Confrontação decisiva adiada para Congresso
-Nyusi com mais espaço
Por Francisco Carmona e Armando Nhantumbo
Uma das grandes
questões suscitadas
pela reunião do Comité
Central era o
espaço a disputar por Nyusi,
aventando-se mesmo a possibilidade
de mudanças na CP
e o próprio secretário-geral a
ser removido.
Nada foi mexido em termos
de estruturas e, apesar de
muitos delegados conceberem
que Nyusi “ganhou mais
espaço”, a opinião não é consensual.
Há o sentimento de
que o novo presidente tem de
trabalhar arduamente para se
impor, impor também as suas
pedras no xadrez partidário se
quiser colher resultados a seu
Espaço de Nyusi
A crise política e económica estiveram no centro dos debates na reinuão dos camaradas
favor no Congresso do próximo
ano. A título de exemplo, é dada
a nova direcção da OJM, vista
como hostil a Nyusi apesar da
coreografia imbecil patenteada
na reunião, tentando demonstrar
vassalagem total ao
novo presidente.
Apesar de uma grande nebulosa
quanto às capacidades
e/ou habilidades
de manejar o martelo no
comando da V Sessão do Comité
Central do partido dominante, a
primeira verdadeiramente na qualidade
de Presidente, há um sentimento
entre os membros que Filipe
Nyusi se saiu bem e está cada
vez mais a impor-se no partido
governamental, embora o teste final
vá acontecer no Congresso da
organização, marcado para o final
de Setembro do próximo ano, na
Matola. Temas como corrupção,
explicações sobre Ematum/Proindicus,
paz e a linha a ser seguida
no relacionamento com Afonso
Dhlakama e a Renamo dominaram
a reunião de quatro dias do
órgão mais importante da Frelimo
no intervalo entre os congressos.
O SAVANA tenta aqui escalpelizar
alguns desses pontos.
Depois da eleição de Filipe Nyusi
como presidente do partido, numa
reunião difícil onde Guebuza resistiu
mas foi obrigado a renunciar,
pairaram dúvidas se o actual chefe
de Estado conseguiria estar ao
leme do navio Frelimo.
A reunião começou com os habituais
desfiles enfadonhos das chamadas
organizações de massas, dos
seguidistas da OJM(Organização
da Juventude Moçambicana) à
ultra-conservadora Associação dos
Antigos Combatentes de Liberta-
ção Nacional (ACLLN) a lançar
duras críticas à Renamo, apelidando
o partido de Afonso Dhlakama
de “movimento assassino e vandalizador”
e pedindo mais “espaço de
manobra” nos órgãos decisórios da
Frelimo
No seu discurso de abertura, Filipe
Nyusi destacou a necessidade de
reforço da disciplina partidária, o
resgate dos princípios que nortearam
os princípios da criação da
Frelimo e pediu que os “camaradas”
exprimissem os seus pontos
de vista, durante os debates, de
forma franca e aberta.
Segundo um dos participantes,
“foi o debate franco e aberto que
grangeou as maiores simpatias”
no encontro à porta fechada, levando
o “histórico” Jorge Rebelo a
comparar a reunião com outros do
mesmo órgão na década de 60 em
plena luta armada de libertação.
Afonso Dhlakama
Contrariando a linha dos mais
conservadores, a chamada ala dos
generais, que defendem uma desintegração
da Renamo, o Presidente
voltou a defender o diálogo,
argumentando que não quer
a morte de Afonso Dhlakama e
que o líder do maior partido da
oposição deve ser visto como “um
adversário político, não como um
Ecos do Comité Central da Frelimo
inimigo a abater”. Na linha dos
generais na reserva, os quadros de
base, sobretudo das províncias, foram
os mais argumentativos a diabolizar
Dhlakama, chegando-se a
pedir a ilegalização da Renamo.
Porém, na “linha” do Presidente
Filipe Nyusi, predominam quadros
mais jovens, que constituem
uma forte sensibilidade interna do
partido e que defendem uma abordagem
mais controlada da pressão
militar para desarmar a Renamo.
Aqui a linguagem é “o reforço das
instituições do Estado de Direito”,
um eufemismo para dizer que “se
deve usar a polícia, o exército e
os tribunais” contra as alterações
à ordem pública, reconhecendo-
-se, no entanto, que a Renamo/
Dhlakama é uma questão eminentemente
política e também de
reconciliação nacional.
Ao que o SAVANA apurou, os
velhos generais e os “seguidistas”,
alas mais conotadas com o antigo
Presidente Armando Guebuza,
mantiveram-se contidas, não significando,
segundo fontes que participaram
na reunião, que saíram
derrotados ou que não esperam
a sua oportunidade para voltar a
contra-atacar.
Sobre o dossier paz, que foi uma
das principais agendas do recém
terminado Comité Central, os “camaradas”
não trouxeram grandes
novidades a público. Repetiram o
que têm feito há quatro anos: lamentar
os ataques da Renamo e
reiterar abertura ao diálogo.
