terça-feira, 15 de março de 2016

Entrevista Completa de Dhlakama à DW África

MOÇAMBIQUE

"Até fim de março governaremos seis províncias moçambicanas", reafirma Dhlakama à DW África

Algures na Gorongosa, o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, concedeu uma entrevista exclusiva à DW África, onde reafirma que o seu partido vai governar nas províncias onde venceu as eleições e nega ataques a alvos civis.
Afonso Dhlakama, líder da RENAMO, o maior partido da oposição em Moçambique
Moçambique está mergulhado no seu segundo conflito armado desde o fim da guerra civil dos 16 anos. Na cidade, o diálogo entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO há muito que foi interrompido, para dar lugar ao barulho das armas no interior do país.
Os moçambicanos andam desgastados com o sangue que se derrama e com a ausência de um sinal de paz no fundo do túnel. A DW África entrevistou em exclusivo o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, que deu a sua versão dos factos.
DW África: Qual é a preocupação da RENAMO neste momento?
Afonso Dhlakama (AD): A preocupação da RENAMO é a preocupação do povo, sobretudo o povo que tem vindo a votar na RENAMO e no seu líder. Para mantermos a democracia e para evitarmos o pior em Moçambique, porque o povo promete que, se a RENAMO não fizer algo, ele, sem liderança, pode sair à rua, prefere mesmo partir tudo e até morrer, e isso pode ser um caos para Moçambique, a prioridade da RENAMO, e que é do povo, é governarmos as seis províncias onde tivemos a maioria nas últimas eleições. Embora tenha havido fraude, resistimos muito, ficámos acima de todos os partidos. Governar com democracia e não dividir o país, como a FRELIMO alega, nem reivindicar a independência de cada província, mas governar pacificamente havendo alternância governativa ao nível local. Esta é a preocupação da RENAMO e minha neste momento.
DW África: A RENAMO tinha prometido governar a partir de 1 de março as províncias onde diz ter vencido nas eleições de 2015. Entrentanto isso não aconteceu até agora. Porquê?
AD: Não, a RENAMO não disse o dia. Disse que a partir do mês de março vai iniciar a sua governação. Hoje, segunda-feira (14.03.), ainda faltam dezasseis dias para terminar o mês. Vamos iniciar essa governação paulatinamente, vamos tomar conta de vários distritos de cada província e estabelecer as normas, as nossas administrações. Nós não dissemos que a partir de março vamos pegar nos paus e expulsar a FRELIMO, não. De facto, março é este mês, posso-lhe garantir que há-de ouvir antes do dia 31 deste mês que a RENAMO, nas províncias onde obteve a maioria, já tomou tantos distritos. Foi o que prometemos e não há nada que esteja fora do prazo.
Caravana de Dhlakama é atacada em setembro de 2015
DW África: Nos atuais confrontos, a maior parte das vítimas tem sido civis, segundo a imprensa, contrariamente ao confronto anterior em que a maioria eram soldados do exército. Esta situação deixa muitos cidadãos descontentes, o que em certa medida faz com que a RENAMO não seja tão bem vista como no anterior conflito. A RENAMO tem consciência dessa apreciação?
AD: Absolutamente não. Minha senhora, nasci e cresci em Moçambique, sou moçambicano e estive na FRELIMO antes de lutar pela democracia. O povo moçambicano sabe o que está a acontecer, mesmo a imprensa moçambicana sabe o que está a acontecer. Um e outro frelimista pode tentar transmitir uma imagem negativa. Vou dizer-lhe: este conflito reiniciou há um mês, provocado pela FRELIMO. Desde janeiro e fevereiro, a FRELIMO contratou norte-coreanos, treinou um esquadrão da morte em Maputo, e esse grupo foi espalhado pelas províncias do centro e norte. Segundo a FRELIMO, era para impedir a governação da RENAMO. E esses grupos andavam de carros de tração às quatro rodas, que durante a noite raptavam membros da RENAMO e até apoiantes. Faziam isso num distrito e, no dia seguinte, encontravam-se os corpos no mato. E os embaixadores europeus e africanos acreditados aqui sabem dessa situação. Então, o departamento da defesa da RENAMO tomou medidas, fez emboscadas entre o troço rio Save por onde entram do sul para o centro, fez outra emboscada entre o rio Save e Muxúnguè e colocou-se também entre Chimoio e Tete e entre Gorongosa e o rio Zambeze, em Caia, para intercetar esses grupos de raptores. De facto, muitos foram apanhados e a situação já está melhor.
