.2.
Prejuízos da concessão Dez anos depois, muito pouco do que se esperava foi
alcançado, embora a concessionária julgue que houve alguns benefícios como a manutenção
de milhares de postos de trabalho e a realização de funções sociais da Linha do
Norte, de garantir a ligação entre as províncias de Nampula e do Niassa através
da circulação de comboios. Numa apresentação feita num seminário de avaliação
das concessões, organizado pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, em
Maputo, no dia 19 de Novembro de 2015, o Director Executivo da CDN disse que a
sociedade já pagou sessenta e três milhões e duzentos mil dólares ao Governo,
como resultado da concessão. Todavia, este pagamento, para além de ter chegado
demasiado tarde, está abaixo daquilo que é o investimento feito pelo Estado na
concessão. O Estado moçambicano está a endividar-se em 350 milhões de dólares
da JICA para a reabilitação e modernização do Porto de Nacala, actividade que
devia ser executada pela concessionária. 19 Art. 2.5.2.1 do Contrato de
Concessão da Linha Férrea do Norte 36 Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique Não há garantias de que
a concessionária irá assinar acordo de retrocessão do crédito contraído pelo
Estado, uma vez que não comparticipou na mobilização de financiamento para a
reabilitação do Porto. Tratando-se de uma concessionária politicamente muito
influente, os problemas da concessão levaram algum tempo para aparecer ao
público, mas alguns gestores dos CFM, insatisfeitos com o curso que a gestão
privada dos empreendimentos tomava, começaram a vir a público queixar-se. Uma
das caras visíveis da contestação da concessão foi o então PCA dos CFM, Rui
Fonseca. 3.2.1. Milhões de dólares em dívidas acumuladas ao Estado Como vimos
acima, a CDN não reunia consenso para lhe ser adjudicada a concessão do sistema
ferro-portuário do Norte e os prejuízos causados pelo trato começaram a aparecer
logo nos primeiros anos do negócio. Os relatórios oficiais dos CFM, os públicos
e os elaborados exclusivamente para o Governo, indicavam os prejuízos da
concessão. Enquanto nos relatórios e contas dos CFM, que são de acesso público,
a informação dos prejuízos causados pelos incumprimentos da CDN não era
colocada de uma forma claramente perceptível, nos relatórios que a empresa
enviava exclusivamente ao Governo, esta informação era claramente exposta. O
Conselho de Administração dos CFM, dirigido por Rui Fonseca, quando cessou
mandato em Junho de 2010, elaborou um relatório com informação bastante
detalhada e esclarecedora sobre os prejuízos que a CDN causava ao Estado. Este
relatório foi enviado exclusivamente ao Governo, que não tomou decisão de rever
a situação, embora tivesse poderes bastantes para tal. Recorde-se que na altura
em que Rui Fonseca enviou o relatório ao Governo, entretanto, explicando os
prejuízos de milhões de dólares causados pela CDN ao Estado, era chefe do
Estado, Armando Emílio Guebuza, que simultaneamente é accionista da CDN,
através da Moçambique Gestores que detinha cerca de 5% da SDCN. Na mesma
altura, o accionista maioritário da SDCN era a Insitec, empresa que foi sempre
associada a Armando Guebuza. O relatório do Conselho de Administração dos CFM,
enviado ao Governo em 2010, indica que naquele ano a CDN se caracterizava por:
• Prejuízo acumulado de 25, 7 milhões de dólares; • Falta de auditoria às
contas da sociedade de 2001 a 2009; Caso da concessão do Porto de Nacala e
Linha do Norte 37 • Utilização de financiamento (crédito concedido pela OPIC)
sem planos nem orçamentos aprovados, sem respeito por vários aspectos da
legislação cambial. • Não apresentação, pela concessionária, dos certificados
de seguros actualizados da infra-estrutura concessionada; • Ausência de
investimentos e manutenção da Linha Férrea [e do Porto] concessionados; •
Redução drástica de mão-de-obra afecta à ferrovia, contra a vontade dos CFM; •
Incumprimento de acordo assinado entre a SDCN e os CFM e ratificado pelo
Governo, para reverter a situação de má gestão e liquidar o passivo da
sociedade com o Estado. 3.2.2. Falta de manutenção de infra-estruturas
concessionadas Os CFM manifestavam a preocupação com o avolumar das dívidas do
CDN, mas não só. A falta de manutenção da infra-estrutura concessionada e
desacato das recomendações da entidade concedente eram outras preocupações
levantadas pela entidade concedente, os CFM: “Julgamos que o caso da concessão
do Porto de Nacala e da Linha Férrea do Norte requer uma particular atenção,
dado o seu estado actual que se caracteriza, de forma resumida, numa má
conservação das infraestruturas, num aumento galopante da dívida do
Concessionário ao Estado e aos CFM, no desrespeito pelos órgãos sociais e pelos
Estatutos da Sociedade. Em diversas ocasiões alertámos, face à realidade
preocupante no que tange à inexistente manutenção da linha férrea do Norte,
para a necessidade de medidas urgentes sob pena de, a qualquer momento,
vivermos situações dramáticas que podem redundar na perda de vidas humanas e
danos materiais avultados em infra- -estruturas importantes e vitais para o
desenvolvimento da zona norte do país e para os países vizinhos do hinterland
servidos pelo Porto de Nacala”. – CFM, 2009: 54 A concessionária ficou cerca de
uma década a explorar as infra-estruturas concessionadas, sem realizar nenhuma
obra de relevo para a sua manutenção. Os próprios CFM tiveram que investir
dinheiro dos seus lucros para a 38 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento
Necessário Mas Problemático Em Moçambique manutenção da Linha Férrea do Norte
que, entretanto, estava concessionada. Esta situação revelou falta da partilha
do risco entre as partes, o que desvirtua a essência de uma PPP. “Outro grande
desafio tem a ver com o Sistema Ferro-Portuário do Norte, cujas
infra-estruturas encontram-se em avançado estado de degradação em virtude de
não estarem a beneficiar da necessária manutenção por parte do Concessionário
(CDN). – CFM, 2012:26 Para a Linha do Norte, os CFM tiveram de investir o próprio
dinheiro para garantir a manutenção mínima. Para o Porto de Nacala, o Governo
teve de recorrer a um crédito público da Agência Internacional de Cooperação
Japonesa (JICA) para reabilitá-lo. Japão tem grandes interesses no norte de
Moçambique, com destaque para o projecto Pro-SAVANA, dedicado ao
desenvolvimento de agricultura industrial em mais de 10 distritos das
províncias de Nampula, Niassa e Zambézia. O Porto de Nacala é infra-estrutura
fundamental para o Pro-Savana tanto para a entrada como para a saída de
mercadorias. Devido ao Estado de degradação em que o Porto de Nacala se
encontrava, primeiro houve financiamento para reabilitação de emergência e
seguiu-se crédito para o denominado “Projecto de Desenvolvimento do Porto de
Nacala”. 3.2.2.1. Recorrer a crédito público para reabilitar um porto
concessionado Com quase uma década de concessão do Porto de Nacala, sem que a
concessionária realizasse obras de manutenção, o Porto de Nacala ficou em
avançado estado de degradação. As operações portuárias ficaram afectadas. A
degradação das infra-estruturas do Porto de Nacala era tema de quase toda a
Imprensa. A concessionária CDN mostrava clara incapacidade ou desinteresse de
intervir. “O Porto de Nacala carece de reabilitação urgente, de investimentos
em equipamento, mão-de-obra jovem e de estabelecer um mecanismo de articulação
entre as várias entidades que nele operam, incluindo empresas de
transporte de carga”. – Jornal Domingo, edição de 31 de Março de 201320 20
Porto de Nacala recria rotas para a eficiência in Jornal Domingo, edição de
31/03/2015 Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 39 A
degradação do Porto era de tal modo que foram necessárias, primeiro, obras de
“reabilitação de emergência21”. A JICA é a entidade que disponibilizou milhões
de dólares ao Governo para proceder à reabilitação e modernização do Porto de
Nacala. O montante global desembolsado pela Agência Japonesa, até 2015, para a
reabilitação do Porto de Nacala, é de 350 milhões de dólares. 30 milhões foram
desembolsados em 2012, destinados à reabilitação de emergência do Porto de
Nacala. Este valor veio como donativo. Em 2013, a JICA desembolsou 70 milhões
de dólares para a Fase I da reabilitação do Porto de Nacala, que terminou em
Setembro de 2015, com cerca de dois meses de atraso em relação ao período
previsto. Em 2015, a JICA desembolsou 250 milhões de dólares, para a Fase II.
