Monday, April 25, 2016

Jornalista holandesa detida na Turquia por insultos a Erdogan

São jornalistas, cartoonistas, intelectuais, donas de casa e até ex-misses - em 20 meses de presidência Erdogan, a justiça turca abriu quase dois mil processos contra pessoas que criticaram o Presidente.
Os críticos dizem que Erdogan quer acabar com a liberdade de expressão na Turquia OZAN KOSE/AFP
Uma jornalista holandesa a viver na Turquia foi detida este domingo durante várias horas por ter publicado, num jornal e no Twitter, uma análise crítica sobre a política de repressão da liberdade de expressão de Recep Erdogan, que foi considerada um insulto ao Presidente. "Polícia à porta. Não estou a brincar", anunciou no Twitter a jornalista, que foi levada para a esquadra de Kuadasi (a cidade turística na zona ocidental da Turquia onde vive), onde foi interrogada antes de ser libertada.
O caso, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros holandês disse imediatamente estar a seguir ao pormenor, adensou a crise diplomática entre os governos de Amesterdão e de Ancara. E soma mais um nome à longa lista de jornalistas e cidadãos que o Governo turco acusa de insultarem o Presidente  — em 20 meses de presidência Erdogan, quase duas mil pessoas foram acusadas de terem cometido este crime, tendo sido abertos processos judiciais.
Foi sobre a crise diplomática Holanda-Turquia que Ebru Umar - que tem origem turca e é conhecida pelo seu ateísmo e feminismo - escreveu um texto publicado no jornal Metro holandês. Tecia críticas ao Presidente, que os críticos acusam de estar a acabar com a liberdade de expressão e de imprensa. A jornalista publicou excertos no Twitter.
O diferendo entre os dois países começou na semana passada, quando os jornais holandeses noticiaram que o consulado turco em Roterdão pedira às organizações turcas na Holanda para lhe reencaminharem todas as mensagens, de email ou outras, que recebessem com algum tipo de insultos a Erdogan ou à Turquia.
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, anunciou que pedira explicações oficiais ao Governo de Ancara. Num primeiro momento, a embaixada turca na Holanda recusou justificar-se sobre o pedido do consulado de Roterdão. Depois, explicou que a mensagem tinha “uma infeliz escolha de palavras” e, por isso, foi mal interpretada — só queriam ser informados sobre mensagens de ódio ou racistas.
O Governo de Amesterdão quis saber quais as intenções da Turquia, o que pretendia fazer com a informação. Há escassas duas semanas, ficou a saber-se que a presidência e o governo turco estão atentos à legislação dos outros países e que não deixam passar em branco criticas ou insultos ao Presidente Erdogan — no dia 15, a chanceler alemã Angela Merkel aprovou o pedido de Ancara para ser aberto um processo judicial na Alemanha contra um humorista, Jan Böhmerman. Num programa de televisão, Böhmerman acusou Erdogan de autoritarismo e num poema cantado referiu-se ao Presidente islamo-conservador turco e a práticas sexuais de pedofilia e zoofilia. O processo contra o humorista está em apreciação na justiça alemã, que ainda não decidiu se a queixa avança ou é arquivada — entretanto, a revista Spectator abriu o concurso President Erdogan Offensive Poetry Competition e oferece um prémio de mil euros ao melhor classificado.
A consequência do artigo de Umar revela, mais uma vez, a intransigência do regime islamo-conservador turco perante as críticas, sejam feitas internamente ou no estrangeiro. A sustentar esta opção, está um artigo do Código Penal turco, o 301, que começou a ser aplicado de forma muito lata - diz que é ilegal insultar a Turquia, a nação turca ou as instituições governativas; o crime é punível com penas até quatro anos de prisão. Numa versão anterior, o artigo criminalizava apenas o insulto à “essência turca”, mas Erdogan, quando ainda era primeiro-ministro, alterou-o quando adoptou um pacote de medidas destinado a harmonizar as leis turca e europeia, no âmbito da possível abertura de negociações para a adesão do país à União Europeia.
Enquanto foi primeiro-ministro, o artigo quase não foi invocado. Assim que se tornou Presidente, os casos começaram a surgir — e já vão quase em dois mil. O número não é uma estimativa. É concreto. Foi dado no início de Março pelo responsável da Justiça, Bekir Bozdag, que no Parlamento disse que o seu ministério tinha avançado com 1845 casos judiciais por insultos ao Presidente Erdogan.
Pelas suas palavras, é o próprio ministro quem avalia cada um destes processos. “Nem consigo ler os insultos que são feitos ao nosso Presidente, começo logo a corar. Isto é vergonhoso, não é liberdade de expressão”, disse Bozdag, que é membro do partido islamista de Erdogan, o AKP.
Há jornalistascartoonistas, intelectuais, donas de casas, menores de idade, ex-futebolistas e até uma antiga Miss Turquia entre os acusados.
“Os líderes turcos costumavam perseguir os jornalistas por causa das suas colunas e textos”, disse à Bloomberg Susan Corke, directora para a Euroásia na organização de defesa dos jornalistas Freedom House, com sede em Washington (EUA).”Agora, com as redes sociais, o Presidente Erdogan e outros líderes turcos passaram a atacar toda a sociedade”.
No ano passado, num caso muito mediatizado, o Ministério Público pediu quatro anos de prisão para a modelo Merve Buyuksarac, que foi Miss Turquia em 2006, por ter publicado no Instagram uma fotografia com um poema satírico sobre Erdogan, segundo a agência Anadolu. Um rapaz de 13 anos foi detido após uma denuncia anónima que o acusava de insultar o Presidente no Facebook — a polícia fez uma rusga à casa do menor. Outros dois menores, de 12 e 13 anos, foram detidos e acusados de insulto ao Presidente por terem rasgado um cartaz com a cara do Presidente. E a antiga estrela turca de futebol Hakan Sukur está a ser julgado por insultos a Erdogan no Twitter — no tribunal, Sukur explicou que o que publicou não tinha a ver com o Presidente, mas a acusação disse que estavam “claramente relacionados”, segundo a agência Dogan.
Até há um caso do marido que denunciou a mulher. Ali D., um habitante de Esmirna de 40 anos, foi à polícia com uma gravação em que se ouve a mulher a dizer mal do Presidente. Ao jornal Yeni Safak explicou por que o fez: “O nosso Presidente é uma boa pessoa e faz coisas boas pela Turquia. Fartei-me de a avisar. Nem que fosse o meu pai a proferir os insultos, não lhe perdoaria”.