“Temos assistido com preocupa-
ção à prevalência das reivindica-
ções da Renamo, tentando criar
na opinião pública a percepção
de que todo o ambiente negativo
prevalecente é devido à Frelimo,
pretexto para tomar o poder
através do uso de armas. Apesar
disso, nós continuaremos, incansavelmente,
a manter o espírito de
diálogo que sempre nos caracterizou,
alargando-o a outras forças
vivas da sociedade moçambicana,
nomeadamente Partidos Políticos,
entidades religiosas, organizações
femininas e juvenis, artistas, entre
outros grupos sociais”, disse o líder
da Frelimo, enfatizando que o debate
em torno do informe sobre a
situação política e militar no País
foi caracterizado por franqueza,
abertura e frontalidade face aos
problemas com que nos debatemos.
Perante a exigência da Renamo de
governar as províncias do Centro
e Norte de Moçambique, Nyusi
respondeu, embora que de forma
abstracta, que a Frelimo continuará
a liderar os processos de descentralização
e desconcentração
político-administrativa, uma forma
indirecta de reconhecer como
errados os pronunciamentos anteriores
de membros da CP e os
sucessivos “chumbos” na matéria
levados a cabo pela bancada parlamentar
liderada pela “herança
guebuzista”, Margarida Talapa.
Segundo os depoimentos de vá-
rios participantes, Nyusi não se
libertou totalmente do “espartilho”
imposto estatutariamente pela CP
(Comissão Política), mas ganhou
mais espaço ao se reconhecer que
a paz e a questão Renamo é um
assunto de Estado e não do Partido
Frelimo e que deve haver mais
poder de iniciativa do Presidente
da República/Chefe de Estado
para liderar processos conducentes
ao diálogo com Dhlakama e
a Renamo. Nyusi, que “não abriu
totalmente o jogo” nesta questão,
segundo um participante, tem
realizado encontros com várias sensibilidades nacionais para estabelecer
um “road map” (estratégia
mapeada) para a paz.
Sobre a reconciliação e os erros
cometidos pela Frelimo, Tomaz
Salomão, um antigo ministro de
Plano e Finanças no Governo de
Joaquim Chissano, disse: “infelizmente,
apenas nós que estamos
nesta sala é que comemos. Se continuarmos
a comer sozinhos, isso
não vai criar harmonia na sociedade
e podemos perder as próximas
eleições”. Salomão deixou na sala
um ambiente sombrio ao vaticinar
que 2016, do ponto de vista económico,
será provavelmente um
dos piores anos para todos os mo-
çambicanos.
Mudança de atitude
A corrupção foi também um tema
que foi alvo de acalorados debates,
um fenómeno que está a dividir o
partido governamental. É daqueles
diagnósticos que tem o pendor de
revelar que a promiscuidade, que
sempre foi característica de alguns
governantes da Frelimo, não é apenas
uma constatação de “apóstolos
da desgraça”.
Decorria o debate sobre a corrup-
ção e situação económica do país,
quando os “camaradas” reconheceram
que é tempo de eles próprios,
e não os “inimigos”, ousarem a
mudar de atitude pelo bem do país.
Um gestor público, conhecido pela
sua verve oratória, pediu clareza
nas questões entre fundos do partido
e fundos das empresas, pois as
empresas estatais são alvo de enormes
pressões para contribuírem
financeiramente para o partido “e
quando dizemos que não, somos
muito mal entendidos”. É de
conhecimento oficioso, que o
partido Frelimo se “alimenta” de fundos nas empresas públicas,
colocando na sua direcção quadros
obedientes e de confiança, para
possibilitarem “contabilidades
criativas” e “generosas contribui-
ções” partidárias.
Num documento intitulado “Situação
Económica do País”, apresentado
na sexta-feira, 15 de Abril,
naquele que foi o penúltimo dia do
conclave da Matola, os “camaradas”
reconhecem que para inverter
a actual e difícil situação econó-
mica do país é necessário que haja
mudança de atitude.
Numa altura em que Moçambique
atravessa o pior momento dos
últimos 10 anos, com dívidas que
sugerem gestão criminosa do erá-
rio público por dirigentes públicos
provenientes da Frelimo, o partido
que governa o país há longos 41
anos reconhece, ainda que timidamente,
que a atitude humana está
no cerne da crise económica que
Moçambique está hoje mergulhada.
“Para inverter a actual e difícil situação
económica, precisamos de
ousar a mudar de atitude”, referem
através de uma nota apresentada à
porta fechada a que o SAVANA
teve acesso.
Ainda assim, a gestão diária das
contas públicas moçambicanas
continua a contrariar que Moçambique
está em crise económico-financeira.
O combate ao despesismo
que o presidente Filipe Nyusi
prometeu, volvido mais um ano do
seu reinado, não passa de mais uma
simples declaração de intenções.
No documento que mencionamos,
a Frelimo admite que “precisamos
de austeridade e fazer mais com os
mesmos recursos, tendo em conta
que a actual conjuntura não é favorável
à mobilização fácil de recursos
externos”.
Dizem mesmo os “camaradas” que
é preciso “reaprender a valorizar os
recursos existentes e maximizar os
benefícios de cada Metical a investir”.
Ematum/Proindicus traumatiza delegados
Para a Frelimo, urge também orientar
os investimentos para aumentar
directamente a capacidade produtiva,
principalmente, no sector de
agricultura e outros eleitos como áreas de
concentração e catalisadores, nomeadamente,
os sectores de energia, infra-estruturas e
turismo.