Ainda existe uma terceira fase cujo montante total se desconhece. Figura 3.
Placa indicativa das obras da primeira fase de reabilitação do Porto de Nacala
A Fase I consistiu na reparação do pavimento do cais norte, uma nova área de
contentores; compra de 2 Reachstakers; 2 RTG. A reparação do cais de graneis
líquidos e instalação de equipamento de combate a incêndios; 21 Cfr. Plano de
desenvolvimento de actividades para a República de Moçambique, da Embaixada do
Japão em Maputo, elaborado a 15 de Abril de 2015 40 Parcerias Público-Privadas:
Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique A Fase II incluiu a
construção de uma nova estrada de acesso ao porto, a pavimentação do parque de
contentores, a construção de um novo terminal de contentores de transporte
ferroviário, a dragagem, a compra de 3 RTG e a construção de uma nova entrada.
A Fase III engloba a reconstrução do cais, a pavimentação do parque de
contentores, dragagem, a pavimentação da estrada de aceso, a compra de 3 RTG e
de tugmasters22. Este Projecto de Desenvolvimento do Porto de Nacala é de
grande importância para o Estado na medida em que cria condições para a
competitividade do porto, contribuindo para o desenvolvimento do país. O que
está errado é que seja o Estado a contrair crédito público para aplicá-lo numa
infra-estrutura sob concessão de uma entidade privada e esta em nada contribuir
na mobilização de fundos. O Estado está a financiar os privados aos quais foi
concessionada a gestão do porto. Compreendendo o financiamento japonês O Japão,
que está a financiar o projecto de desenvolvimento do Porto de Nacala, tem
amplos interesses no Corredor de Nacala cuja viabilidade está dependente da
operacionalidade do Porto de Nacala e da Linha do Norte. O programa ProSavana,
que visa desenvolver agricultura industrial em 19 distritos de Nampula,
Zambézia e Niassa, é dos maiores projectos do Japão em África. As importações
de maquinarias para o ProSavana e exportações da futura produção serão feitas
através do Porto de Nacala, usando-se a Linha do Norte para a logística
interna. Tendo em vista o interesse japonês no ProSavana, em 2014, a Mitsui, o
maior grupo corporativo do Japão, comprou metade da participação da Vale (42,5%
da concessão) no Porto de Nacala e na Linha do Norte. Com este negócio, a
participação da Vale na SDCN e CDN foi transferida para uma empresa detida em
50% pela Vale e 50% pela Mitsui. A Mitsui comprometeu-se a investir 313 milhões
de dólares nessa empresa . A Vale e a Mitsui, agora juntamente com 85% da SDCN,
comprometeram-se a buscar project finance tanto para a Linha do Norte como para
o Porto de Nacala. É nestes termos que surge o empréstimo da JICA para o desenvolvimento
do Porto de Nacala, visando salvaguardar os interesses japoneses no ProSavana e
no Corredor de Nacala. 22 Portos do Norte; Projecto de Desenvolvimento de Porto
de Nacala; 2014 Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 41 Ainda
em 2014, a Mitsui adquiriu 15% da participação daVale Moçambique na mina de
Moatize. Até então a Vele detinha 95% da Mina de Moatize e os restantes 5%
detidos pelo Estado Moçambicano. Com a entrada da Mitsui (15%), a participação
da Vale baixou para 80%. Como resultado desta operação, a Mitsui concordou em
investir US$ 450 milhões, como aumento de capital da Vale Moçambique23 . 23
Vale optcit O caso da dragagem do canal de acesso ao Porto de Maputo O Porto de
Maputo, também sob gestão privada, está concessionado à Maputo Port
Developement Company (MPDC). Entre 2010 e 2011 três navios que entravam e saíam
do Porto de Maputo encalharam no canal de acesso do Porto, devido às
dificuldades de navegação nessa via. A concessionária do Porto foi obrigada a
realizar obras de aprofundamento do canal avaliadas em 15 milhões de dólares.
Encontrando-se o porto sob concessão de uma entidade privada, coube a esta
mobilizar fundos para as obras e não ao Governo. Para a realização da dragagem
foi criada a Empresa de Dragagem do Porto de Maputo (EDPM, SA), uma unidade
destinada ao financiamento e à gestão dos trabalhos de dragagem daquele porto.
Este projecto foi financiado em 30% pelos accionistas da EDPM, SA e os
remanescentes 70% foram financiados com recurso a um empréstimo bancário. Os
accionistas da EDPM, SA são CFM (49%), Grindrod Mauritius (25,5%) e DP World
(25,5%), sendo que estes são igualmente accionistas da MPDC, concessionária do
Porto de Maputo, na mesma proporção do capital social . O caso do Porto de
Maputo mostra claramente de quem é a responsabilidade de manter
infra-estruturas sob concessão. Evidentemente que mobilizar 15 milhões de
dólares para dragagem do canal de acesso ao porto é diferente de mobilizar 350
milhões de dólares para a reabilitação e modernização do porto. Todavia, se a
concessionária não tem capacidade para o efeito, de que adianta ter
concessionado a infra-estrutura e depois ser o mesmo Estado que concessionou a
contrair empréstimo para a manutenção da infra-estrutura concessionada? 42
Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em
Moçambique 3.2.3. Encerramento de apeadeiros e interrupção arbitrária de
circulação de comboios Outro grande prejuízo, mas de difícil quantificação,
causado pela CDN, é o encerramento de apeadeiros (estações ferroviárias
consideradas precárias e pouco povoadas) e por várias vezes a interrupção
arbitrária de circulação de comboios entre Nampula e Cuamba. O Transporte
Ferroviário entre Nampula e Cuamba desempenha um grande papel social no escoamento
da produção agrícola e é vital para as populações das duas províncias. É um
serviço social que, enquanto a Linha do Norte estava sob gestão directa dos
CFM, sempre foi garantido. A concessionária CDN, não vendo lucros neste serviço
que transporta, essencialmente, camponeses com produtos agrícolas, decidiu
unilateralmente encerrar mais de uma dezena de apeadeiros ao longo do troço
NampulaCuamba, deixando a população local desesperada. O encerramento de
apeadeiros gerou descontentamento generalizado dos utentes de comboios mas o
Governo não conseguiu reverter a situação a favor das populações. O
descontentamento generalizado, aliado ao facto do Governo não conseguir
intervir para defender as populações, levou a que pessoas que supostamente se
sentiam lesadas se organizassem para vandalizar a circulação de comboios.
Pessoas não identificadas, mas que se supunha que eram os utentes dos
apeadeiros encerrados, organizaram-se para colocar barricadas ao longo da
linha-férrea e apedrejar os comboios quando estes passavam das suas zonas, sem,
no entanto, parar, para o embarque e desembarque de passageiros e carga. Em
reacção à revolta popular, ao invés de responder ao clamor da população que
ansiava ver comboios parar nas suas zonas de residência, o CDN decidiu por interromper
a circulação de comboios na Linha do Norte por tempo indeterminado. Uma destas
interrupções aconteceu a 06 de Março de 2014. A CDN decidiu mandar parar a
circulação de comboios em toda a linha Nampula-Cuamba, alegando falta de
segurança causada pelas barricadas na linha e pelos apedrejamentos dos
comboios. A população de Nampula manifestou-se contra o encerramento da linha,
junto da estacão ferroviária central da cidade de Nampula, vislumbrando-se
grande manifestação popular, num ano eleitoral. Caso da concessão do Porto de
Nacala e Linha do Norte 43 Só depois disso é que a circulação de comboios foi
reaberta, uma semana depois. Os prejuízos causados aos utentes dos comboios não
foram ressarcidos, nem sequer quantificados. A CDN é que apareceu a reclamar
que teve prejuízos, nomeadamente, calculados em 63 mil dólares24, como
resultado de pedradas a 11 carruagens que ficaram com 32 vidros destruídos.