Tribunal turco anula caso contra académicos acusados de "propaganda terrorista"

Em Istambul começou também outro caso de liberdade de expressão, contra dois jornalistas que noticiaram a entrega de armas a grupos islamistas na Síria.
Can Dündar e Erdem Gül à chegada ao Palácio de Justiça de Istambul OSMAN ORSAL/REUTERS
Um tribunal de Istambul anulou o caso contra quatro académicos acusados pelo Ministério Público de "propaganda terrorista". A sustentar a acusação estava o artigo 301 do Código Penal, que considera que "denegrir" o que é turco é um acto criminoso e prevê que este crime é punível com o máximod e dois anos de prisão.
Esra Mungan, professor na Universidade Bogazici; Muzaffer Kaya, que ensina em Belas Artes; Kivanç Ersoy, da Universidade Nisantasi; e o antigo professor Meral Camci, que estavam detidos há cerca de um mês, ficaram em liberdade. Tinham sido acusados por terem lido em público – e assinado – uma petição denunciando o que consideram ser "os massacres" das forças de segurança durante operações contra posições dos guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão em cidades e vilas que deveriam estar protegidas por um cessar-fogo.
"Não podemos sufocar a nossa consciência", disse no tribunal Muzaffer Kaya, citado pela agência turca Dogan. "Podem considerar a nossa petição ridícula, mas nunca poderão dizer que estávamos a fazer propaganda terrorista. Exijo ser absolvido", afirmou o professor na sexta-feira, na abertura do processo.
Pelo menos 500 pessoas, entre elas numerosos alunos universitários, juntaram-se em frente ao tribunal, em protesto contra o processo, segundo a AFP. Gritaram "Liberdade para as nossas canetas" e "Orgulhosos dos nossos universitários".
Em Janeiro, mais de 1200 intelectuais turcos e estrangeiros assinaram a petição, o que desagradou ao Presidente Erdogan, que prometeu que os que assinaram pagariam "o preço da traição". Nas semanas que se seguiram, foram abertos processo judiciais em várias cidades turcas e perto de 20 académicos foram colocados em prisão preventiva. Alguns académicos signatários foram despedidos  foi o caso de Meral Camci, que foi dispensado da Universidade Yeni Yüzyil em Fevereiro.
Um dos signatários da petição, Teoman Pamukçu, professor na Universidade Técnica do Médio Oriente, em Ancara, disse à AFP que os académicos foram chamados pelos comités das faculdades que os interrogaram. As perguntas foram: "Pensa que o PKK é uma organização terrorista?" e "Está arrependido de ter assinado a petição?"
O sudeste da Turquia, de maioria curda, vive desde há meses ao ritmo dos combates entre as forças de segurança turcas e os rebeldes do PKK. Mais de 350 soldados ou polícias morreram, segundo as autoridades, que dizem que do lado dos rebeldes morreram cinco mil pessoas. Na sexta-feira, mais três soldados foram mortos numa explosão à passagem de uma caravana militar em Tunceli.
Outro processo relativo a liberdade de expressão começou também na sexta-feira no Palácio de Justiça de Istambul. Tem como réus dois jornalistas acusados de espionagem  Can Dündar e Erdem Gül, chefe de redacção e chefe da delegação de Ancara do Cumhuriyet, conotado com o centro-esquerda (oposição). São também acusados de divulgação de segredos de Estado e de tentativa de golpe de Estado, podendo ser condenados a prisão perpétua.
A acusação quis relacionar os jornalistas com o processo das escutas que implica antigos magistrados e e ex-membros dos serviços secretos suspeitos de serem próximos de Fethullah Gulen, o grande inimigo de Erdogan. Mas o tribunal não aceitou a fusão dos casos.
"O plano deles ruiu. Somos jornalistas, não temos nada a ver com isso", disse Dündar. Os dois jornalistas foram acusados depois de o jornal onde trabalham ter divulgado que os serviços secretos turcos tinham entregue armas aos grupos islamistas que combatem na Síria.