“Foi bom que se fez por escrito. Assim no futuro
já se pode pegar nestes escritos e exigir-
-se o cumprimento destas promessas. É diferente
só de falar”, comentou ao SAVANA,
em plena escola da Frelimo, onde decorria o
evento, um membro sénior da Frelimo, que
não quis ser nomeado.
Com o assunto Ematum/Proindicus sempre
subdjacente nos debates e reflexões sobre a
situação económica e dívida pública, Nyusi
viu-se forçado a chamar Isaltina Lucas, a
nóvel vice-ministra de Economia e Finanças,
para explicar a situação, complementarizada
depois pelo Primeiro-Ministro, Agostinho
do Rosário. Para um dos participantes, a
esmagadora maioria não sabia dos detalhes
do endividamento e “ficou muito chocada
com as explicações”. Segundo os relatos,
Armando Guebuza, sobre quem recaem as
suspeições sobre o excessivo endividamento
em torno do projecto securitário Ematum/
Proindicus, “entrou mudo e saiu calado” da
reunião.
Na hora de encerramento da sessão, o presidente
do partido começou por agradecer
o que chamou de espírito crítico durante os
quatro dias de debates.
“O êxito desta sessão deve-se à participação
activa, franca e aberta dos membros do Comité
Central e dos convidados nos debates
dos pontos da agenda. Por essa razão, saudamos
a todos os camaradas pela franqueza,
seriedade, espírito crítico e criatividade demonstrados
na análise da actuação do nosso
Partido”, anotou Filipe Nyusi.
Sobre a corrupção, Nyusi defendeu a necessidade
da responsabilização dos quadros e
militantes da Frelimo metidos no que, cautelosamente,
chamou de comportamentos desviantes,
mas também garantiu que os órgãos
do Partido, aos diversos níveis, devem tomar
medidas cada vez mais firmes para desencorajar
a prática de actos de corrupção.
“Foi com grande preocupação que constatamos
actos de corrupção na nossa sociedade,
e por vezes envolvendo nossos camaradas. O
Comité Central instrui à Comissão Política
para submeter à próxima sessão Ordinária a
Proposta de Directiva Anti-Corrupcão que
regula a conduta dos membros do Partido a
todos os níveis”, referiu.
Para além de convocar o Congresso para Setembro
do próximo ano na Matola, a V Sessão
do Comité Central da Frelimo recomendou
ainda o seu Governo a dar explicações
aos moçambicanos sobre as dívidas decorrentes
das operações EMATUM e PROINDICUS,
contrariando assim a sua bancada
que, em sede do parlamento, chumbou a solicitação
da Renamo sobre a ida do executivo
à Assembleia da República. A Bancada da
Frelimo foi alvo de severas críticas por causa
desta atitude, comportamento que, segundo
alguns membros do Comité Central, teve
um custo político muito elevado. Também
acabaram por ser zurzidos os incontornáveis
“G-40”, um grupo de comentadores e escribas
a soldo da Frelimo/era Guebuza.
Apesar desta recomendação, 48 horas depois,
na reunião da Comissão Permanente da Assembleia
da República(AR) realizada esta
segunda-feira, Margarida Talapa manteve-se
inflexível no pedido da Renamo para que o
Governo dê explicações sobre os endividamentos
encapotados e aparentemente inconstitucionais.
Também na frente diálogo/
Renamo, duas sedes do partido da oposição
foram incendiadas em Chimoio e o segundo
vice-presidente da Assembleia Provincial de
Inhambane, membro da Renamo, foi alvejado
com quatro tiros, alegadamente por um
“esquadrão da morte”.
Roubam e não fazem nada
Por João Carlos Barradas*
Quando se aproximar a condenação por maioria de dois terços no Senado de Dilma Rousseff caberá à Presidente optar entre a renúncia ou beber o cálice até ao fim. A data-limite para o julgamento (180 dias a contar da provável aceitação da denúncia pelo Senado em Maio) ronda as eleições municipais de Outubro, e a votação dos deputados pela abertura do processo deu sinal de que o PT enfrenta perda acentuada de apoios. Sete partidos da coligação governamental, a começar pelo PMDB, passaram à oposição e, tirando dez votos comunistas e 60 do PT, a Presidente só obteve mais 43 apoiantes entre os deputados das restantes 23 forma- ções. Por estado, só uma maioria de deputados do Amapá, Ceará e Bahia votou contra a destituição. Dilma nem sequer conseguiu apoio maioritário entre deputados dos demais 12 estados em que venceu na segunda volta das presidenciais de 2014. A maioria dos candidatos às votações de Outubro, preliminar da negociação de coligações para as presidenciais de 2018, quis dissociar-se de um Governo esgotado. Lula, por sua vez, é dos políticos mais expostos aos imponderáveis das investigações e processos judiciais e por escasso prejuízo que isso possa trazer entre militantes e votantes do PT, sobram, contudo, dificuldades acrescidas nas negociações com outros partidos. Outro risco da corrosão de Lula e do PT passa pelo confronto com a imagem impoluta de Marina Silva que já deu provas em eleições presidenciais de ser capaz de congregar o voto evangélico e o protesto ambientalista. Dilma terá, assim, de aceitar o martírio, clamando contra golpistas e traidores, para galvanizar o PT obrigado a uma oposição irredutível a qualquer iniciativa do governo de Michel Temer. O presidencialismo de coligação desfez-se ante a fragmentação partidária, indefinição ideológica e viciação do sistema político por altos níveis de corrupção que se alargou a novos círculos com a chegada do PT à esfera do poder no final de 2002, ano em que conseguiu o maior número de sempre de mandatos na Câmara (91 entre 513 deputados). A degradação das expectativas económicas torna difícil a Temer abrir caminho a uma estabilização institucional e à recuperação económica à imagem de Itamar Franco (com o contributo de Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real), após a renúncia de Collor de Mello no final de 1992. A degradação da ordem institucional, incluindo a politização das instâncias judiciais, tem potenciado a mobilização de apoiantes e opositores do PT, mas, essencialmente, entre as camadas mais instruídas e de maiores rendimentos da população. As sondagens detectam uma crescente desilusão e temor entre as classes de menores rendimentos e escolaridade (representando mais de 50% do eleitorado), que vêm perdendo poder de compra, sentem o aumento do desemprego (superior a 8%) e temem cortes nas políticas redistributivas. Aqui ecoa mais forte a ideia de que a polí- tica é o roubo. Nem sequer sobra complacência para a vetusta tradição que teve no governador paulista Ademar de Barros um dos seus expoentes. Dos anos 1930 até à ditadura militar pôr termo à sua carreira política em 1966, Ademar vicejou de escândalo em escândalo sob o lema: “Eu roubo, mas eu faço!” Agora, os escândalos proliferam, mas é o que se vê.
