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Escrito por Adérito Caldeira em 12 Outubro 2016 |
“Não há sociedades sem conflitos, o problema não são os conflitos mas como os resolvemos” começou por explanar Ngoenha, que foi um dos oradores do Colóquio Fundador da Associação Franco-Moçambicana de Ciências Humanas e Sociais (AFRAMO-CHS) realizado esta semana na cidade de Maputo com o ambicioso tema de “Abordagem cruzada sobre as dinâmicas sociais em Moçambique: desafios e perspectivas”. De acordo com o académico as “sociedades mais democráticas, mais desenvolvidas, mais participativas estão constantemente cheias de conflitos, conflitos de interesses, conflitos de ideias, conflitos de posicionamentos políticos, ideológicos, económicos, etc. A questão específica da questão de Moçambique é que nós estamos num conflito que vai permanecendo no tempo mas sobretudo a maneira como nós gerimos, a maneira como resolvemos os problemas fazem com que em vez de ser a solução do conflito sejam geradores de conflitos ainda maiores e suplementares”. “A história da construção de Moçambique é a história de uma vontade de independência, de um valor comum, de uma ideologia que se foi configurando unitária mas por detrás desta aparente unidade necessária escondiam-se valores diferentes” disse Severino Ngoenha dissertando sobre os “Conflitos em Moçambique, razões do passado, razões do presente”. “Por detrás desta causa que era a independência de Moçambique que parecia única se escondiam, talvez, por detrás muitas outras causas. E por detrás de uma verdade, quer seja política ou ideológica, escondiam-se muitas outras verdades. E que elas ficaram praticamente escondidas enquanto a causa comum permanecia, mas a partir do momento em que a caixa de pandora se abriu é que fomo-nos dando conta que afinal a unidade, os tais valores únicos, a tal visão unitária de vida que nós tínhamos não era tão unida nem tão unitária como ela poderia parecer á primeira vista, esta é a primeira razão histórica”.
Conjuntura internacional contribuiu para os conflitos pós-independência de Moçambique
Para
o Reitor da Universidade Técnica, uma das razões históricas está
relacionada com a forma como a FRELIMO, a Frente de Libertação de
Moçambique nasceu, “oriunda de movimentos com interesses diferentes, com
a percepção de independência pelo espaço geopolítico diferentes(...)
mas também, provavelmente como uma concepção daquilo que devia ser o
processo de independências também eram diferentes, mas a vontade comum
que passava pelo espectro de unidade que era necessária mas que talvez
não existisse e nem estivesse presente”.Outro motivo histórico evocado por Ngoenha na sua apresentação tem a ver com “o posicionamento de Moçambique, o facto de estarmos na África Austral, de estarmos ligados a Rodésia de um lado e a África do Sul no outro e que havia um sistema de apartheid. Por detrás do apartheid, do racismo etc, esconderam-se processos que acabaram tendo uma influência muito forte. Lutar contra Moçambique depois da independência era tornar-se no xadrez político internacional de um lado, porque a FRELIMO de uma maneira imposta tinha sido obrigada a escolher o regime político, que talvez não fosse isso que fosse a coisa mais importante depois da independência mas a conjuntura internacional impôs que Moçambique acabasse optando por uma ideologia política que ela mesmo acabou sendo, em parte, co-responsável dos conflitos que se seguiram logo depois da independência”. “Este posicionamento que Moçambique teve que ter para lutar pela independência levou-nos a cair no campo socialista e também está na origem dos movimentos que se opuseram a FRELIMO. Porque se de um lado havia certamente pessoas que militavam pelo nascimento da RENAMO por razões intrinsecamente políticas, havia a oportunidade externa de desestabilização”, disse Severino Ngoenha.
“Entramos para a política porque tornou-se o trampolim que nos permitir fazermos carreira no mundo económico”
O
Professor universitário, falando para uma plateia maioritariamente de
jovens, recordou que nesse momento histórico gerou-se alguma “confusão
para sabermos quem são aqueles que militavam porque tinham ideais
diferentes e quais eram aqueles que eram instrumentos de poderes num
conflito maior ideológico, a Guerra Fria”.“Porque as grandes potências não se podiam defrontar no próprio Ocidente então os países do Sul eram o teatro onde directamente o conflito se realizava. Então é muito difícil de saber se nós assistimos em Moçambique o nascimento da RENAMO era só uma questão interna, étnica, tribal, razões ideológicas diferentes etc, ou se era a teatralização do espaço onde se materializava um conflito que não tinha a ver connosco, que não nos interessava mas a nossa posição geográfica, a nossa fraqueza histórica, fazia com que nós fôssemos um palco privilegiado para fazer conflitos”, clarificou Ngoenha. Todavia, de acordo com o académico moçambicano, “Acabada a Guerra Fria todas essas coisas escondidas começaram a vir para fora, todos que eram socialistas desfaleceram, aqueles que eram militantes por causa deixaram de sê-lo e posicionamentos diferentes começaram a manifestar-se. O rei dinheiro começou a imperar, vou chamar a isso a biopolítica, entramos no sistema em que não fazemos política para solucionar os problemas da pessoas mas entramos para a política porque a política tornou-se o trampolim que nos permitir ter dividendos e fazermos carreira no mundo económico”. “As ideologias acabaram, é muito difícil saber o que a Frelimo(NE: agora partido político) propõe hoje, mas também é muito difícil saber o que a Renamo(NE: partido político) propõe hoje. Parece que esvaziamos de ideias, não há ideias” declarou o palestrante que concluiu que “parece que a nova ideologia dominante pós-socialismo, do fim das contradições ideológicas, ficou ideal liberal e neoliberal de ter mais, acumular mais e fazer mais riquezas”.
