O Presidente chinês tem acumulado poder de uma forma só antes vista com Mao e Deng. Quais são as suas armas?
Vêem-se imagens de um templo budista, acompanhadas do som monocórdico
de orações. Surge a voz do narrador: “Depois de uma tartaruga de
estimação ter morrido, ele mandou transcrever escrituras de propósito
para serem enterrados com ela.” Esta é uma das cenas de um episódio de
uma nova série televisiva chinesa, mas as personagens principais não são
super-heróis ou guerreiros medievais. “Sempre na Estrada” apresenta as
histórias de alguns dos ex-dirigentes políticos condenados por
corrupção, desde que o Presidente chinês, Xi Jinping, decidiu lançar uma
campanha impiedosa para limpar a hierarquia do partido único.
Um deles é Zhou Benshum, ex-líder partidário na região de Hebei, que além de ter sido condenado por desvio de dinheiro público foi também acusado da prática de “superstição”, cuja prova principal terá sido o “funeral” dado à tartaruga. A campanha anti-corrupção – agora com direito a saga televisiva – é apenas uma parte de um processo para reforçar o poder de Xi. À entrada para o último ano antes do XIX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o primeiro Presidente nascido depois da revolução de 1949 assume-se como o líder mais poderoso das últimas décadas.
O Comité Central do PCC reúne em sessão plenária a partir desta segunda-feira. Será o último encontro antes do congresso de 2017, que marcará a recondução de Xi como secretário-geral do partido. Os seus primeiros anos à frente dos destinos da nação mais populosa do planeta surpreenderam os analistas pela rapidez com que consolidou e fez crescer o seu poder. Lembra Cheng Li, do Instituto Brookings, que pouco antes da sua subida ao poder, Xi era descrito em jornais e revistas ocidentais como ‘“um líder fraco”, “um construtor de consensos”, “um conservador firme”, “um liberal no armário” ou até como “o Gorbatchev da China”’. Hoje é visto como o líder mais forte desde Mao Tsetung e é comparado a um imperador do século XXI. O que mudou?
A luta contra a corrupção é uma das pedras angulares do domínio de Xi. Antes dele, tanto Jiang Zemin como Hu Jintao lançaram campanhas semelhantes, mas nenhuma atingiu a dimensão da que agora varre o Estado chinês. Foram atingidos mais de 150 dirigentes com um posto igual ou superior a vice-ministro – os chamados “tigres” do sistema – bem como milhares de funcionários de menor grau – as “moscas”. A condenação mais chocante foi a de Zhou Yongkang, antigo homem forte do aparelho de segurança de Estado que chegou a pertencer à restrita Comissão Permanente do Comité Central do PCC.
Mas o temível braço do Comité Central de Disciplina e Inspecção extravasou as próprias paredes do PCC e chegou às Forças Armadas. Este ano, dois ex-generais do Exército de Libertação do Povo foram condenados por corrupção e, de acordo com o South China Morning Post, há pelo menos cem personalidades com patente igual ou superior à de general investigados pelo envolvimento na “compra e venda de patentes militares”. O sinólogo Roderick MacFarquhar diz que, através da campanha contra a corrupção, Xi está a fazer a sua própria “revolução cultural”. “Enquanto Mao queria fazer dos líderes chineses revolucionários, Xi quer torná-los sérios”, escrevia no ano passado na New York Review of Books.
Um dos mais influentes debruça-se sobre a reforma da economia – uma das grandes prioridades enunciadas por Xi. Em teoria, estes grupos têm uma natureza temporária e deliberativa e a sua existência está ligada ao cumprimento de um dado objectivo. Porém, uma prova da importância que vêm assumindo é a presença de elementos destes grupos em reuniões bilaterais com empresas ou governos estrangeiros. “Sempre soubemos que o partido seguia de perto as coisas, mas nunca tinha tido um assento à mesa”, dizia em Julho ao Financial Times um diplomata europeu, sob anonimato.
Ao mesmo tempo, a repressão tem alastrado e atinge pessoas e grupos que até há pouco tempo se sentiam a salvo. Um dos casos mais célebres envolveu o magnata Ren Zhiqiang, conhecido pelas suas declarações polémicas. Ren criticou as recomendações feitas por Xi aos media estatais, que disse deverem “falar em nome do partido”. O milionário viu a sua conta na rede social Weibo apagada e foi suspenso um ano do partido.
No final de 2015, cinco editores de Hong Kong foram raptados de forma misteriosa, descobrindo-se que tinham sido detidos de forma ilegal pelas autoridades chinesas. Um deles foi acusado de vender e distribuir livros críticos sobre o PCC, numa demonstração de que a liderança chinesa está disposta a ingerir-se nas liberdades do território, algo até aqui considerado impensável.
A acumulação de poder por Xi, tem levado os analistas a questionar se o líder chinês poderá manter-se na presidência num terceiro mandato. Desde os anos 1980 que os líderes chineses seguem uma regra informal de não se recandidatarem após os 68 anos. O objectivo da política do qishang baxia – “sete dentro, oito fora” – era obrigar a elite chinesa a renovar-se e evitar a formação de uma gerontocracia como a que marcou os últimos anos da União Soviética.
O analista veterano Willy Lam sugere, porém, que Xi está a ponderar furar a regra. O primeiro sinal nesse sentido pode ser dado no congresso do próximo ano, em que é esperada uma renovação do Comité Central. Um dos líderes com mais de 68 anos é Wang Qishan, um velho amigo de Xi e o principal responsável pela campanha anti-corrupção, pelo que poderá ser o primeiro dirigente do PCC nas últimas décadas a não respeitar o qishang baxia. Desta forma, conclui Lam, fica aberto o precedente para que Xi siga o mesmo caminho no congresso de 2022, estendendo a sua liderança por mais cinco anos.