Mesmo depois dessa crise, a CDN manteve encerrados 12 apeadeiros que se supõe
sejam o principal motivo que esteve na origem de arremesso de pedras e
colocação de barricadas na linha férrea. Mesmo com o acumular dos prejuízos, o
Governo nunca interveio para forçar a concessionária a respeitar os termos do
contrato. Durante os 10 anos da implementação da concessão do contrato de
concessão do Porto de Nacala e da Linha Férrea do Norte, o Chefe do Estado era
simultaneamente accionista da empresa concessionária dos empreendimentos, como
vimos atrás. 3.2. Benefícios para as elites: Venda de acções Enquanto a concessão
gerava prejuízos para o Estado, havia quem se beneficiava dela. São alguns
accionistas da SDCN que exploraram o negócio de venda das participações.
Durante muito tempo, a sociedade CDN não distribuía dividendos aos seus
accionistas devido aos prejuízos, conforme foi visto acima, no número 3.2.1; em
2010 o prejuízo da sociedade atingia 25,7 milhões de dólares. Porém, a falta de
auditoria às contas da sociedade, pelo menos entre 2001 e 2009, não permite
apurar a veracidade desse prejuízo. Sem partilha de rendimentos, os accionistas
da SDCN encontraram forma de realização de negócios de compra e venda de
acções, tendo como activos para atrair os compradores de acções o Porto de
Nacala e a Linha do Norte, mas principalmente o Porto de Nacala, a infra-estrutura
mais importante e lucrativa. A linha do Norte, devido ao seu grande trabalho
social de transporte de camponeses de Niassa para Nampula e vice-versa não era
atractiva para os “rent seekers”. 24 Entre Nampula e Cuamba: Comboio volta a
circular in Notícias de 12 de Março de 2014 44 Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique 3.3.1 Entrada e saída da
Insitec, de Celso Correia O Grupo INSITEC, cujo presidente é o actual Ministro
da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, foi uma das
beneficiárias deste tipo de negócio. A INSITEC entrou na SDCN, comprando a
participação da EDR e RDC em 200825. Com a compra das acções das duas empresas
americanas, a Insitec ficou com a maioria do consórcio SDCN (51%) e, por
conseguinte, com posição de peso na CDN. Há informação que indica que a INSITEC
não chegou a pagar pelas acções da RDC e EDR. Serviu apenas de intermediário
entre a Vale e as duas empresas americanas. Ou seja, usou o dinheiro da Vale
para pagar a RDC e EDR. A compra de acções dos accionistas americanos pela
Insitec foi anunciada desde Setembro de 2008, através da própria empresa RDC,
numa nota assinada pelo respectivo presidente, Bob Pietrandrea26, mas nunca foi
revelado o valor da transacção, nem pelas empresas americanas nem pela Insitec.
Em artigos de imprensa, na sua maioria publicados no jornal sul-africano ‘The
Times’, a RDC reclamava que reestruturou a linha férrea do norte e agora
retorna a linha para as “mãos dos africanos (Insitec) em muito melhores
condições”27. Esta informação contradizia a realidade no terreno bem como
aquela veiculada nos relatórios dos CFM que tinham uma avaliação muito negativa
da RDC e EDR, os accionistas estrangeiros da SDCN. A mudança na estrutura
accionista da SDCN e, consequentemente, da CDN só aconteceu, porém, no dia 10
de Agosto de 2009, cerca de um ano após o anúncio da retirada da RDC. Com a
mudança, Celso Correia assumiu a presidência da CDN. 25 A compra da
participação dos accionistas americanos pela INSITEC foi anunciada desde Agosto
de 2008, através de comunicado da própria RDC, replicado na imprensa
sulafricana, mas a mudança na estrutura accionista da SDCN e, consequentemente,
da CDN só aconteceu no dia 10 de Agosto de 2009, com Celso Correia a assumir a presidência
do CDN, em substituição de Alberto Chipande. Com a entrada da INSITEC na SDCN,
houve mudanças de vulto na administração do CDN, passando a estar organizado da
seguinte forma: Alberto Chipande – Presidente da Mesa da Assembleia Geral;
Leonilde Loide Bazar - Secretária da Assembleia Gera; o Conselho de
Administração ficou composto por Fernando Amado Leite Couto (STP), Eduardo
França Magaia e Givá Remtula (INSITEC); Osório Sales Lucas, Adelino Fortes
Mesquita e Domingos Bainha (CFM). 26 RDC “Out of Africa”… for now 27 Paul Ash
(2008) Railway back in African hands in The Times; Published Sep 21, 2008 Caso
da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 45 A entrada da Insitec na
SDCN promoveu mudanças de vulto na administração do CDN, sendo o grande destaque
a saída de Alberto Chipande da presidência do CDN, substituído pelo próprio
Celso Correia. A liderança do CDN, com a entrada da Insitec, passou a ser a
seguinte: Presidente do Conselho da Administração: Celso Correia (representando
Insitec); Administradores: Eduardo França Magaia e Givá Remtula (Insitec);
Fernando Couto (STP); Osório Lucas, Adelino Fortes Mesquita e Domingos Bainha
foram nomeados Administradores em representação dos CFM, detentora de 49% da
CDN. Durante o tempo em que a INSITEC esteve na liderança da CDN, não realizou
nenhum investimento de vulto na melhoria das infra-estruturas. É por isso que
até 2011, nos relatórios dos CFM, reclamava-se a falta de manutenção das
infra-estruturas. A INSITEC não levou muito tempo na direcção do CDN. Vendeu a
sua participação à Vale, em 201028. Sabe-se que antes da entrada da INSITEC no
CDN houve negociações muito avançadas com a Vale para que esta comprasse a
parte das empresas americanas. Inexplicavelmente, o negócio não se consumou. Só
que cerca de um ano depois da mesma Vale ter aparentemente desistido de comprar
as acções da RDC e EDR na SDCN, viria a comprá-las, mas desta vez à Insitec. Os
valores envolvidos nas duas transacções realizadas pela INSITEC – compra de
acções da RDC e EDR e posterior venda à Vale – nunca foram tornados públicos em
Moçambique. A ocultação de valores dos negócios baseados em empreendimentos
públicos é uma grande demonstração da falta de transparência na gestão desta
PPP. Entretanto, no relatório de desempenho da Vale, feito para investidores,
consta que a mineradora brasileira desembolsou, em 2010, 21 milhões de dólares
para a compra da participação na SDCN. “Os investimentos com aquisições ao
longo do ano incluíram também: (...) SDCN (Sociedade de Desenvolvimento do Corredor
Norte S.A.) em Moçambique por US$ 21 milhões”. – Vale, 2011:17 28 Um comunicado
da Vale datado de 21 de Setembro de 2010 refere que a Vale S.A. (Vale) informa
que exerceu opção de compra de 51% da participação accionária na Sociedade de
Desenvolvimento do Corredor do Norte SA (SDCN), possuída pela empresa
moçambicana Insitec SGPS SA (Insitec). Disponível em
http://br.advfn.com/noticias/BOV/2010/ artigo/44474564 [acedido a 23 de Junho
de 2015] 46 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique Não foi referido ainda se com estas transacções
houve pagamento ao Estado, em forma de mais-valias, na medida em que houve
rendimentos extraordinários não esperados. 3.3.2. Venda de 16% da NCI à Vale A
sociedade Nacala Comércio e Investimentos (NCI), que ficara com a participação
da Rennies no consórcio SDCN, vendeu também a sua participação à Vale e depois
foi extinta. Igualmente não foram revelados os valores envolvidos no negócio
entretanto, considerando que 51% das acções da INSITEC custaram 21 milhões de
dólares à Vale, dá para chegar à média arredonda de 411 mil dólares por acção.
Fernando Couto, quando questionado se houve pagamento de mais-valias ao Estado
por estes rendimentos extraordinários não esperados, disse que não se podia
falar de mais-valias se “não houve transferência de capitais para o exterior”.