“Frelimo sem ideias, Renamo também não tem muitas"
"Então
a política deixou de ser ideológica, não se tornou partidocrática, os
partidos têm pouco a dizer e de referências, mas tornou-se, para mim,
aparelhocrática. Quero dizer que os partidos tornaram-se aparelhos,
aparatos. O aparato é uma organização sociológica a qual nós aderimos,
damos as nossas energias e nós aderimos a ela porque é fornecedora de
oportunidades” explicou.Na perspectiva do Professor Severino, “hoje o que nós assistimos, em minha opinião, é uma Frelimo sem ideias. A Renamo também não tem muitas. Mas que a gente entra a pertencer a Frelimo, se vocês se recordam-se em 1974-75 vocês passava 2 a 4 anos para provar que podia ser membro da Frelimo. Depois dos acordos de Paz você basta querer ser da Frelimo você inscreve-se, quanto mais dinheiro você puder trazer à máquina, ao aparelho, ao aparato Frelimo você vai progredir. Porque você dá esse dinheiro? Você dá esse dinheiro, você entra a pertencer a esse aparato porque esse aparato vai-lhe fornecer oportunidades. Então nós entramos num ciclo vicioso, a gente tem que pertencer a um aparelho a um aparato porque ele é fornecedor de grandes oportunidades. Infelizmente isto não é uma questão específica de Moçambique, encontramos na maior parte dos países, até nos mais desenvolvidos, encontramos pessoas que entram para fazer a política para aceder às oportunidades”. “Então o que eu penso que seria um caminho para fazer uma investigação séria sobre o que está-nos a acontecer? A única legitimidade que a Frelimo tem, e que ela não cansa de nos recordar, é que foi ela que libertou Moçambique, que ela pegou em armas de uma maneira destemida, lutou e libertou. Ela pensa que essa legitimidade lhe confere o direito, como disse Chipande (Alberto) há algum tempo atrás, de governar mais 50 ou 100 anos” declarou o Reitor da Universidade Técnica de Moçambique. Porém, acrescentou o Professor, “A Renamo também reivindica uma legitimidade. Essa legitimidade é nós trouxemos a democracia para Moçambique. Então estamos aqui em guerra do uso indevido de processos históricos que o passado criou e que acabam condicionado toda aquela ânsia que nós temos lá para frente de sonharmos, de fazermos coisas que podem ser referências. Precisamos de sonhar coisas diferentes, e sonhar coisas diferentes significa sair do quadro em que nós estamos, de um conflito cuja assumpção de problemas passam necessariamente por armar-nos e dispararmos uns contra os outros mas sem escondermos as nossas diferenças, sem escondermos as nossas incompreensões, as nossas diferentes maneiras de pensar, sermos capaz de nos posicionarmos e termos um palco de diálogo”.
Frelimo está a esquecer que a Constituição não foi escrita por Deus
“A
economia é o lugar da realização do indivíduo, a política é o lugar da
correcção das desigualdades sociais de um País. Quando aqueles que fazem
política, fazem dela um instrumento ou um meio para acumular a dimensão
da política mesmo como um conceito desaparece. Que dizer que uma
utopia, o sonho da igualdade, que se criem instituições que sejam
capazes de manter esta dinâmica de conflito contínuo mas em ambiente de
paz e diálogo me parece algo indispensável”, afirmou Severino Ngoenha.Sobre a guerra que o nosso País vive o Professor Universitário não teve receio de afirmar que o Presidente Filipe Nyusi, e os influentes membros do seu partido, estão equivocados quando dizem que pretendem a paz sim, mas é preciso respeitar a Constituição da República. De acordo com Severino Ngoenha os “camaradas” estão a esquecer que a Constituição não foi escrita por Deus, “as Constituições são respostas históricas e culturais que um povo se dá num determinado momento para criar condições para uma paz efectiva, uma maneira de resolver os seus problemas possa ser encontrada. A França está na quinta República já fez cinco Constituições desde a Revolução francesa, os Estado Unidos (da América) estão cheios de emendas Constitucionais, quer dizer que se a escolha não pode ser uma justificação nem um pretexto para continuar a governar mesmo quando tenham propostas”. “A própria Constituição não pode ser um pretexto para continuarmos com a guerra, dizem que é uma Carta que temos de respeitar a todo o custo mas porque a Constituição é o centro do conflito então ela mesma não serve, deve ser substituída por uma outra Carta que permita as pessoas encontrar um espaço de diálogo”, concluiu o académico moçambicano deixando claro que não se importa que gostem ou não do que pensa e expõe publicamente. |
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
“A Constituição não pode ser um pretexto para continuarmos com a guerra” Severino Ngoenha
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