O plano «B»
Mantchiyani Samora Machel*
A actual situação no nosso país deixa muito a desejar. Mesmo com todo o optimismo que se tenta passar, a tempestade não está a dar sinais de melhoria. Será que o nosso destino é a desgraça? Para muitos como eu, apreciadores da história das conquistas de Mo- çambique, temos a percepção de que estamos sem nenhuma estratégia para um futuro comum. A história de sistemas políticos com partidos dominantes pode ser similar à nossa: alienação do eleitorado, corrupção, nepotismo , etc. Isso aconteceu no Japão (LDP), Itália (CDP), México (PRI) e Taiwan (KMT). Alguns exemplos de fora de África, onde partidos dominantes mais tarde perderam as eleições ou o controlo total do poder. Nesses casos, os recursos públicos tornam-se fontes de clientelismo para ganhar eleições antes mesmo do dia da sua realização. A oposição, muitas das vezes, não vence as eleições porque tem uma desvantagem de recursos e de integração ou porque não tem o controlo do aparelho institucional. No fim, a popularidade do partido dominante cai porque ele se torna arrogante, desconectado do seu eleitorado (com o povo no geral) e eventualmente perde o poder a favor da oposição. Em África, perder o poder a favor da oposição em muitos casos significa fraude eleitoral, confrontação armada, constituição de um governo de unidade ou golpe de estado. Não pretendo com este texto confrontar de forma alguma o poder, mas sim modestamente contribuir para o possível início de uma discussão aberta de uma visão de estratégia a longo termo. A pergunta mais pertinente para o caso de Moçambique pode ser sem dúvida a seguinte: se tivermos eleições amanhã e a oposição vencer, estaremos preparados para ceder o poder? Ou então as implicações de uma situação dessas já foram analisadas? Por exemplo, sabemos que numa democracia deve existir a separação entre os poderes executivo, judicial e legislativo (parlamento). Essa separa- ção mantém a interdependência e o controlo mútuo entre os três órgãos, minimizando dessa forma a possibilidade de abuso do poder. No nosso país tem-se vindo a afirmar de forma regular que existe uma grande concentração do poder no executivo, em detrimento dos outros dois órgãos de soberania. Podemos testemunhar as consequências dessa concentração do poder, por exemplo, no caso EMATUM ou o da até então desconhecida PROINDICUS, onde foram efectuados investimentos estratégicos de grande envergadura sem a aprovação do parlamento e sem a intervenção do poder judicial para verificar e validar a transparência dos processos e a utilização desses recursos de acordo com a lei vigente. Imaginemos uma situação onde a oposição tem a maioria no parlamento. Como poderemos rejeitar políticas “irracionais” neste orgão? Não haveríamos de nos tornar “revolucionários”? A questão é o que é que estamos a fazer para não acontecerem mais casos como a Ematum, quando não estivermos no poder? Parece que se está a governar como se fóssemos permanecer no poder para sempre, sem termos nenhuma garantia no caso de a oposição vencer. Mantendo esta forma de estar, o problema de concentração de poder, em Mo- çambique, manter-se-á infinitamente, não importa quem vença as eleições. Não vamos saber e nem teríamos como controlar os novos actores. O pior é que quem estabeleceu essas regras fomos nós e não nos poderemos queixar se os outros também as aplicarem. Seguindo Robin Hood, “ladrão que rouba ao ladrão é amigo do povo”. O problema é que não conhecemos o novo ladrão; ele está com os bolsos vazios e naturalmente quem vai continuar a sofrer com tudo isso é o povo. Um bom jogador sabe sair quando ainda está em forma, para manter o seu legado. Da mesma forma que um bom apostador retira os seus lucros antes que perca tudo. O truque é mudar as regras do jogo enquanto ainda se está por cima. Nos últimos anos verifica-se que as pessoas são mais fiéis ao dinheiro do que à sua camisola partidária. No caso dos partidos dominantes em África, e não só, quando o poder cai, segue-se uma reorganização das instituições públicas incluindo das empresas estatais e os antigos chefes são ca- çados um por um. Quem poderá garantir a segurança deles? o polí- cia que recebe um salário mínimo, membro de uma corporação infestada de corruptos? O judiciário que está sob controlo do executivo? O parlamento que está sob controlo do inimigo? Ou o seu dinheiro a que a oposição já tem acesso? Em termos de direitos de terra, recursos, participações e outros investimentos obtidos de uma forma pouco transparente, quem pode garantir o direito de propriedade dos velhos actores nesta estância? A messagem que estou a passar é a seguinte: temos de melhorar os sistemas de governação, especialmente reforçando a independência dos poderes judicial e legislativo. Para o nosso bem, pois seria a cartada mestre para manter o equilíbrio do poder, num dia de chuva. E já estamos atrasados para esse processo de transição. Isto significa ter regras claras, construir instituições independentes que hoje até poderiam funcionar não a nosso favor mas que, a médio e longo prazos, nos seriam