Fernando Couto era o representante do NCI. 3.3.3.1. Separação de gestão do
Porto de Nacala da Linha do Norte e início de cumprimento Como parte do trato
da venda da participação dos investidores nacionais na SDCN para a Vale,
negociou-se também a separação da gestão das duas infra- -estruturas
concessionadas: o Porto de Nacala e a Linha do Norte. Assim, a Linha do Norte
ficou sob a gestão do CDN. Na actual estrutura, a SDCN mantém 51% da CDN e 49%
são dos CFM. As mudanças ocorreram na SDCN. A Vale é a accionista maioritária,
com 85%. Os restantes 15% são detidos pelos investidores nacionais. O Porto de
Nacala passou para a gestão da Portos do Norte, uma empresa criada para o
efeito, em 2012, na qual se aglutinam os interesses dos chamados investidores
nacionais mais os CFM. Os CFM detêm 30% da Portos do Norte. Os restantes 70%
são distribuídos entre as empresas: Gedena, GESTRA, MG, STP Niassa
Desenvolvimento e Cabo Delgado. A percentagem de acções detida por cada uma
destas empresas não foi possível apurar. A separação da gestão do Porto de
Nacala e da Linha do Norte consumou-se a 15 de Março de 2013. De igual forma
não foram revelados os valores envolvidos na transacção. Caso da concessão do
Porto de Nacala e Linha do Norte 47 Entretanto, com a Vele a assumir 85% da CDN
e a separação da gestão do Porto da Linha Férrea, houve algumas melhorias na
gestão do Porto. A nova gestão do Porto, a cargo da Portos do Norte, começou a
cumprir as suas obrigações, pagando impostos ao Estado atempadamente, bem como
a gerar e pagar dividendos aos seus accionistas. Em dois anos, o Porto de
Nacala gerou mais de 167 milhões de meticais de receitas fiscais para o Estado.
Tabela 1: Receitas fiscais pagas ao Estado a partir da actividade do Porto de
Nacala referentes aos exercícios económicos de 2013 e 2014 Período 2013 2014
Total IRPC 43,446,942.93 42,634,855.36 86,081.29 IRPS 17,081,272.78
19,640,053.82 36,721,326.60 IVA 26,058,338.53 15,824,964.58 41,883,303.11 INSS
1,268,842.57 1,812,510.77 3,081,353.34 Total da Carga Fiscal 87,855,396.81
79,912,384.53 167,767,781.34 Fonte: Portos do Norte No mesmo período de
2013/13, os dividendos gerados para os accionistas da empresa concessionária
alcançaram mais de 117 milhões de meticais, dos quais 30% foram para os CFM,
empresa pública a que se atribuíram 30% na concessão do Porto de Nacala,
conforme mostra a tabela 2. Tabela 2: Divisão de rendimentos gerados pelo Porto
de Nacala nos exercícios económicos de 2013 e 2014 Accionistas 2013 2014 % por
accionista Accionistas nacionais 37,724,278.78 41,052,649.25 70% CFM
16,167,548.05 17,593,992.54 30% Total 53,891,826.83 58,648,841.79 100% Fonte:
Portos do Norte 48 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique 3.3.4 Renovação da concessão condicionada pelo
acordo de retrocessão de crédito A concessão do Porto de Nacala e da Linha do
Norte termina em 2020. O grande interesse da concessionária é garantir a
renovação da concessão dos dois empreendimentos, devendo, para tal, manifestar
interesse ao Governo com antecedência de pelo menos 36 meses (três anos).
Parece certo que haverá renovação, uma vez que parte da Linha do Norte forma o
Corredor Logístico do Norte (CLN), construído pela Vale e detido pela Vale,
Mitsui e CFM. A Vale pretende usar a linha para escoamento do carvão de Moatize
para Nacala-a-Velha, via Malawi. Isto deve garantir a continuidade da concessão
da Linha do Norte à CDN. Dúvidas poderiam persistir sobre o Porto de Nacala,
uma vez que a Vale não precisa deste porto para o escoamento do carvão de
Moatize. Mas o Porto de Nacala é do interesse do Japão, porque é indispensável
na logística do ProSavana. É por isso que a Mitsui entrou na SDCN, comprando
metade da participação da Vale. É assim que, apesar do Estado estar a
reabilitar o Porto de Nacala com fundos próprios, devido à incapacidade
mostrada pela concessionária de intervir, é certo que haverá renovação da
concessão. Para recuperar o dinheiro (de crédito) investido na reabilitação do
Porto de Nacala, o Governo precisa de assinar acordo de retrocessão de crédito
com a concessionária do Porto (a CDN). Os termos do acordo ainda não são claros
mas essencialmente deve-se garantir que o dinheiro a ser desembolsado à JICA
provenha das receitas do Porto de Nacala, sob gestão do CDN. Até 2020, ano em
que terminam os presentes contratos de concessão, não se terá pago o valor
investido na reabilitação do Porto. Assim, a renovação da concessão do Corredor
de Nacala à CDN será usada como garantia para a efectivação do acordo de
retrocessão de crédito concedido pela JICA ao Estado. Nestes ternos, o Governo
não terá muito espaço de manobra para negociar novos contratos de concessão que
sejam favoráveis aos interesses do Estado. Da parte dos CFM há claro interesse
de recuperar o empreendimento para gestão própria, até porque o Porto de Nacala
foi o último empreendimento concessionado e depois interrompeu-se o processo.
Este interesse dos CFM parece certo que não tem correspondência da parte do
Governo. Caso da concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 49 Outro grupo
preocupado com a renovação da concessão são os políticos empresários que
garantiram a gestão do Porto de Nacala de 2013 a 2020. O seu interesse é que a
concessão seja renovada e a gestão do Porto de Nacala continue com a Portos do
Norte, como subconcessionária. Uma concessão marcada por falta de transparência
e sonega- ção de informação relevante Um aspecto dominante de todos os negócios
realizados no âmbito dessa concessão é a falta de transparência. A começar dos
próprios contratos de concessão e subconcessão. Nunca foram tornados públicos,
nem sequer os beneficiários da concessão e o tempo da duração da concessão
foram referidos. Houve entradas e saídas de accionistas na SDCN, o que
determinou a mudança na gestão dos empreendimentos públicos concessionados.
Quando os accionistas maioritários da SDCN eram as empresas norte-americanas,
estas eram as responsáveis pela gestão tanto do Porto de Nacala e da Linha do
Norte. Com a saída das duas empresas americanas e entrada da Insitec, a gestão
dos empreendimentos públicos passou ao cargo da Insitec, com Celso Correia a
presidir o Conselho de Administração do CDN. Com a saída da Insitec e entrada
da Vale, esta passou à direcção da CDN e da gestão tanto do porto como da Linha
do Norte. Os demais accionistas da SDCN e da CDN foram sempre mantidos no
“segredo do Estado”. O presente documento constitui o primeiro publicado em
Moçambique a apresentar todas as empresas beneficiárias da concessão e alguns
dos seus importantes accionistas. Em 2013 houve a separação da gestão dos dois
empreendimentos. A CDN ficou a gerir a Linha do Norte e o Porto de Nacala
passou à gestão da Portos do Norte, conforme mostra a figura 4. Os detalhes
sobre este negócio também permanecem no segredo do Governo e dos seus
beneficiários. Desde 2013 que o Porto de Nacala gera dividendos para os seus
accionistas aglomerados na Portos do Norte, onde os CFM têm apenas 30% das
acções. Dados apresentados pela Portos do Norte num seminário privado realizado
pelo Ministério dos Transportes e Comunicações para avaliação das concessões
ferro-portuárias apontam que em 2013 e 2014 o Porto de Nacala gerou lucros que
permitiram a divisão de dividendos entre os seus accionistas no valor acima de
42 milhões de meticais na sua totalidade. O Centro de Integridade Pública
solicitou, formalmente, informação relevante relativa à concessão às seguintes
entidades: Ministérios dos Transportes e Comunicações, Empresa Portos e Caminhos
de Ferro de Moçambique, 50 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento
Necessário Mas Problemático Em Moçambique Sociedade Corredor do Desenvolvimento
do Norte, Sociedade Portos do Norte, Insitec, antigo PCA dos CFM e um dos
outorgantes da Gestra, Rui Fonseca. Apenas a Portos do Norte e Rui Fonseca se
disponibilizaram a prestar infirmação relevante sobre a concessão através de
entrevistas. Em representação da Portos do Norte, falou o respectivo Presidente
da Comissão Executiva, Fernando Couto. Contudo, os entrevistados não aceitaram
disponibilizar documentos relevantes sobre a concessão tais como relatórios de
contas e contratos. O Governo, através do Ministério dos Transportes e
Comunicações, respondeu as questões do CIP no dia 12 de Dezembro de 2015,
quando a carta solicitando informação deu a entrada, no Ministério, no dia 04
de Agosto do mesmo ano. As respostas dadas pelo MTC são parcas. Em muitos
aspectos remete as respostas aos contratos assinados entre o Governo e as
concessionárias, sem no entanto disponibilizar os mesmos contratos. Figura 4.