Ora, nesta tomada de medidas, a FRELIMO criou colunas militares, obrigou os transportadores a serem escoltados, porque os militares da FRELIMO já não podiam passar com receio de serem atacados, conhecem a capacidade das forças da RENAMO. Então, as forças da FRELIMO, para fingirem, obrigaram os camiões e transportadores do sul a transportarem os soldados. Ora, neste processo dos militares da FRELIMO entrarem nos carros civis, então a RENAMO dispara contra carros militares. Calha que morre um e outro, e a FRELIMO manda os jornalistas dizerem que a RENAMO atacou civis. Sabe muito bem. A RENAMO sobrevive graças ao apoio da população. Se a RENAMO quisesse matar civis nas suas zonas [já o teria feito], vive com civis. Não era preciso ir escolher uma estrada para atacar os carros civis, porque eles circulam pelos distritos. A RENAMO fechou a logística das forças governamentais, mas a FRELIMO, para lançar propaganda, com vergonha por estar a sofrer baixas até hoje não consegue dizer que vinte, trinta ou quarenta (soldados) mancebos ou Forças de Intervenção Rápida morrem por dia, e falam da população. Não há população que esteja a morrer, mas um ou outro pode ser vítima dos tiros de um e outro lado. A situação que posso confirmar na província de Tete é o seguinte: Os confrontos fizeram com que grande parte [da população] em Nkondedzi, distrito de Moatize se refugiasse no Malawi. Mas também foi confirmado que as populações fugiram das atrocidades das forças governamentais.
FIR cerca casa do líder da RENAMO na Beira e desarma a sua seguranaça em setembro de 2015
DW África: Em relação a isso o Governo diz que não há refugiados de guerra, são familiares e apoiantes da RENAMO que estão no Malawi...
AD: Minha senhora, parece-me que rádios internacionais reportaram a situação há algumas semanas. Há uma agência das Nações Unidas credível, o ACNUR, que esteve no Malawi e viu refugiados moçambicanos lá, incluindo crianças, e disseram de boca cheia que fugiram das atrocidades das forças governamentais, porque, quando as forças da RENAMO entram em confronto com as forças governamentais, estas levam porrada e vingam-se. Queimam as casas acusando a população local de estar a apoiar a RENAMO. Aliás, essa é a política [da FRELIMO]. Há dois anos, aqui em Satundjira, em Maríngué, as populações ficaram sem casas. É o mesmo que aconteceu em Nkondedzi. A própria STV, que é o órgão privado daqui, esteve no Malawi, onde entrevistou pessoas. Esteve nas zonas abandonadas e confirmou [tudo]. A ser verdade, é propaganda do governador de Tete dizer que não são refugiados, mas familiares da RENAMO. Já são quase dez mil. Então, a ser assim são todos os dez mil familiares [dos membros] da RENAMO num lugar tão pequeno? Isto é propaganda antiga e que já não cola. São refugiados, só que a FRELIMO não quer aceitar que o Malawi lhes conceda o estatuto de refugiados, porque é uma pouca vergonha. O Malawi é um país tão pequeno, não tem comida para dar e por isso está a apelar. E agora o vice-ministro da Justiça ou algo semelhante, levou à TVM, a televisão estatal que faz propaganda para a FRELIMO, levou os chefes dinamizadores da cidade de Tete para as zonas em causa e instruiu-os previamente para dizerem que as populações fugiram das atrocidades das forças da RENAMO. Só que isto já não pega nada, porque todo o mundo sabe por que aquelas populações fugiram.
Mas, voltando atrás, não há muitos civis que estão a morrer. Foram três emboscadas: na zona do Zove, no troço entre o rio Save e Muxúnguè, a segunda emboscada na zona do Zonde, Catandica, no troço entre Chimoio e Tete, e a última emboscada foi no troço entre a vila da Gorongosa e a ponte sobre o rio Zambeze, em Caia. Portanto, na áera de Nhamapanza e Nhamajaja.
Primeiro encontro entre Afonso Dhlakama e o Presidente do país, Filipe Nyusi (esq.), em fevereiro de 2015
DW África: Nessas emboscadas, pelo menos numa delas morreu o motorista de uma transportadora, foi uma emboscada contra um autocarro de passageiros...
AD: Não era de passageiros, minha irmã. Isto aconteceu em Vonde. Há uma semana, o machimbombo era da empresa Naji cheio de "fademos", Forças Armadas de Moçambique, que saíam de Chimoio para Tete. A Rádio Deutsche Welle pode usar as suas fontes, vai ter as provas. Eu não tenho que aldrabar e nem fazer propaganda. Então o motorista foi atingido, sei muito bem, foi num sábado às nove horas. Não havia nenhum elemento da população, morreram trinta e nove "fademos". Pode morrer um e outro elemento da população, não estamos a fazer a guerra santa, pode apanhar um, temos de dizer que sim. Agora dizer que a RENAMO está a atacar civis não, porque seria um problema sério, a RENAMO sobrevive graças ao apoio da população.
DW África: Também durante os primeiros confrontos, o assunto RENAMO era gerido pelo Ministério da Defesa, mas numa determinada altura passou para o Ministério do Interior. Quando há confrontos quem responde é a Polícia. Acha que esta é uma tentativa de minimizar o estatuto da RENAMO ou de transformar a RENAMO numa espécie de desordeiros ou simples marginais?
AD: Não. Quando entraram elementos da RENAMO depois do Acordo Geral de Paz, no tempo do Chissano, ele não gostou, assim como todos os estrategas da FRELIMO. Viram que as "fademos" (Forças Armadas de Moçambique) não iriam servir os interesses da FRELIMO. Ela criou [outro] exército como alternativa, a Polícia de Intervenção Rápida, agora FIR, Forças de Intervenção Rápida, controladas pelo Ministério do Interior. Este é um exército 100% [da FRELIMO], porque não há mistura com a RENAMO. É um exército constituído por antigos militares, que lutaram contra a RENAMO durante 16 anos, e os jovens que são incorporados no exército não pertencem a uma polícia qualquer. É um exército próprio porque as "fademos" têm muita desconfiança.
 