favoráveis pois as regras seriam as mesmas. Uma das mais velhas estratégias de guerra e talvez a mais citadada é: “The best attact is a good defence´´ (o melhor ataque é uma boa defesa). Deve-se estudar uma estratégia virada para o futuro. Temos de ter algumas armas que não sejam apenas armas para manter ou conquistar o poder, a qualquer custo, no futuro. Só uma restauração dos ramos de governação nos pode garantir isso. Digo nós porque sou da Frelimo e muitos jovens como eu estão preocupados com o futuro do partido e do país. Eles são “Frelimistas” de coração mas não se identificam com muitas políticas e práticas correntes, estando marginalizados do processo de tomada de decisões, e a sua frustração se manifesta nos meios sociais. Às vezes é difícil defender a camisola quando a cabeça fala mais alto que o coração. Especialmente quando temos uma situação em que não ficamos claros sobre que interesses defendem os chamados representantes do povo. Será que efetivamente os interesses comuns? por isso sonhamos um dia poder votar os nossos representantes directamente, e que eles assumam a responsabilidade de defender o compromisso com o povo. Assim, esta aposta é uma arma para nos defendermos no futuro. A África do Sul, com todo o seu rigor legal, tem vindo a sofrer abusos por parte do poder executivo. E qual está a ser a sua salvação? um Parlamento e um poder Judicial interventivos. Qual vai ser a nossa? Armas ou o salve- -se quem poder? Ou talvez : (i) ter outra nacionalidade (ii) acumular um monte de dinheiro (iii) abrir contas no estrangeiro (iv) comprar um jacto ou uma passagem para quando tudo for abaixo e deixar os pobres coitados com o país em chamas. Espero que não ...e para os que têm esses planos é importante recordar que não é possível levar toda a beleza, todo o calor humano num avião para uma ilha offshore.
*Bacharel em Relações Internacionais, Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, Mestrado em Gestão.
O que um homem é.
Homenagem a Manuel Vieira Pinto.
Por Mia Couto*
N asci e continuo a nascer da poesia. Foi nos versos que encontrei as minhas grandes lições. Essas lições não foram dadas por pessoas. Vieram na forma de pessoas. Foram pessoas, foram vidas. Em momentos de desespero e descrença, essas vidas ergueram-se como uma luz no meio das trevas e devolveram-me não tanto o caminho mas o gosto e a certeza de buscar uma saída. A minha infância foi cercada de livros: subiam pelas paredes, atapetavam as janelas, atrapalhavam as portas. O meu pai defendia-se perante o protesto da minha mãe: os livros, dizia ele, são outras janelas, são outras portas. E tinha razão. Um dos poetas que veio em socorro dos frágeis argumentos do meu pai foi o espanhol Gabriel Celaia. E ele escreveu algo que cito de cor: quando tudo parece desabar, quando todos se entregarem à traição, basta que haja um homem, um único homem que tenha permanecido limpo e digno, basta esse homem para nos devolver a esperança em toda a humanidade. Recordo esses versos pensando em Manuel Vieira Pinto. O nome desse homem, desde que sou menino, ecoou em minha casa como algo que foi bem mais do que um simples nome. Era uma bandeira. Uma bandeira de humanismo num tempo carregado de ódios. O meu pai sempre foi ateu. E assim nos educou: sem crença religiosa. Mas com uma profunda religiosidade, um inabalável desejo de entrega e de partilha. Vi-o chorar quando morreu o bispo da Beira, D. Soares de Resende. Por sua mão fomos visitar a campa rasa e ali, com voz comovida, ele nos falou da grandeza e da humildade. E lembro o respeito com que o nome de Vieira Pinto era erguido como se fosse um livro, um poema, uma casa no meio da tempestade. Nesse tempo de guerra e de opressão, a palavra do bispo de Nampula atravessava as paredes do medo, iludia a vigilância da polícia e alimentava a nossa esperança na justiça e na mudança. Quando foi expulso de Moçambique pelas autoridades portuguesas, havia nas ruas e no aeroporto portugueses que o insultavam e o ameaçavam e mesmo o agrediram. Houve quem simulasse uma for- ça com um boneco dependurado. Esses que tudo isso fizeram eram certamente, em grande número, católicos. Muito possivelmente, ajoelharam-se, no dia seguinte, e pediram absolvição pelos pecados. Ou talvez, na sua estreiteza de espírito, nem pensassem que havia pecado. Em minha casa, que era de gente ateia, (com excepção da minha mãe), houve uma consterna- ção como se houvessem arrancado uma parte de nós, uma parte de Moçambique. Uma parte da nossa própria família. Pouco importava se a nossa família não frequentasse a igreja. Talvez a nossa religião fosse a mesma de todos os homens que assumem o desafio de serem generosos. Pouco importava que o meu pai e o Bispo Vieira Pinto não fossem oficialmente moçambicanos. Ambos eram mais Moçambique que muitos dos que se reclamam da moçambicanidade. Não interessa que crenças formais os distinguiam. Um mesmo sentido de humanidade os irmanava. *texto lido no lançamento do livro “Manuel Vieira Pinto, O visioná- rio de Nampula”, da autoria do pe. José Luzia, ocorrido em Maputo a 19.04.16.