Desde 15 de Março de 2013 houve separação da gestão do Porto de Nacala e da
Linha do Norte Fonte: Entrevistas e consultas de documentos diversos Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 51 4. A VERSÃO DOS BENEFICÁRIOS
DA CONCESSÃO O Centro de Integridade Pública empreendeu um enorme esforço para
colher a opinião das entidades envolvidas na concessão do Porto de Nacala e da
Linha do Norte. CDN, CFM, Portos do Norte, Ministério dos Transportes e Comunicações,
Insitec, antigo PCA dos CFM são, nomeadamente, as entidades formalmente
contactadas no âmbito da presente pesquisa. Foram enviadas cartas que foram
recebidas pelas empresas e devidamente assinadas e carimbadas em confirmação da
recepção. Passaram mais de seis meses e não houve resposta, na maioria dos
casos. Somente a Portos do Norte, através do respectivo Presidente da Comissão
Executiva, Fernando Couto, e o Eng. Rui Fonseca, se dignaram a responder às
questões do CIP em torno da concessão. O Ministério enviou respostas quatro
meses depois de ter recebido a solicitação do CIP. 4.1. “Não tínhamos dinheiro
para investir” A seguir apresenta-se a versão de Fernando Couto, um dos
“arquitectos” da concessão e actualmente dirigente da empresa gestora do Porto
de Nacala. Fala não somente da Portos do Norte, como um pouco do que foi a
gestão do CDN, enquanto esteve na direcção do consórcio. Disse que os problemas
em torno da concessão tinham resultado da falta de dinheiro por parte da
concessionária para investir nos empreendimentos concessionados. Fernando Couto
explicou os termos da transferência de gestão do Porto de Nacala da CDN para a
Portos do Norte. Disse que se tratava de uma subconcessão. “O concessionário do
Porto de Nacala e da Linha do Norte é o Corredor de Desenvolvimento do Norte. A
Portos do Norte tem a gestão do Porto de Nacala através da CDN, portanto, é um
contrato entre a CDN e a Portos do Norte para fazer a gestão do Porto de
Nacala”. Fernando Couto jogou um papel central na concessão, tendo sido ele a
mobilizar investidores nacionais para o projecto de Nacala. Explica qual foi a
importância destes, recorrendo a factos históricos que ditaram as
privatizações. Temos que pôr as coisas no seu contexto. Em 1997, por pressões
do Banco Mundial, o Governo era obrigado a entregar as infra-estruturas
ferro-portuárias à gestão privada, tendo-se aberto assim um concurso para a
gestão das três linhas do sul, Swazi, Limpopo, Salamanga, 52 Parcerias
Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique
Ressano-Garcia e outra que é a principal de todas que está a funcionar via
terrestre, ao Porto de Maputo. E foi desta maneira que o Estado fez o ajuste
directo do Porto da Beira a Cornelder. Praticamente não se falava da zona norte
do país. Nessa altura houve empresários norteamericanos que se aproximaram do
Governo para gerir o Porto de Nacala. E nessa altura o Governo entendia que não
era possível separar a linha férrea do Porto, porque a linha férrea sempre foi
deficitária e extremamente longa, a mais longa do país, e que liga um país cuja
economia é pobre, que é o caso do Malawi. Isto porque o porto gerava mais cash
flow, podendo subsidiar as operações da linha férrea. Daí, quando se começou a
conceber um consórcio, eu fui das pessoas que entendi que os nacionais deveriam
estar presentes no investimento feito a nível do Corredor do Norte de
Moçambique e que se deveria procurar parceiros com musculatura financeira e com
conhecimentos de gestão. O processo começou em 1998. Foi formado um consórcio
que abrangia empresas americanas, francesas, portuguesas e sul-africanas, que
perfaziam 77% desse consórcio denominado SDCN, estando os restantes 33% detidos
por empresas moçambicanas. A SDCN entrou em negociações com os CFM para a
formação daCDN. Em 1999, o Governo do Malawi abriu um concurso para a
privatização dos caminhos de ferro daquele país e este consórcio ganhou o
concurso, passando a operar nos finais de 1999, através de uma empresa
denominada CEAR. – Fernando Couto Os contratos de concessão do Porto de Nacala
foram negociados entre 1998 e 2000. Em 2000 os contratos foram assinados, mas a
sua implementação só iniciou em 2005. Fernando Couto explica as causas de
tamanha demora. Não se encontravam investidores, primeiro devido à complexidade
da estrutura accionista; depois porque se tratava de um investimento relativo a
uma linha férrea em dois países e um porto, com riscos financeiros
consideráveis, na medida em que os volumes de carga projectados (nunca se teve
em conta o carvão de Moatize) não se mostravam viáveis. Tivemos reuniões com
múltiplas instituições, como o Banco Europeu de Investimentos, o BAD, etc.
Entretanto, a parte estrangeira da estrutura accionista foi sofrendo
alterações, começando pela saída dos franceses, seguida dos portugueses e
depois dos sulafricanos, por razões diversas. Caso da concessão do Porto de
Nacala e Linha do Norte 53 Em 2003, conseguimos que a OPIC (Overseas Private
Investment Corporation), uma organização financeira do Governo norteamericano,
se disponibilizasse de modo a fazer face aos investimentos, condição necessária
para a tomada das concessões ferroviárias e portuária. Neste processo foram
envolvidos bancos de investimentos, como o Nedbank, e vários consultores
internacionais. Foi um longo processo que determinou um empréstimo de 30
milhões de USD, sendo 13 milhões destinados ao Malawi e 17 milhões a
Moçambique. Isto permitiu que estivessem reunidas as condições para que a 529
de Janeiro de 2005 se iniciasse a operação do Corredor de Nacala através da
gestão privada, tendo ficado definido, por exigência da OPIC, que a gestão
ferroviária de Moçambique e do Malawi fosse entregue à RDC; a gestão financeira
do CDN e do CEAR fosse entregue à EDR e a gestão do porto à NCI, empresa
subsidiária do Grupo Manica Moçambique que sucedeu ao Grupo Rennies, após este
ter vendido os seus interesses no país. – Fernando Couto Esta informação revela
que o Governo fez a concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte a uma
entidade privada que não possuía recursos para operar as infra-estruturas
concessionadas e nem tinha capacidade para o fazer. Isto desvirtua a essência
de uma Parceria Público-Privada, na medida em que a capacidade do privado em
mobilizar investimentos é determinante para que seja escolhido parceiro do
Governo. Sem recursos para aplicar na gestão do Porto de Nacala e da Linha do
Norte, a CDN, essencialmente o seu braço privado, a SDCN, ficou à espera que
surgisse uma entidade com dinheiro para comprar parte das acções da empresa e
assim realizar algum investimento no Porto, enquanto ia garantindo a manutenção
de serviços mínimos. Fernando Couto explica como tudo aconteceu: Em 2007 fomos
abordados pela empresa Vale que pretendia escoar o carvão via Nacala. Houve um
ano inteiro de negociações feitas todas elas nos EUA e não deram efeito,
falharam as negociações. A Vale entendeu que Nacala não era opção e preferiu ir
para Beira. E nessa altura, esgotados que estavam os recursos financeiros
disponibilizados 29 Há informações divergentes sobre a data do início da
vigência do contrato. Os relatórios dos CFM referem 10 de Janeiro como a data
de posse da concessionária. Esta diferença, porém, nada muda em termos
práticos. 54 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique pela OPIC, os americanos, que tinham a maioria das
acções, abandonaram o projecto e deixaram o “bebé” sozinho nas mãos dos
nacionais, ficando eu com essa responsabilidade. Importa mencionar que tinha
havido várias reuniões em Washington com a OPIC, realizadas a nosso pedido,
porque ignorávamos os destinos dos fundos dos investimentos previstos e onde
salientávamos que o montante do empréstimo disponibilizado era manifestamente
insuficiente para cobrir as necessidades, sobretudo, em face da degradação da
linha férrea do Malawi. Estou em crer que, na altura, o interesse americano
neste Corredor abrangia Moçambique, o Malawi e a Zâmbia, e se ligava ao
problema do controlo do radicalismo islâmico. Como, felizmente, nada aconteceu,
perderam esse mesmo interesse. Daí o abandono do projecto. Couto mostra alguns
ganhos conseguidos durante a sua gestão, depois que os accionistas
norte-americanos deixaram de fazer parte da CDN. Com todos os custos que isso
implicasse e sem recurso a nenhum crédito bancário, mantivemos todo o sector
ferro-portuário do norte do país em funcionamento: dois (2) comboios de
passageiros por dia; dois (2) comboios por mês para Lichinga, coisa que já não
se faz há 5 anos; adquirimos 4 locomotivas; reparámos cerca de 70 vagões e 3
locomotivas; edificámos, sem dinheiro, os maiores silos portuários que existem
em Moçambique. Edificados com dinheiro que gerávamos nas operações diárias.
