domingo, 23 de outubro de 2016

Deixem o presidente da Caixa em paz

OPINIÃO


Eu gosto que o presidente de um banco seja rico, tal como gosto que um tubarão esteja de barriga cheia.
Vamos cá ver: eu sei que temos um salário mínimo baixo, um salário médio ridículo (pouco mais de mil euros) e que o primeiro-ministro e o Presidente da República têm salários modestíssimos para as funções que ocupam. Mas enquanto a nossa mentalidade miserabilista estiver mais concentrada em quanto as pessoas recebem do que na sua produtividade e na riqueza que são capazes de gerar, vamos colocar sempre o ressentimento à frente do raciocínio. É absurdo – repito: absurdo – andar a discutir se o presidente do maior banco português pode ganhar 30 mil euros mensais (brutos). Se era esse o seu ordenado no BPI e se o governo o queria ter à frente da Caixa, qual era a alternativa? Exigir-lhe que se enrolasse na bandeira nacional e, em nome da pátria, aceitasse um corte de 80% no salário? Não, obrigado. Eu não quero um grande patriota à frente da CGD. Eu quero um grande banqueiro.
Se António Domingues for um mau banqueiro, vai sair-nos caro. Se António Domingues for um grande banqueiro, vai sair-nos barato. António Costa esteva cheio de razão quando declarou há dois dias: “Não é possível que a administração da Caixa tenha o ordenado alinhado pelo vencimento do primeiro-ministro e não tenha o ordenado alinhado pelo vencimento que é normal no quadro da banca.” E depois acrescentou: “Eu não arrisco má gestão na Caixa Geral de Depósitos.” Bravo! Sempre que António Costa deixa de fingir que é amigo da extrema esquerda e fala como um homem que acredita no capitalismo e no mercado até parece um bom primeiro-ministro.
Infelizmente, costuma passar-lhe depressa. Mas no caso da Caixa ele está cheiinho de razão. Eu até percebo que o senhor Zé, que tem uma reforma de 300 euros, se indigne com isto. Mas não percebo que Marcelo Rebelo de Sousa, que anda armado em monge franciscano porque já acumulou o dinheiro que precisa, venha alimentar o espírito de propostas como a do PCP, que queria que os vencimentos dos gestores públicos fossem limitados a 90% do ordenado do Presidente da República. Ou que Marques Mendes venha declarar que o ordenado de António Domingues “é mais uma pancada na confiança das pessoas”.
Pancada na confiança das pessoas é este tipo de declarações, oriundas de um homem cujo percurso demonstra o absurdo que é comparar o ordenado de gestores com o ordenado de políticos. Marques Mendes, que deve receber tanto ou mais do que António Domingues, só está onde está por ter sido político. É por ter sido político que ganhou uma visibilidade que lhe permite ser agora comentador na SIC. É por ter sido político que é consultor na Abreu Advogados (onde, por sua vez, pode cobrar mais devido à sua visibilidade como comentador), além de administrador em várias empresas. Um político não recebe só em euros. Recebe também em capital simbólico – influência, conhecimento, contactos –, conforme a duração e importância da sua vida pública. Capital esse que mais tarde transformará em dinheiro.
Nós não podemos continuar a aceitar que as únicas pessoas que ganhem bem sejam os jogadores e os treinadores de futebol. Há ordenados obscenos? Sim, claro. Há prémios de gestão obscenos? Sim, e não são poucos. Mas, pelos menos para já, não se inclui nesse conjunto um homem que recebe 30 mil euros para gerir o destino de milhares de milhões. Eu gosto que o presidente de um banco seja rico, tal como gosto que um tubarão esteja de barriga cheia. Não perceber isto é não perceber nada. Nem da condição animal, nem da condição humana.

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