Um deles é Zhou Benshum, ex-líder partidário na região de Hebei, que além de ter sido condenado por desvio de dinheiro público foi também acusado da prática de “superstição”, cuja prova principal terá sido o “funeral” dado à tartaruga. A campanha anti-corrupção – agora com direito a saga televisiva – é apenas uma parte de um processo para reforçar o poder de Xi. À entrada para o último ano antes do XIX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o primeiro Presidente nascido depois da revolução de 1949 assume-se como o líder mais poderoso das últimas décadas.
O Comité Central do PCC reúne em sessão plenária a partir desta segunda-feira. Será o último encontro antes do congresso de 2017, que marcará a recondução de Xi como secretário-geral do partido. Os seus primeiros anos à frente dos destinos da nação mais populosa do planeta surpreenderam os analistas pela rapidez com que consolidou e fez crescer o seu poder. Lembra Cheng Li, do Instituto Brookings, que pouco antes da sua subida ao poder, Xi era descrito em jornais e revistas ocidentais como ‘“um líder fraco”, “um construtor de consensos”, “um conservador firme”, “um liberal no armário” ou até como “o Gorbatchev da China”’. Hoje é visto como o líder mais forte desde Mao Tsetung e é comparado a um imperador do século XXI. O que mudou?
A luta contra a corrupção é uma das pedras angulares do domínio de Xi. Antes dele, tanto Jiang Zemin como Hu Jintao lançaram campanhas semelhantes, mas nenhuma atingiu a dimensão da que agora varre o Estado chinês. Foram atingidos mais de 150 dirigentes com um posto igual ou superior a vice-ministro – os chamados “tigres” do sistema – bem como milhares de funcionários de menor grau – as “moscas”. A condenação mais chocante foi a de Zhou Yongkang, antigo homem forte do aparelho de segurança de Estado que chegou a pertencer à restrita Comissão Permanente do Comité Central do PCC.
Mas o temível braço do Comité Central de Disciplina e Inspecção extravasou as próprias paredes do PCC e chegou às Forças Armadas. Este ano, dois ex-generais do Exército de Libertação do Povo foram condenados por corrupção e, de acordo com o South China Morning Post, há pelo menos cem personalidades com patente igual ou superior à de general investigados pelo envolvimento na “compra e venda de patentes militares”. O sinólogo Roderick MacFarquhar diz que, através da campanha contra a corrupção, Xi está a fazer a sua própria “revolução cultural”. “Enquanto Mao queria fazer dos líderes chineses revolucionários, Xi quer torná-los sérios”, escrevia no ano passado na New York Review of Books.
Xi eterno?
O poder crescente de Xi tem sido afirmado de outras formas. No sistema de partido único, os cargos partidários sempre se sobrepuseram aos restantes. Mas nos últimos anos a supremacia do PCC tem sido acentuada, através de grupos de elaboração de políticas sectoriais. A existência destas formações não é recente, mas a sua influência tem crescido como forma de ultrapassar potenciais resistências na burocracia estatal. Xi exerce influência sobre todos eles e lidera pessoalmente pelo menos seis, incluindo o grupo sobre segurança nacional, ciberdefesa e reforma do Exército.Um dos mais influentes debruça-se sobre a reforma da economia – uma das grandes prioridades enunciadas por Xi. Em teoria, estes grupos têm uma natureza temporária e deliberativa e a sua existência está ligada ao cumprimento de um dado objectivo. Porém, uma prova da importância que vêm assumindo é a presença de elementos destes grupos em reuniões bilaterais com empresas ou governos estrangeiros. “Sempre soubemos que o partido seguia de perto as coisas, mas nunca tinha tido um assento à mesa”, dizia em Julho ao Financial Times um diplomata europeu, sob anonimato.
Ao mesmo tempo, a repressão tem alastrado e atinge pessoas e grupos que até há pouco tempo se sentiam a salvo. Um dos casos mais célebres envolveu o magnata Ren Zhiqiang, conhecido pelas suas declarações polémicas. Ren criticou as recomendações feitas por Xi aos media estatais, que disse deverem “falar em nome do partido”. O milionário viu a sua conta na rede social Weibo apagada e foi suspenso um ano do partido.
No final de 2015, cinco editores de Hong Kong foram raptados de forma misteriosa, descobrindo-se que tinham sido detidos de forma ilegal pelas autoridades chinesas. Um deles foi acusado de vender e distribuir livros críticos sobre o PCC, numa demonstração de que a liderança chinesa está disposta a ingerir-se nas liberdades do território, algo até aqui considerado impensável.
A acumulação de poder por Xi, tem levado os analistas a questionar se o líder chinês poderá manter-se na presidência num terceiro mandato. Desde os anos 1980 que os líderes chineses seguem uma regra informal de não se recandidatarem após os 68 anos. O objectivo da política do qishang baxia – “sete dentro, oito fora” – era obrigar a elite chinesa a renovar-se e evitar a formação de uma gerontocracia como a que marcou os últimos anos da União Soviética.
O analista veterano Willy Lam sugere, porém, que Xi está a ponderar furar a regra. O primeiro sinal nesse sentido pode ser dado no congresso do próximo ano, em que é esperada uma renovação do Comité Central. Um dos líderes com mais de 68 anos é Wang Qishan, um velho amigo de Xi e o principal responsável pela campanha anti-corrupção, pelo que poderá ser o primeiro dirigente do PCC nas últimas décadas a não respeitar o qishang baxia. Desta forma, conclui Lam, fica aberto o precedente para que Xi siga o mesmo caminho no congresso de 2022, estendendo a sua liderança por mais cinco anos.
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