Nunca houve um atraso nos pagamentos dos salários. Fomos a 1ª empresa na região
norte do País que celebraram acordos colectivos de trabalho. Mantendo os
serviços mínimos, com meios próprios, finalmente apareceu o “comprador ” das
acções há muito esperado. É a Insitec, empresa liderada por Celso Correia e
conotada com o então chefe do Estado, Armando Guebuza. Só que a Insitec não
veio para investir nas infra-estruturas. Comprou as acções para esperar que
estas valorizassem e depois revendê-las a outra empresa, o que não trouxe
benefícios para a concessão. Fernando Couto: Não sei precisar quando, a Insitec
entrou em negociações com os americanos que tinham abandonado completamente o
projecto e adquiriram a participação dos americanos. Depois a Insitec vendeu
para a Vale e a NCI vendeu para a Vale. Portanto, acho que da parte Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 55 que nos diz respeito nós
achamos que não podíamos estar a travar um grande projecto que era a única
forma de recuperar toda a linha que seria através da exportação do carvão. E
após isso começaram negociações entre a Vale e os 33% do capital nacional.
Essas negociações demoraram cerca de 2 anos. Os investidores nacionais tomaram
uma posição, dado que era o interesse nacional que estava em causa _ a
exportação do carvão. Decidiu-se que vendiam 18 % à Vale de forma que esta
tivesse o controlo maioritário da SDCN e que entregasse a gestão do Porto de
Nacala, a uma empresa controlada pelos nacionais. Fernando Couto explicou que é
desta forma que houve a transferência da gestão do Porto de Nacala da CDN para
a Portos do Norte. Foi decidido no âmbito da venda de 18% da participação dos
investidores nacionais na SDCN para a Vale. Carvão é carvão, e há distinção do
que é um projecto do carvão e o que não o é. O carvão que ficasse com a Vale,
dado que são investimentos massivos, os quais nós não temos a capacidade de
acompanhar. O empresariado nacional não tem capacidade de entrar em negócios de
bilhões de dólares. Isso digo eu e quem disser o contrário que venha ter comigo
a dizer que tem bilhões de dólares para investir. Eu gostaria que algum
moçambicano tivesse esse valor, se calhar há, mas tem que me explicar onde é
que arranjou, porque eu explico donde é que vem o meu dinheiro, os bancos
sabem. Foi a percepção de que nós não podíamos entregar tudo aos brasileiros,
teríamos que ficar com uma parte, de tal forma que os interesses nacionais
fossem mantidos e que as cargas, moçambicana e do Malawi, fossem manuseadas.
Portanto, desde 15 de Março de 2013, depois de longas negociações, o Porto de
Nacala passou para as mãos de uma entidade jurídica chamada Portos do Norte
cujo accionista maioritário é a Empresa Pública Portos e Caminhos de Ferro, com
30%. Presidente da Comissão Executiva da empresa que ficou com a gestão do
Porto de Nacala, Couto é, sem surpresa, defensor de que esta foi a melhor
decisão e mostra com números que já há benefícios dessa transferência de
gestão. Fernando Couto: Posso dizer que foi positivo porque nunca o Porto de
Nacala alcançou os níveis de carga que tem alcançado desde que a Portos do
Norte tomou conta da gestão. Isto é positivo. • Ultrapassámos records que nem
no tempo colonial existiam. Chegamos Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique à capacidade máxima do
Porto de Nacala. • O dinheiro gerado no Porto de Nacala ficou em Moçambique,
ficou na economia moçambicana como gerador e multiplicador económico. Dinheiro
faz dinheiro! • Demos provas de que a gestão privada moçambicana é capaz de
gerir infra-estruturas. • Demos a confiança quer ao Governo, quer aos
financiadores da transformação do Porto de Nacala. Fernando Couto admite que a
concessão do Porto de Nacala ao CDN, nos termos em que foi realizada, deu
errado. E diz que a causa do falhanço da concessão foi a falta de dinheiro para
investir. A questão que fica sem resposta é como um parceiro privado sem
dinheiro e nem capacidade para mobilizar financiamento foi escolhido para
receber a concessão de empreendimentos públicos, e pior, sem que tenha havido
concurso público. Não deu certo porque nós não tivemos dinheiro para tapar o
buraco da ferrovia e era a mesma entidade concessionária. Tivemos que nos
servir do dinheiro gerado pelo porto para tapar o buraco. Aquele velho
princípio de que se tens um lençol menor que a cama, ou tapas a cara ou os pés.
Fizemos dinheiro no porto, mas esse dinheiro era para tapar o buraco que havia
na ferrovia e, repito, não tínhamos possibilidade de recorrer a financiamentos,
porque o contrato da OPIC não o permitia. – Fernando Couto A CDN foi sempre
feita da dicotomia investidores nacionais (políticos empresários) versus
estrangeiros (empresas americanas RDC e EDR). Na hora de apurar
responsabilidades pelo falhanço da concessão, a culpa também é distribuída
neste lógica “nacionais vs estrangeiros”. Couto diz que os investidores
estrangeiros não trouxeram investimento nem conhecimento técnico. “Só trouxeram
um técnico”, afirma. Quanto aos investidores nacionais: Acho que naquela altura
era necessário dar uma oportunidade às pessoas do Norte do País em termos de
combater as assimetrias. Darlhes a oportunidade de serem donos do seu próprio
projecto, na sua própria zona. Portanto, sejam ou não políticos mas pessoas da
mesma região ligadas a um projecto desta dimensão é sustentar o projecto. Se o
comboio ia a Lichinga, era devido aos sócios que nós tínhamos na província do Niassa.
Agora se você me perguntar, será o modelo Caso da concessão do Porto de Nacala
e Linha do Norte 57 ideal? Eu digo, talvez não. Hoje não, hoje temos outros
mecanismos, uma bolsa de valores, que podia permitir que se dissesse que há x %
de capital e está aberto a investidores moçambicanos e quem quisesse comprava.
Naquela altura, não havia alternativas e todas as empresas nacionais
investidoras no projecto entraram com dinheiro, quer como capital, quer como
suprimentos. – Fernando Couto Tal como os nomes das empresas dos chamados
investidores nacionais, o capital com que entraram na sociedade nunca foi
revelado. Todavia, sabe-se que a divisão tentou ser o mais equitativa possível.
Cada um dos seis accionistas tinha cerca de 5% na SDCN, totalizando 33%. O
equilíbrio na distribuição de acções entre os investidores nacionais mantém-se
na Portos do Norte. Cinco das seis empresas têm pouco mais de 11%. A GEDENA tem
aproximadamente 13%, totalizando 70%. Os restantes 30% estão com os CFM. A
presença de grandes figuras do Estado como beneficiárias da concessão
condicionou a acção do Governo na gestão do contrato de concessão? Couto
responde que nunca sentiu pressão dos políticos empresários. Eu sempre estive
na gestão e nunca me aconteceu nada. Tomei as decisões que considerava certas,
pelo contrário a razão de eu me ter mantido no projecto foi exactamente o apoio
que tive dos investidores nacionais. Nunca tive, a nível do projecto,
interferências políticas enquanto gestor. – Fernando Couto É inegável que a concessão
falhou até aqui. Fernando Couto acredita, entretanto, que a separação da gestão
da Linha do Norte do Porto de Nacala trará resultados positivos, mesmo mantendo
os políticos empresários na gestão do Porto. E explica porquê desta vez não
haverá fracasso: Fernando Couto: A Portos do Norte tem muitas coisas diferentes
da CDN. Primeiro, é uma sociedade inteiramente nacional, neste momento, com
obrigações de responder aos desafios do País. Não se pode esconder atrás de
nenhuma desculpa para não cumprir os seus objectivos que são servir com
eficiência o Porto de Nacala; servir a região Norte e os países do hinterland.
