Delegação europeia fez visita coreografada a campo de refugiados e contornou preocupações humanitárias. Merkel sugere criação de zonas seguras no lado sírio da fronteira.
O presidente do Conselho Europeu disse este sábado que “ninguém tem o direito de dar lições à Turquia” sobre a melhor forma de tratar refugiados, contrariando as vozes críticas que acusam o país de ter um sistema de asilo abusivo e maltratar sírios na fronteira. “A Turquia é o melhor exemplo, em todo o mundo, sobre como devemos tratar refugiados”, insistiu Donald Tusk, ao lado da chanceler alemã, Angela Merkel, e do primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu.
Tusk falava numa conferência de imprensa na cidade turca de Gaziantep, encerrando a visita de uma delegação europeia a um campo de refugiados, onde foi inaugurado um jardim-de-infância construído com fundos da União Europeia. A visita pretendia mostrar os benefícios do acordo de devolução de refugiados assinado com a Turquia, sob o qual Bruxelas transferirá seis mil milhões de euros em ajudas para o acolhimento dos mais de 3,5 milhões de sírios que vivem no país.
Mas os líderes europeus estavam também sob pressão para responder àssuspeitas de graves violações humanitárias contra requerentes de asilo, como relatos de devoluções forçadas à Síria, disparos contra famílias que tentam entrar no país ou de violência e tortura em centros de repatriamento. O primeiro-ministro turco rejeitou estas acusações e exigiu de novo a liberalização de vistos para cidadãos turcos viajarem na Europa, uma polémica moeda de troca para que a Grécia possa devolver à Turquia os sírios chegados depois do dia 28 de Março e todos os pedidos de asilo falhados.
Este sábado os olhos estavam sobretudo postos em Angela Merkel, acusada de querer agradar a um líder autoritário quando esta semana permitiu abrir uma acção legal contra um humorista alemão que fez pouco do Presidente turco — foi também ela quem comandou as negociações com a Turquia, na ânsia de reduzir o número de chegadas à Alemanha. Mas a chanceler foi branda sobre preocupações humanitárias e admitiu apenas que os líderes europeus “abordaram as suas preocupações” no encontro à porta fechada com Davutoglu.
Merkel, aliás, defendeu este sábado a criação de zonas protegidas no lado sírio da fronteira para acolher refugiados, previstas no acordo assinado em Março, mas polémicas dada a dificuldade em assegurar a sua segurança — nesta última semana, por exemplo, artilharia do regime sírio atingiu campos na fronteira com a Turquia. “Exigi novamente a criação de zonas onde haja mais garantias de cessar-fogo”, disse, fazendo referência à cessação de hostilidades na Síria, em risco de ruir.
“Campo higienizado”
A visita dos líderes europeus a Gaziantep contornou as preocupações sobre o tratamento de refugiados e requerentes de asilo na Turquia. Parece até ter causado o efeito contrário. Cada paragem da delegação foi de tal forma coreografada que se tornou difícil não a ver como “uma representação visual de como os sírios estão a ser tratados como adereços em maquinações geopolíticas mais vastas”, como escrevia no Twitter o jornalista e especialista em política de asilo do Guardian, Patrick Kingsley.
Merkel, Tusk e Frans Timmermans — vice-presidente da Comissão Europeia — visitaram o campo de refugiados de Nizip na companhia do primeiro-ministro turco. À chegada, porém, a polícia turca já trancara os sírios residentes atrás das vedações que delimitam o campo: em seu lugar esperavam cinco raparigas sírias vestidas de branco e um pequeno grupo de refugiados escolhido de antemão. Os jornalistas foram proibidos de se aproximar das grades e de entrevistar moradores.
Os portões só se abriram com a partida dos líderes europeus em direcção a um jardim-de-infância em pré-fabricado, construído com financiamento da União Europeia. A delegação fez uma curta vistoria às condições do campo, onde vivem cerca de cinco mil refugiados sírios, mas isso não bastou para silenciar críticas de organizações humanitárias. Como a chanceler alemã admitiu este sábado, cerca de 90% dos sírios na Turquia não vivem em campos de refugiados para poderem trabalhar no mercado negro e sustentar a sua família.
“Em vez de fazer uma visita a um campo de refugiados higienizado, os líderes europeus devem olhar pelo topo do novo muro de fronteira turco e ver as dezenas de milhares de sírios, esgotados pela guerra e retidos no outro lado”, escreveu este sábado Judith Sunderland, da Human Rights Watch, fazendo referência a milhares de sírios que fugiram recentemente dos violentos confrontos em Alepo e vivem em campos improvisados a poucos quilómetros da Turquia.
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