O blogue “Diário de um sociólogo” [portal com referência acima], que tenho o prazer de produzir, fez dez anos de vida ininterrupta no dia 18 deste mês, tendo nascido às 13:26 de 18 de Abril de 2006. É o mais visitado blogue moçambicano e uma referência nacional e internacional. Dele têm ideias e textos para livros, para a minha crónica semanal no “Savana” e para as minhas páginas no Facebook, no Twitter, na Academia. edu e noGoogle+. O Diário de um sociólogo é (1) diariamente actualizado, (2) não se esconde no anonimato, (3) não pratica o panfletarismo e (4) não vive da mediocridade parasitária do copia/cola/mexerica. Face à hegemonia de redes sociais como Facebook e Twitter, é certamente o único blogue mo- çambicano que se mantém vivo com base nas quatro características apontadas.
Roubam e não fazem nada
Por João Carlos Barradas*
Quando se aproximar a condenação por maioria de dois terços no Senado de Dilma Rousseff caberá à Presidente optar entre a renúncia ou beber o cálice até ao fim. A data-limite para o julgamento (180 dias a contar da provável aceitação da denúncia pelo Senado em Maio) ronda as eleições municipais de Outubro, e a votação dos deputados pela abertura do processo deu sinal de que o PT enfrenta perda acentuada de apoios. Sete partidos da coligação governamental, a começar pelo PMDB, passaram à oposição e, tirando dez votos comunistas e 60 do PT, a Presidente só obteve mais 43 apoiantes entre os deputados das restantes 23 forma- ções. Por estado, só uma maioria de deputados do Amapá, Ceará e Bahia votou contra a destituição. Dilma nem sequer conseguiu apoio maioritário entre deputados dos demais 12 estados em que venceu na segunda volta das presidenciais de 2014. A maioria dos candidatos às votações de Outubro, preliminar da negociação de coligações para as presidenciais de 2018, quis dissociar-se de um Governo esgotado. Lula, por sua vez, é dos políticos mais expostos aos imponderáveis das investigações e processos judiciais e por escasso prejuízo que isso possa trazer entre militantes e votantes do PT, sobram, contudo, dificuldades acrescidas nas negociações com outros partidos. Outro risco da corrosão de Lula e do PT passa pelo confronto com a imagem impoluta de Marina Silva que já deu provas em eleições presidenciais de ser capaz de congregar o voto evangélico e o protesto ambientalista. Dilma terá, assim, de aceitar o martírio, clamando contra golpistas e traidores, para galvanizar o PT obrigado a uma oposição irredutível a qualquer iniciativa do governo de Michel Temer. O presidencialismo de coligação desfez-se ante a fragmentação partidária, indefinição ideológica e viciação do sistema político por altos níveis de corrupção que se alargou a novos círculos com a chegada do PT à esfera do poder no final de 2002, ano em que conseguiu o maior número de sempre de mandatos na Câmara (91 entre 513 deputados). A degradação das expectativas económicas torna difícil a Temer abrir caminho a uma estabilização institucional e à recuperação económica à imagem de Itamar Franco (com o contributo de Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real), após a renúncia de Collor de Mello no final de 1992. A degradação da ordem institucional, incluindo a politização das instâncias judiciais, tem potenciado a mobilização de apoiantes e opositores do PT, mas, essencialmente, entre as camadas mais instruídas e de maiores rendimentos da população. As sondagens detectam uma crescente desilusão e temor entre as classes de menores rendimentos e escolaridade (representando mais de 50% do eleitorado), que vêm perdendo poder de compra, sentem o aumento do desemprego (superior a 8%) e temem cortes nas políticas redistributivas. Aqui ecoa mais forte a ideia de que a polí- tica é o roubo. Nem sequer sobra complacência para a vetusta tradição que teve no governador paulista Ademar de Barros um dos seus expoentes. Dos anos 1930 até à ditadura militar pôr termo à sua carreira política em 1966, Ademar vicejou de escândalo em escândalo sob o lema: “Eu roubo, mas eu faço!” Agora, os escândalos proliferam, mas é o que se vê.