E em 2 anos de operação tivemos crescimento considerável de cerca de 20% em
cada ano. Numa altura em que a economia mundial se 58 Parcerias Público-Privadas:
Um Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique encontra numa fase de
recessão. Pagámos impostos ao Estado; somos provavelmente o maior contribuinte
fiscal da zona norte do País; e directa ou indirectamente asseguramos emprego a
cerca de 5000 pessoas no Porto de Nacala. O Governo está a reabilitar
infra-estruturas concessionadas a uma entidade privada, sem que essa mesma
entidade privada contribua no investimento. A entidade privada em causa é a
Portos do Norte, que tem como presidente Fernando Couto. Assume que a
concessionária do Porto de Nacala não investiu dinheiro para a reabilitação do
porto e revela preocupação com a possibilidade do Governo vir a querer aumentar
os valores pagos pela concessão, quando a reabilitação e modernização do porto
tiver sido concluída. Couto deixa transparecer que a concessionária, para além
de não ter contribuído com dinheiro para a reabilitação do Porto de Nacala, não
está disposta a pagar mais (aumento das taxas variáveis) pela concessão, mesmo
com um porto reabilitado e modernizado. (...) Nós estamos seriamente
preocupados porque tem que haver sempre, numa concessão, seja ela de que
natureza for, o chamado balanceamento dos custos da concessão, de forma que
qualquer aumento de custos não se reflicta nos utilizadores e deixemos de ser
competitivos a nível internacional. Nós temos a necessidade de ser
competitivos. Ainda estamos em fase de estudo e estamos a trabalhar muito
seriamente com o Governo. Portanto, há uma atitude diferente no novo Governo em
relação ao tratamento deste assunto de forma que estas questões sejam
avaliadas. – Fernando Couto A concessão do Porto de Nacala vai até 2020. Só
depois desse período o Governo poderá negociar novos termos de concessão ou
então decidir a devolução da gestão do empreendimento aos CFM, empresa pública.
Fernando Couto, sobre a venda do capital das sociedades nacionais, recusou-se a
fazer qualquer comentário, justificando que este assunto é da responsabilidade
das empresas e se encontra justificado e plasmado nas respectivas contas, e
afirmou que a Portos do Norte tem as suas contas auditadas, cumprindo todas as
suas obrigações fiscais, não havendo fugas de capital para o exterior e
existindo benefícios tanto para a sociedade, como para os seus accionistas. Todavia,
as contas da Portos do Norte não estão disponíveis ao público. Não estão
publicadas. Não podem ser consultadas em documento de domínio público. Caso da
concessão do Porto de Nacala e Linha do Norte 59 4.2 A GESTRA foi engolida e eu
fui abatido Rui Fonseca foi Presidente do Conselho da Administração dos CFM em
momento-chave da concessão. Chegou ao cargo em 1997, depois de ter feito quase
toda a sua carreira nos CFM, em diferentes posições relevantes. Pouco depois de
Fonseca ter assumido a direcção máxima dos CFM, iniciaram as negociações para a
concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte. Em 2000 foram alcançados os
acordos e assinados os contratos de concessão. EM 2005 efectuou-se a
transferência efectiva da gestão dos CFM para a CDN. Nos anos subsequentes, Rui
Fonseca começou a reclamar, através da imprensa, dos incumprimentos da
concessionária. Alega, entretanto, que quando a GESTRA foi criada “tinha
objectivos positivos”. Não era para participar exclusivamente na concessão da
Linha do Norte e Porto de Nacala. Recorre ao objecto social da empresa para
mostrar que as suas atribuições vão muito para além de participar na SDCN. Diz
que ao entrar na estrutura accionista da SDCN, a GESTRA – que é empresa de
quadros dos CFM – visava proteger da má gestão os portos e caminhos-deferro de
Moçambique, mas esta missão falhou. “Fomos engolidos. A GESTRA tinha uma
pequena participação na CDN. Foi-nos dada uma pequenina participação e fomos
engolidos. Quando você é peixe pequeno e está entre tubarões é isso que acontece”.
– Rui Fonseca Sem poder de mudar as coisas por dentro, através da GESTRA, Rui
Fonseca iniciou a luta pública, muitas vezes através da Chitimela, a revista
institucional dos CFM, e por declarações na imprensa. Nos seus posicionamentos,
o PCA dos CFM opunha-se ao modelo master lease30, usado na concessão do Porto
de Nacala. Defendia que a concessão devia ter sido de terminal a terminal e não
global. Mas esta não era a única, nem a principal preocupação. Do que mais
reclamava era o não pagamento das taxas devidas pela concessionária aos CFM e
ao Estado bem como a falta de manutenção das infra-estruturas concessionadas.
“Eu penso que o master lease está errado. Mas isto é só uma posição. Há quem
ache que este é o melhor modelo. Portanto, eu não sou o dono da verdade. O
grande problema é que nunca pagaram! Só pagaram a entrada e depois nunca mais
pagaram. Os vários fees nunca pagaram. 30 Master lease é o termo técnico usado
para designar a concessão do Porto na globalidade em oposição à concessão terminal
por terminal. 60 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário Mas
Problemático Em Moçambique Fez-se muitas cartas a exigir os pagamentos e nada!
Era a minha grande preocupação. Lutei tanto contra isto que acabei doente. Fui
abatido. Não fisicamente mas fui abatido. Adoeci por causa disto”. – Rui
Fonseca Rui Fonseca diz que esse foi um momento muito mau na sua vida que nem
quer mais recordar- se. Mostra saber por que a CDN não pagava as taxas da
concessão, mas não aceita falar sobre isso. Sobre a apatia do Governo, em não
retirar a concessão da CDN, se esta não cumpria com o contrato, Rui Fonseca
apenas pede para verificar quem eram os principais accionista da CDN, fazendo
perceber que eram empresas muito influentes. Recorde-se que os chamados investidores
nacionais tinham mais de 1/3 (33%) da SDCN. Tal como Fernando Couto, Rui
Fonseca considera que o problema do incumprimento da CDN não se deveu à
influência política dos accionistas nacionais. “É muito mais complexo do que
isso. Lutei muito contra isso (o não pagamento). Não eram os moçambicanos (que
não queriam pagar). Isto está escrito. As actas das reuniões são púbicas. Havia
a posição dos pequenos”. – Rui Fonseca Apesar de referir que as actas das
reuniões do Conselho de Administração dos FCM são públicas, estas não estão
disponíveis em nenhuma parte para consulta. O CIP tentou por todos os meios
contactar tanto os CFM como o Governo para obter informação relevante sobre
esta concessão e não houve resposta. Rui Fonseca saiu da presidência dos CFM em
2010, cinco anos após o início da concessão. Quando saiu, os problemas da falta
de pagamento das taxas devidas ainda não estavam resolvidos. E diz que a
situação continuou assim e até piorou depois que ele deixou a presidência dos
CFM. Efectivamente, nos relatórios e contas dos CFM do ano de 2012 ainda se
reclamava dos incumprimentos da CDN. Isto foi depois da entrada e saída da
Insitec, o que em parte mostra que esta empresa não veio resolver os problemas
da concessão. Houve, então, a separação da gestão entre o Porto de Nacala e a
Linha do Norte. O Porto ficou sob gestão da Portos do Norte, empresa detida a
100% pelos accionistas moçambicanos que faziam parte da SDCN e CDN. A
expectativa é que agora nenhum dos problemas que eram atribuídos aos accionistas
estrangeiros se repita na gestão do Porto de Nacala. Caso da concessão do Porto
de Nacala e Linha do Norte 61 Rui Fonseca estranha, porém, que sejam investidos
350 milhões de dólares, de crédito público, para a reabilitação do Porto de
Nacala e aponta duas razões: Primeira, considera esse valor muito elevado.
