Quando, há meses, o
jornalista Fernando
Lima mostrou-se
contra a exigência da
Associação Moçambicana de
Juízes (AMJ), que reivindicava
uma força de protecção face ao
crime organizado, o presidente
da agremiação veio a público
deplorar a crítica do comentador
do “Pontos de Vista” da STV
que, simplesmente, defendia
que o poder judicial não mostra
trabalho para merecer tal protec-
ção. Mas esta terça-feira, Carlos
Mondlane teve de voltar a ouvir
rajadas contra o judiciário que,
desta vez, nas palavras do director
do Centro de Integridade
Pública (CIP), tem se secundarizado
na luta contra a corrupção.
Era goste ou não goste. No seminário
organizado, esta semana,
em Maputo, pela AMJ e pelo
CIP, sobre Corrupção e Justiça
Criminal, Adriano Nuvunga foi
contundente na crítica contra a
inoperância do judiciário.
Começou a sua locução pela teoria,
falando da separação dos três
poderes, o executivo, o legislativo
e o judicial. Depois vincou o quão
crucial é a independência do judicial
perante o executivo, no âmbito
do combate à corrupção.
Disse que um Estado de Direito
tem no poder judicial um dos
seus pilares estruturantes para o
garante dos direitos fundamentais
do homem.
Dirigindo-se a uma plateia composta,
maioritariamente por
agentes do judiciário, afirmou:
“tal como o médico que fica violentado
quando uma doença tira
vida a um doente, vossas excelências
deviam ficar agredidos a cada
vez que vêem uma situação de
violação dos direitos fundamentais
do homem”.
Para Nuvunga, tal como a enfermidade
que mata um doente, a
corrupção é a enfermidade pública
que impede, numa base diária,
a realização dos direitos fundamentais
do homem em Moçambique.
“Por causa da corrupção, não há
serviços de saúde, não há medicamentos,
não há médicos treinados
com qualidade, não há água
potável, há violência nas escolas,
há insegurança rodoviária, não
há comida na mesa por causa da
super-inflação em Moçambique,
nossas irmãs morrem a caminho
das maternidades e, porque a corrupção
tudo leva, todo o futuro do
povo fica capturado, violando-se
assim os direitos fundamentais
dos homens, mulheres e crianças
do nosso país”, descreveu, acrescentando
que esta enfermidade
privatiza o bem público de que o
Pela inoperância no combate à corrupção
Por Armando Nhantumbo
poder judicial é guardião.
“Por assim dizer, a corrupção tira
aquilo que foi colocado à vossa
guarda. Vós sois nobres porque
escolhidos para essa nobre tarefa.
Não podem, então, ver isso acontecer,
ficarem calados sem estarem
a ser coniventes. Não podem
ver isso acontecer e virarem para
o lado e continuarem a merecer a
nobreza do vosso título”, referiu.
Por outro, destacou a importância
da qualidade da justiça para a
promoção do desenvolvimento.
“Tolerar um Estado de justiça
que impede o desenvolvimento
económico é o mesmo que um
médico negar oxigénio a um paciente.
Seria ir contra o juramento
de servir e salvar vidas”, metaforizou.
Insistiu: “estamos a lembrar que
é a vossa missão e razão de ser a
salvaguarda do bem público, que
é necessário para a realização dos
direitos fundamentais do homem”.
Para o director do CIP, em sede
da separação de poderes, e sem
prejuízo da sua interdependência,
se o bem do soberano, o povo,
está sendo privatizado, através da
corrupção, o poder judicial tem
de se rebelar, se mexer, agir e averiguar
as contas do executivo no
exercício do pleno direito de proteger
o interesse do soberano, em
igualdade de circunstâncias com
o executivo e o legislativo.
Rebateu o pronunciamento do
presidente da AMJ, Carlos Mondlane,
que na abertura do seminário
disse que o presidente da
República, Filipe Nyusi, tem encorajado
o combate à corrupção.
“Não têm de ficar à espera de serem
encorajados pelo presidente.
Quando fazem isso estão a defraudar
as responsabilidades que
aceitaram. Não podem defraudar
essa responsabilidade de proteger,
em pleno direito e em igualdade
com os demais poderes, o
interesse do cidadão”, contrariou.
Entende Nuvunga que, tal como
à mulher de César que se espera
que pareça ser antes de ser, o
poder judicial, muito antes de ser,
tem de parecer ser na luta contra
a corrupção e tem de exibir atitudes
de independência perante os
demais poderes e perante o soberano
que é o povo.
Disse que o que tem ouvido se
prende com reclamações de falta
de leis, ora porque os poderes não
permitem, ora falta de meios de
trabalho entre tantas limitações.
E aqui reside ponto central. “O
poder judicial não se mostra
agredido pelo fenómeno da corrupção.
Espera que seja o executivo
a exortar-lhe que tem de agir
contra a corrupção, mas sabemos
que é na esfera do executivo que
ocorre a corrupção. Então, espera
que, ao mesmo tempo que
o executivo se empenha na corrupção
no dia-a-dia, também se
empenhe em dizer ao judicial que
combata a corrupção”, disparou.