O plano «B»
Mantchiyani Samora Machel*
A actual situação no nosso país deixa muito a desejar. Mesmo com todo o optimismo que se tenta passar, a tempestade não está a dar sinais de melhoria. Será que o nosso destino é a desgraça? Para muitos como eu, apreciadores da história das conquistas de Mo- çambique, temos a percepção de que estamos sem nenhuma estratégia para um futuro comum. A história de sistemas políticos com partidos dominantes pode ser similar à nossa: alienação do eleitorado, corrupção, nepotismo , etc. Isso aconteceu no Japão (LDP), Itália (CDP), México (PRI) e Taiwan (KMT). Alguns exemplos de fora de África, onde partidos dominantes mais tarde perderam as eleições ou o controlo total do poder. Nesses casos, os recursos públicos tornam-se fontes de clientelismo para ganhar eleições antes mesmo do dia da sua realização. A oposição, muitas das vezes, não vence as eleições porque tem uma desvantagem de recursos e de integração ou porque não tem o controlo do aparelho institucional. No fim, a popularidade do partido dominante cai porque ele se torna arrogante, desconectado do seu eleitorado (com o povo no geral) e eventualmente perde o poder a favor da oposição. Em África, perder o poder a favor da oposição em muitos casos significa fraude eleitoral, confrontação armada, constituição de um governo de unidade ou golpe de estado. Não pretendo com este texto confrontar de forma alguma o poder, mas sim modestamente contribuir para o possível início de uma discussão aberta de uma visão de estratégia a longo termo. A pergunta mais pertinente para o caso de Moçambique pode ser sem dúvida a seguinte: se tivermos eleições amanhã e a oposição vencer, estaremos preparados para ceder o poder? Ou então as implicações de uma situação dessas já foram analisadas? Por exemplo, sabemos que numa democracia deve existir a separação entre os poderes executivo, judicial e legislativo (parlamento). Essa separa- ção mantém a interdependência e o controlo mútuo entre os três órgãos, minimizando dessa forma a possibilidade de abuso do poder. No nosso país tem-se vindo a afirmar de forma regular que existe uma grande concentração do poder no executivo, em detrimento dos outros dois órgãos de soberania. Podemos testemunhar as consequências dessa concentração do poder, por exemplo, no caso EMATUM ou o da até então desconhecida PROINDICUS, onde foram efectuados investimentos estratégicos de grande envergadura sem a aprovação do parlamento e sem a intervenção do poder judicial para verificar e validar a transparência dos processos e a utilização desses recursos de acordo com a lei vigente. Imaginemos uma situação onde a oposição tem a maioria no parlamento. Como poderemos rejeitar políticas “irracionais” neste orgão? Não haveríamos de nos tornar “revolucionários”? A questão é o que é que estamos a fazer para não acontecerem mais casos como a Ematum, quando não estivermos no poder? Parece que se está a governar como se fóssemos permanecer no poder para sempre, sem termos nenhuma garantia no caso de a oposição vencer. Mantendo esta forma de estar, o problema de concentração de poder, em Mo- çambique, manter-se-á infinitamente, não importa quem vença as eleições. Não vamos saber e nem teríamos como controlar os novos actores. O pior é que quem estabeleceu essas regras fomos nós e não nos poderemos queixar se os outros também as aplicarem. Seguindo Robin Hood, “ladrão que rouba ao ladrão é amigo do povo”. O problema é que não conhecemos o novo ladrão; ele está com os bolsos vazios e naturalmente quem vai continuar a sofrer com tudo isso é o povo. Um bom jogador sabe sair quando ainda está em forma, para manter o seu legado. Da mesma forma que um bom apostador retira os seus lucros antes que perca tudo. O truque é mudar as regras do jogo enquanto ainda se está por cima. Nos últimos anos verifica-se que as pessoas são mais fiéis ao dinheiro do que à sua camisola partidária. No caso dos partidos dominantes em África, e não só, quando o poder cai, segue-se uma reorganização das instituições públicas incluindo das empresas estatais e os antigos chefes são ca- çados um por um. Quem poderá garantir a segurança deles? o polí- cia que recebe um salário mínimo, membro de uma corporação infestada de corruptos? O judiciário que está sob controlo do executivo? O parlamento que está sob controlo do inimigo? Ou o seu dinheiro a que a oposição já tem acesso? Em termos de direitos de terra, recursos, participações e outros investimentos obtidos de uma forma pouco transparente, quem pode garantir o direito de propriedade dos velhos actores nesta estância? A messagem que estou a passar é a seguinte: temos de melhorar os sistemas de governação, especialmente reforçando a independência dos poderes judicial e legislativo. Para o nosso bem, pois seria a cartada mestre para manter o equilíbrio do poder, num dia de chuva. E já estamos atrasados para esse processo de transição. Isto significa ter regras claras, construir instituições independentes que hoje até poderiam funcionar não a nosso favor mas que, a médio e longo prazos, nos seriam favoráveis pois as regras seriam as mesmas. Uma das mais velhas estratégias de guerra e talvez a mais citadada é: “The best attact is a good defence´´ (o melhor ataque é uma boa defesa). Deve-se estudar uma estratégia virada para o futuro. Temos de ter algumas armas que não sejam apenas armas para manter ou conquistar o poder, a qualquer custo, no futuro. Só uma restauração dos ramos de governação nos pode garantir isso. Digo nós porque sou da Frelimo e muitos jovens como eu estão preocupados com o futuro do partido e do país. Eles são “Frelimistas” de coração mas não se identificam com muitas políticas e práticas correntes, estando marginalizados do processo de tomada de decisões, e a sua frustração se manifesta nos meios sociais. Às vezes é difícil defender a camisola quando a cabeça fala mais alto que o coração. Especialmente quando temos uma situação em que não ficamos claros sobre que interesses defendem os chamados representantes do povo. Será que efetivamente os interesses comuns? por isso sonhamos um dia poder votar os nossos representantes directamente, e que eles assumam a responsabilidade de defender o compromisso com o povo. Assim, esta aposta é uma arma para nos defendermos no futuro. A África do Sul, com todo o seu rigor legal, tem vindo a sofrer abusos por parte do poder executivo. E qual está a ser a sua salvação? um Parlamento e um poder Judicial interventivos. Qual vai ser a nossa? Armas ou o salve- -se quem poder? Ou talvez : (i) ter outra nacionalidade (ii) acumular um monte de dinheiro (iii) abrir contas no estrangeiro (iv) comprar um jacto ou uma passagem para quando tudo for abaixo e deixar os pobres coitados com o país em chamas. Espero que não ...e para os que têm esses planos é importante recordar que não é possível levar toda a beleza, todo o calor humano num avião para uma ilha offshore.