Recorda que nos finais da década de 1980 e princípios de 1990, sob sua
direcção, o Porto da Beira foi totalmente reconstruído e diz que a reconstrução
custou cerca de 90 milhões de dólares. Segunda, entende que se o porto está sob
concessão privada, não faz sentido que seja usado um crédito público,
integralmente pago pelo Estado. “Não faz sentido (que o crédito seja pago pelo
Estado). Nestes casos faz-se um acordo subsidiário de crédito público. Outra
alternativa é que o Estado investe e pode ter contrapartidas com taxas
variáveis e taxas fixas”. – Rui Fonseca 62 Parcerias Público-Privadas: Um
Investimento Necessário Mas Problemático Em Moçambique 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Governo concessionou, sem concurso público, a gestão do Porto do Norte e da
Linha do Norte à sociedade CDN, detida em 49% pelos CFM e 51% pela SDCN. A SDCN
é uma sociedade que representa, para além do grande capital internacional,
empresas de elites políticas e de altos quadros dos CFM, formando uma aliança
que, entretanto, se foi desfazendo ao longo dos anos da concessão, devido a
divergências internas entre os parceiros nacionais e estrangeiros. Durante
grande parte dos 10 anos da concessão do Porto de Nacala e da Linha do Norte, a
CDN, dominada pela SDCN, não cumpriu as suas obrigações. Deixou as
infra-estruturas concessionadas se degradarem, sem nenhuma intervenção para a
manutenção e acumulou elevadas dívidas com o Estado e com os CFM. Durante este
tempo, o Governo nunca interveio na concessão para obrigar a concessionária a
cumprir as suas obrigações. Muitos membros do Governo, que tinham o papel de
intervir para responsabilizar a concessionária CDN, tinham simultaneamente
interesses directos na concessão. São os casos do ex-Presidente da República,
Armando Guebuza, e do antigo Primeiro-Ministro, Aires Ali, que, através da
sociedade Moçambique Gestores, de que são fundadores/outorgantes, participam na
estrutura accionista da SDCN. Rui Fonseca foi PCA dos CFM durante a maior parte
do tempo da concessão da Linha do Norte e do Porto de Nacala e é
simultaneamente fundador da GESTRA, uma sociedade que participa na estrutura
accionista da concessionária. Fonseca afirma que lutou muito contra esta
concessão mas foi “abatido e engolido”. Havia outras figuras influentes na
SDCN, desde juízes do Conselho Constitucional, generais das Forças Armadas de
Defesa de Moçambique (FADM), deputados da Assembleia da República e altos
dirigentes do partido Frelimo. Acredita-se que a presença de altas figuras do
Estado e do partido no poder, Frelimo, na estrutura accionista da empresa
concessionada a gestão do Porto de Nacala, contribuiu negativamente para o
desempenho desta e inibiu o Governo de agir. Enquanto o Estado acumulava
prejuízos com a concessão, as elites beneficiárias da concessão iam realizando
negócios, sem transparência, de venda de acções Caso da concessão do Porto de
Nacala e Linha do Norte 63 da SDCN, cujo único activo que detém no território
nacional é o Porto de Nacala e a Linha do Norte. Nestes negócios não houve
pagamento de maisvalias ao Estado, apesar de ter havido lucros não esperados.
Já com as infra-estruturas concessionadas completamente degradadas, o Governo
teve de recorrer a um crédito público para “salvar” o Porto de Nacala que
estava em estado avançado de degradação. Um valor de 350 milhões de dólares foi
emprestado pela Japan International Cooperation Agency – JICA – e será pago
integralmente pelo Estado. A entrada da Vale na SDCN veio contribuir ainda para
a reabilitação da Linha do Norte. Esta concessão representa um caso evidente de
como as elites políticas usam as PPP para expropriar o Estado em seu benefício
próprio ou na expectativa de obter benefícios, usando, para tanto, o poder de
gestão do Estado que detêm. As PPP ocorrem quase sempre em alianças entre as
elites nacionais e o grande capital internacional. No caso do sistema
ferro-portuário do norte, a aliança terá corrido mal, com os parceiros
norte-americanos desavindos com os moçambicanos. Mas a saída dos americanos e a
entrada da Vale permitiram que as alianças surtissem efeitos. Desde 2013 que o
porto de Nacala gera dividendos para os seus accionistas aglomerados na Portos
do Norte, onde os CFM têm apenas 30% das acções. Neste período a Portos do
Norte está, igualmente, a canalizar atempadamente, as receitas fiscais para o
Estado. A concessão termina em 2020, devendo o Governo decidir se renova a
concessão para a mesma entidade ou não. A negociação para a renovação devera
iniciar três anos antes do fim da concessão. Entretanto, o Estado aparenta
estar atado a acordos de crédito com a JICA, pelo que não tem muito espaço para
negociar a renovação da concessão ou decidir resgatar os empreendimentos
concessionados, ou ainda concessioná-los a outras entidades. Tudo indica que a
CDN continuará a gerir o Porto de Nacala e a Linha do Norte, por pelo menos 15
anos depois de 2020. 64 Parcerias Público-Privadas: Um Investimento Necessário
Mas Problemático Em Moçambique 6. REFERÊNCIAS 1. Assembleia da República (2005)
Código Comercial. Maputo 2. Assembleia da República (2011) Lei 15/2011, de 10
de Agosto, a Lei de Parcerias Público-Privadas, Projectos de Grande Dimensão e
Concessões Empresarias. Maputo 3. BR nº 11, III Série de 18 de Março de 1998 4.
BR nº 28, III Série de 15 de Julho de 1998 5. BR nº 32, III Série de 12 de
Agosto de 1998 6. BR nº 33, III Série de 13 de Agosto de 1997 7. BR nº 35, III
Série de 27 de Agosto de 1997 8. BR nº 43, III Série de 23 de Outubro de 1991
9. CFM (2009) Relatório e Contas. Maputo 10. CFM (2010) Relatório do Conselho
da Administração dos CFM enviado ao Conselho de Ministros. Maputo 11. CFM
(2010) Relatório e Contas. Maputo 12. CFM (2011) Relatório e Contas. Maputo 13.
CFM (2012) Relatório e Contas. Maputo 14. CFM (2013) Relatório e Contas. Maputo
15. Decreto 20/2000, de 25 de Julho, aprova termos de concessão do Porto de
Nacala 16. Decreto 21/2000, de 25 de Julho, aprova termos de concessão da Linha
Férrea do Norte 17. Decreto 31/96 de 9 de Julho, o Regime Jurídico de Concessão
de Estradas e Pontes com Portagem 18. Embaixada do Japão em Maputo (2013) Plano
de Desenvolvimento de Actividades para a República de Moçambique. Maputo 19.
Embaixada do Japão em Maputo (2015) Plano de Desenvolvimento de Actividades
para a República de Moçambique. Maputo 20. Governo de Moçambique (2000)
Contrato de Concessão da Linha Férrea do Norte. Maputo Caso da concessão do
Porto de Nacala e Linha do Norte 65 21. Livro C -24 Escritura Pública da
Moçambique Gestores (MG). Maputo 22. Livro C- 24, Escritura Pública da GESTRA.
Maputo 23. Paul Ash (2008) Railway Back in African Hands in The Times;
Published Sep 21, 2008 24. Porto de Nacala Recria Rotas para a Eficiência in
Jornal Domingo, edição de 31/03/2015 25. Portos do Norte; Projecto de
Desenvolvimento de Porto de Nacala; 2014 26. RDC (2008) “Out of Africa”… 27.
Resolução 5/96, de 2 de Abril, que aprova a Política dos Transportes 28. s.a
(2014) Entre Nampula e Cuamba: Comboio volta a circular in Notícias, edição de
12 de Março de 2014 29. Saúte, Nelson (2010) Crónica de Uma Integração
Imperfeita: O Caso da privatização da gestão dos Portos e Caminhos de Ferro em
Moçambique (2000-2005), USP, São Paulo, Brasil 30. Vale (2011) Um Ano de
Extraordinário Desempenho – Desempenho da Vale em 2010. Rio de Janeiro 31. Vale
(2015) Relatório Anual – 2014. Rio de Janeiro Páginas da Internet consultadas
1. http://br.advfn.com/noticias/BOV/2010/artigo/44474564 [acedido a 23 de Junho
de 2015] 2.
http://www.cfm.co.mz/index.php/pt/infraestruturas/cfm-norte/portode-nacala
[Consultado a 15 de Junho de 2015] 3.
http://www.rm.co.mz/index.php/outras-noticias/item/11320-japaofinancia-ii-fase-de-reabilitacao-do-porto-de-nacala
[consultado a 15 de Junho de 2015] Parceiros
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