Tribunal turco reverte condenações do "caso Ergenekon"

Antigo chefe das Forças Armadas turcas e outras 275 pessoas tinham sido acusadas por tentativa de golpe contra o Governo de Erdogan.
O caso foi visto como um braço de ferro entre Recep Erdogan e o general Ilker Basbug (à direita), juntos nesta foto de 2010REUTERS/STRINGER
O Tribunal de Recurso da Turquia indeferiu a sentença que condenou a prisão perpétua o antigo chefe das Forças Armadas do país, Ilker Basbug, e outras 275 pessoas – militares, académicos, jornalistas e activistas políticos –, todos acusados de conspirar para derrubar o Governo do então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e o seu partido da Justiça e Desenvolvimento.
Com esta última reviravolta fica definitivamente fechado o processo, que ficou conhecido como o “caso Ergenekon” e que se arrastou por nove anos. O nome tem a ver com o código secreto que alegadamente seria usado por umasuposta rede secular ultranacionalista, que as autoridades acusavam de estar por trás de uma campanha de ataques bombistas e de assassínios selectivos com o objectivo de criar uma situação de instabilidade no país propícia a um golpe de Estado militar.
As acusações foram negadas por todos os acusados, que sempre se declararam inocentes – e denunciaram as motivações políticas do processo. Além dos suspeitos, a oposição argumentava na altura que o caso teria sido “orquestrado” pelo primeiro-ministro como forma de vincar a sua autoridade perante o poderoso Exército turco, desmontando a hierarquia militar e o seu tradicional domínio da política do país.
Como se lê na decisão proferida pela mais alta instância de recurso judicial da Turquia, as condenações estavam feridas de morte uma vez que a existência da rede clandestina Ergenekon – classificada como uma organização terrorista pelo Governo de Erdogan – nunca foi provada durante o julgamento, que decorreu em 2013. O tribunal encontrou ainda outras “falhas graves” no processo original, nomeadamente o recurso a escutas e buscas ilegais.
Apesar da condenação, o general Ilker Basbug já tinha sido libertado em 2014, por deliberação do Tribunal Constitucional que encontrou uma “irregularidade técnica” na sentença. Além do chefe do Exército, outros 16 arguidos foram condenados a prisão perpétua, e os restantes arguidos tiveram como sentença penas de prisão entre os 12 e os 35 anos. Só 21 dos arguidos foram absolvidos no primeiro julgamento.

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