*Bacharel em Relações Internacionais, Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, Mestrado em Gestão.
O que um homem é.
Homenagem a Manuel Vieira Pinto.
Por Mia Couto*
N asci e continuo a nascer da poesia. Foi nos versos que encontrei as minhas grandes lições. Essas lições não foram dadas por pessoas. Vieram na forma de pessoas. Foram pessoas, foram vidas. Em momentos de desespero e descrença, essas vidas ergueram-se como uma luz no meio das trevas e devolveram-me não tanto o caminho mas o gosto e a certeza de buscar uma saída. A minha infância foi cercada de livros: subiam pelas paredes, atapetavam as janelas, atrapalhavam as portas. O meu pai defendia-se perante o protesto da minha mãe: os livros, dizia ele, são outras janelas, são outras portas. E tinha razão. Um dos poetas que veio em socorro dos frágeis argumentos do meu pai foi o espanhol Gabriel Celaia. E ele escreveu algo que cito de cor: quando tudo parece desabar, quando todos se entregarem à traição, basta que haja um homem, um único homem que tenha permanecido limpo e digno, basta esse homem para nos devolver a esperança em toda a humanidade. Recordo esses versos pensando em Manuel Vieira Pinto. O nome desse homem, desde que sou menino, ecoou em minha casa como algo que foi bem mais do que um simples nome. Era uma bandeira. Uma bandeira de humanismo num tempo carregado de ódios. O meu pai sempre foi ateu. E assim nos educou: sem crença religiosa. Mas com uma profunda religiosidade, um inabalável desejo de entrega e de partilha. Vi-o chorar quando morreu o bispo da Beira, D. Soares de Resende. Por sua mão fomos visitar a campa rasa e ali, com voz comovida, ele nos falou da grandeza e da humildade. E lembro o respeito com que o nome de Vieira Pinto era erguido como se fosse um livro, um poema, uma casa no meio da tempestade. Nesse tempo de guerra e de opressão, a palavra do bispo de Nampula atravessava as paredes do medo, iludia a vigilância da polícia e alimentava a nossa esperança na justiça e na mudança. Quando foi expulso de Moçambique pelas autoridades portuguesas, havia nas ruas e no aeroporto portugueses que o insultavam e o ameaçavam e mesmo o agrediram. Houve quem simulasse uma for- ça com um boneco dependurado. Esses que tudo isso fizeram eram certamente, em grande número, católicos. Muito possivelmente, ajoelharam-se, no dia seguinte, e pediram absolvição pelos pecados. Ou talvez, na sua estreiteza de espírito, nem pensassem que havia pecado. Em minha casa, que era de gente ateia, (com excepção da minha mãe), houve uma consterna- ção como se houvessem arrancado uma parte de nós, uma parte de Moçambique. Uma parte da nossa própria família. Pouco importava se a nossa família não frequentasse a igreja. Talvez a nossa religião fosse a mesma de todos os homens que assumem o desafio de serem generosos. Pouco importava que o meu pai e o Bispo Vieira Pinto não fossem oficialmente moçambicanos. Ambos eram mais Moçambique que muitos dos que se reclamam da moçambicanidade. Não interessa que crenças formais os distinguiam. Um mesmo sentido de humanidade os irmanava. *texto lido no lançamento do livro “Manuel Vieira Pinto, O visioná- rio de Nampula”, da autoria do pe. José Luzia, ocorrido em Maputo a 19.04.16.
O blogue “Diário de um sociólogo” [portal com referência acima], que tenho o prazer de produzir, fez dez anos de vida ininterrupta no dia 18 deste mês, tendo nascido às 13:26 de 18 de Abril de 2006. É o mais visitado blogue moçambicano e uma referência nacional e internacional. Dele têm ideias e textos para livros, para a minha crónica semanal no “Savana” e para as minhas páginas no Facebook, no Twitter, na Academia. edu e noGoogle+. O Diário de um sociólogo é (1) diariamente actualizado, (2) não se esconde no anonimato, (3) não pratica o panfletarismo e (4) não vive da mediocridade parasitária do copia/cola/mexerica. Face à hegemonia de redes sociais como Facebook e Twitter, é certamente o único blogue mo- çambicano que se mantém vivo com base nas quatro características apontadas.
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