Não pensa a dois para afirmar
mesmo que, em Moçambique, o
poder judicial tem um papel passivo
no combate à corrupção e
não será um decreto presidencial
a conferi-lo mais poderes para
lutar contra o mal, mas terá de
ser o próprio judicial e através da
independência perante os demais
poderes a reivindicar mais espa-
ços e chamar a si o protagonismo
de liderar uma guerra sem quartel
no combate a esta enfermidade.
“No dia que o judicial fizer isto,
nós o povo vamos ver, vamos
aplaudir e vamos reconhecer. Não
fizemos até agora porque não vemos.
O dossier das dívidas ilegais
e ocultas é o exemplo claro de
como o poder judicial se secundariza
na luta contra a corrupção
em Moçambique. Tem sido o
presidente da República a dizer
que a PGR vai liderar a auditoria
forense para o esclarecimento do
caso. A nossa expectativa era que
o poder judicial pegasse no caso,
com o sentido de independência
- independente é aquilo que
o poder judicial disser e pensar -
continuar com o caso, até porque
se calhar pode recuperar algum
dinheiro que tanto precisa para
ter meios”, criticou.
Deixa claro que o Estado de Direito
instrumental perseguido
pelo judicial não pode ser realizado,
substantivamente, com tolerância
à corrupção, repetindo
que não se pode virar para o lado
perante este mal sem se estar a
demitir da nobre missão de defender
o soberano.
Referiu que em outros países a
actuação do judicial deixa claro
que corrupção é cadeia. “Aqui o
nosso poder judicial não transmite
a ideia de que fazer corrupção
custa cadeia”, lamentou, sublinhando
que o papel do judiciário
é combater a corrupção porque
caso contrário continuaremos um
Estado de pobreza a cada dia que
passa, uma pobreza continuada
pela corrupção.
A praga que corrói as funda-
ções do Estado
Para o presidente da AMJ, a corrupção
em Moçambique é uma
praga que contamina todas as
instâncias. “Enquanto os (corruptos)
de alta corrupção o fazem
para enriquecer, os de baixa
o fazem para sobreviver. Porém,
a diferença é cosmética porque
afecta o desenvolvimento nacional”,
apontou.
Entende Carlos Mondlane que
a corrupção está a hipertrofiar o
Estado moçambicano e na burocracia
e impunidade encontra a
sua motivação. “Tenho um sonho
de viver num país livre de corrup-
ção”, disse, acrescentando que há
políticos em Moçambique, mas
não todos, que não têm vontade
de combater o mal. É da opinião
de que o presidente da República,
Filipe Nyusi, tem assumido claramente
o combate à corrupção.
Para o juiz conselheiro do Tribunal
Supremo (TS), José Carrilho,
que falava em representação do
presidente daquele órgão de justiça,
a corrupção no país está a
corroer as fundações do Estado e
da sociedade, atrasando e às vezes
impedindo o desenvolvimento
económico e social.
“É o maior obstáculo, dos nossos
tempos, à democracia e desenvolvimento
sustentável”, anotou
Carrilho denunciando tendência
crescente de aproveitamento
ilícito de cargos políticos em
proveito próprio. Apontou a promiscuidade
entre a política e negócios
como uma das faces mais
visíveis da enfermidade.
Erradicar a corrupção, compreende,
é difícil, mas com vontade
política, tantas vezes proclamada,
não é impossível. Por isso, prossegue,
não basta legislar. A medida
efectiva, essa sim, é expor cada
caso e infractor, levá-los a julgamento,
puni-los e confiscar os
bens obtidos, ilicitamente, e devolvê-los
ao património púbico.
Mudar a ideia de que o crime
compensa
Por sua vez, o bastonário da
Ordem dos Advogados de Mo-
çambique (OAM) disse que, em
África, o impacto imediato da
corrupção é a fuga de fluxos fi-
nanceiros, impossibilitando a
melhoria das condições de vida
das comunidades como a educa-
ção e a saúde.
“Os nossos dirigentes da União
Africana, SADC e outros organismos
africanos fazem sempre
menção à construção de infra-
-estruturas. O facto é que os fundos
que deviam ir para isso são
desviados pela corrupção e a população
acaba sendo a maior vítima
e, como resultado, é a pobreza
absoluta eterna”, lamentou Flávio
Menete. Disse que Moçambique
tem instrumentos legais de luxo
contra a corrupção, incluindo
dispositivos internacionais que
ratificou, mas o que não é eficaz
é o que chamou por sistema instituído.
“É preciso mudar a ideia de que
a corrupção compensa”, desafiou,
apontando, por outro lado, a falta
de independência da magistratura,
défice de preparação para lidar
com crime organizado, falta de
meios adequados como estando
entre o que está a falhar no combate
à corrupção no país.
Para a presidente da Associação
dos Magistrados do Ministério
Público, Nélia Correia, a corrupção
constitui um verdadeiro
atentado ao Estado de Direito
Democrático e apontou a desorganização
administrativa e a falta
de transparência na administra-
ção pública como alguns dos factores
que estimulam a corrupção
em Moçambique.
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