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"Até fim de março governaremos seis províncias moçambicanas", reafirma Dhlakama à DW África

Embora os nossos homens não sejam generais e nem sejam considerados, a FRELIMO desconfia das "fademos", porque eles também não aceitam esse controle, e, quando são mobilizados, fogem, enquanto a FIR é controlada pelo Ministério do Interior e não é uma polícia. Esta FIR é um autêntico exército, com mais condições do que as "fademos". Têm carros de combate, armas pesadas, ganham bem e têm quartéis próprios. Há, às vezes, alguns generais das "fademos" a comandar na FIR. É o que está a acontecer. Não é para minimizar a RENAMO ou para a desprezar e atribuir à RENAMO um estatuto de bandidos. Não, pelo contrário. É que a FRELIMO sofreu baixas e as "fademos" são a alternativa à FIR. Mas, mesmo assim, a FIR também está a sofrer baixas. Atualmente, a FRELIMO não tem efetivos. Tentou lançar ofensivas na Zambézia, em Nampula e aqui perto da Gorongosa, mas colocámos todos eles fora de combate.

"Tudo o que negociámos, a FRELIMO pôs no lixo", diz Dhlakama à DW África

Afonso Dhlakama concedeu uma entrevista exclusiva à DW África. Nesta segunda e última parte, o líder da RENAMO afirma que não existe democracia em Moçambique e acusa a FRELIMO de roubar votos ao seu partido nas eleições.
Em Mocambique, há muito que se aguarda por um diálogo com vista ao alcance da paz. Mas passos concretos com esse rumo não existem até agora, apesar de intenções manifestadas publicamente. Recentemente o Presidente do país, Filipe Nyusi, voltou a convidar o líder da RENAMO para mais um encontro. Será que Afonso Dhlakama está disponível para um diálogo ao mais alto nível com Filipe Nyusi? Uma resposta que o líder do maior partido da oposição deu à DW África numa entrevista exclusiva a partir da Gorongosa.

Afonso Dhlakama (AD): O problema não é o diálogo. O problema é sabermos sobre o que dialogar, o que falar, saber como chegar a um compromisso. Porque a partir do Acordo Geral de Paz que foi apadrinhado pelas Nações Unidas e por todos os europeus que eram observadores em Roma, a FRELIMO pôs no lixo o Acordo Geral de Paz que significava a entrada do multipartidarismo em Moçambique.

Afonso Dhlakama (esquerda) reunido com Filipe Nyusi (direita) em Fevereiro de 2015
As instituições do Estado passaram a pertencer à FRELIMO, como por exemplo, o exército, a polícia, serviços de informação do Estado, tribunais, a Procuradoria da República, o Conselho Constitucional… Estas instituições continuam a estar nas mãos do partido. Agora a pergunta é: Estou disposto a negociar, mas a negociar o quê?
Porque a primeira coisa que eu posso fazer com o Nyusi é exigir, de facto, a implementação do Acordo Geral de Paz e os outros acordos que eu assinei com Guebuza em 2014 que até agora estão pendentes. Muitos dirigentes europeus pensam que se o Dhlakama e o Nyusi se encontrarem é uma solução. Mas não é. A solução passa pela aceitação por parte da FRELIMO da democracia efetiva pluralista, para que existam eleições livres e transparentes, Direitos Humanos, justiça e a separação das instituições do Estado porque elas não podem receber ordens do partido FRELIMO e atacar a oposição.

DW África: Entretanto, para que esses pontos sejam resolvidos, é necessário que as negociações entre as duas partes continuem a ter lugar, mas isso não está a acontecer. Como pretende então ultrapassar isso?


Afonso Dhlakama
AD: Ninguém nega o diálogo. É evidente que o diálogo, mesmo dentro das nossas casas com a família, é necessário. Quem rejeita o diálogo não é bem visto. Tudo o que negociámos e já assinámos, a FRELIMO pôs no lixo. Agora, diríamos sim, estou disposto para negociar e obrigar a FRELIMO a aceitar a democracia em Moçambique porque o problema de tudo isto é a FRELIMO não querer a democracia. Quer continuar a estar no poder através do roubo dos votos e enganar os europeus de que existe democracia nesse país quando na realidade não há. É a isto que o Dhlakama não pode chamar de democracia. Terem dito que perdi as eleições... eu nunca perdi as eleições, sempre ganhei mas roubaram-me os votos.

DW África: E no caso dos mediadores? Já houve algum avanço para que seja ultrapassado o impasse nesse processo negocial? O Governo concordou com as vossas propostas? Em que pé está o assunto?

AD: Ainda há pouco tempo, aproximámos a igreja Católica e, em Moçambique, a igreja demonstou-se de facto disponível, tendo afirmado que estaria disposta a ajudar Moçambique se o Governo também se manifestasse disponível. Dirigi ainda uma carta ao Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, através da embaixada em Moçambique, e obtive uma resposta que dizia que a RENAMO deve entender-se, em primeiro lugar, com o Governo moçambicano.

DW África: E não vê nenhum problema pelo facto de o Presidente da África do Sul pertencer a um partido irmão da FRELIMO?

AD: Não, não. Nós temos coragem e eu conheço o Jacob Zuma. Quando queremos alcançar a paz, vamos esquecer os partidos, os irmãos da esquerda, de centro, direita, comunistas e tudo.

Hoje, a ideologia no mundo rege-se por interesses como a economia, a paz e o bem-estar. Conheço muito bem o Jacob Zuma que pertence ao Congresso Nacional Africano (ANC). Foi eleito e está a dirigir um país com mistura de etnias, problemas internos, entre outros. No entanto, o Zuma está consciente que o conflito em Moçambique pode afetar economicamente a África do Sul.

 

"Tudo o que negociámos, a FRELIMO pôs no lixo", diz Dhlakama à DW África

O Zuma não gostaria que houvesse um conflito em Moçambique, não está interessado. Acredito que ele pode ser um bom mediador. 

Não se pode esquecer que a África do Sul, apesar de tudo, é uma potência económica da África austral, e todos conhecemos o peso que tem. Nem há comparação com a Zâmbia, Malawi ou a Namíbia.

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